quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Boca de Ponche

Edberto Ticianeli

No final dos anos 70, o ambiente político para as esquerdas em Alagoas era agitado e promissor. O movimento estudantil reunia multidões nas ruas e tinha presença e organização em quase todos os cursos da Universidade Federal de Alagoas, além de participar ativamente na política local. A primeira liderança estudantil dessa época a conseguir um mandato foi Renan Calheiros, que foi eleito deputado estadual pelo MDB em 1978.

No inicio do mandato, Renan era chamado para tudo que era atividade organizada pelos estudantes. Tinha que se desdobrar para cumprir agendas carregadas. Nos finais de semana, o corre-corre aumentava, quando as atividades políticas eram acrescidas com os compromissos sociais.

Numa sexta-feira, à noite, tivemos uma reunião na sede do MDB, que ficava no primeiro andar de uma farmácia da Rua 2 de Dezembro, no Centro de Maceió. Passava pouco das 21 horas quando saímos e paramos na calçada para acertarmos os próximos compromissos daquela noite. Informei a Renan e Cleto Falcão que precisávamos passar em duas festas de aniversários de colegas nossos da universidade, e depois, se desse tempo, iríamos até o Bar do Alípio, ponto de encontro das lideranças do movimento estudantil.

Enquanto conversávamos, se aproximou um cidadão magro e narigudo, deu um leve sorriso e, sem dizer uma palavra sequer, ficou ao nosso lado. Como Renan e Cleto aceitaram com naturalidade a presença dele, concluiu que ele devia ser amigo de um dos dois. Acertamos que devíamos ir todos em um mesmo carro e fomos para o estacionamento da Assembleia Legislativa, que ficava a poucos metros da sede do MDB. Começamos a caminhar, e lá foi com a gente o citado cidadão, que continuava calado, mas acompanhando vivamente a nossa conversa.

No primeiro aniversário da noite, fomos bem recebidos e, como era natural acontecer ao se receber um deputado, na mesa onde estávamos não faltava bebida e comida.
O amigo do Cleto e do Renan, que continuava sem dizer nada, bebia numa rapidez que chamava a atenção. Assim passamos a noite, de festa em festa, sempre acompanhados pelo discreto cidadão. Já no Bar do Alípio, no Pontal da Barra, houve um momento em que o citado personagem se afastou do grupo, acho que para ir ao banheiro. Renan olhou para o Cleto e disse:

– Porra, Cleto! Onde você arranjou esse amigo? O cara só abre a boca para beber.

Cleto olhou assustado para ele e explicou:

– Amigo meu? Eu pensei que ele era amigo seu ou do Ticianeli.

Foi a minha vez de dizer que também tinha pensado da mesma forma que eles. Com a constatação de que estávamos o tempo todo dividindo o carro e as festas com um estranho, começamos a rir da situação. Afinal, era preciso ser muito cara-de-pau para fazer o que ele estava fazendo.

Passava da meia-noite quando resolvemos ir embora e fomos em direção ao carro. Com a gente, lá vinha o cara-de-pau. Renan parou, olhou para ele e perguntou:

– Ô meu amigo, você conhece quem de nós três?

– Eu só conheço você – falou pela primeira vez o magro, mesmo assim com certa dificuldade pelo efeito do álcool.

– Você me conhece de onde? – insistiu Renan.

– Dos jornais e da televisão.

Nesse momento, o boca de ponche perdeu a carona. 

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