terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mário Lago das Alagoas

Edberto Ticianeli
 
A histórica Viçosa, em Alagoas, vivia dias agitados em 1971. A cidade recebia a equipe que filmava São Bernardo, produção cinematográfica baseada no livro homônimo do alagoano Graciliano Ramos.

Numa noite quente, um dos atores sai a perambular pelas ruas da cidade e é atraído pelo som de um cavaquinho. Foi assim que o advogado, poeta, radialista, letrista e ator Mário Lago descobriu o Trovador Berrante, local de poucos negócios e muitas farras comandadas por seu proprietário, o legendário Zé do Cavaquinho.

Como boêmio atrai boêmio na proporção direta do tamanho da farra, Mário Lago e Zé do Cavaquinho foram ficando amigos de mesa de bar – uma das amizades mais sólidas entre as que existem por ai. Conversa vai, conversa vem, e Mário Lago não demorou a ser apresentado à obra de outro boêmio, Chico Nunes, o Rouxinol da Palmeira.

Como bom conhecedor da cultura popular, Lago percebeu que ali tinha uma fonte inesgotável da tradição oral, que guardava jóias do improviso de um dos maiores poetas das Alagoas. Assim surgiu a pesquisa e, posteriormente, o livro Chico Nunes das Alagoas.

Lançado comercialmente em 1975 pela Editora Civilização Brasileira, com grande sucesso, o livro recebeu crítica elogiosa de Luiz da Câmara Cascudo e de Artur da Távola. Hoje é uma raridade encontrar um exemplar para venda.

A obra, na sua última página, traz uma relação de pessoas a quem o autor agradece, referindo-se a elas como “à turma do mutirão”. Entre elas estão dois viçosenses ilustres: José Aloísio Vilela e Théo Brandão, dois dos maiores estudiosos da cultura nordestina.

Essa informação inevitavelmente provoca uma indagação: por que Chico Nunes não foi estudado por José Aloísio Vilela e Théo Brandão, viçosenses e conhecedores do poeta. A questão merece um estudo sério e pode concluir que em muitas pesquisas a escolha dos objetos obedece a critérios ideológicos. Só para atiçar a curiosidade de quem queira se aprofundar no assunto, vale lembrar que Mário Lago tinha forte ligação com o Partido Comunista.

A pista para entender porque foi um carioca que descobriu o valor da obra de Chico Nunes, talvez esteja na vida de boêmio do poeta, sem apego ao dinheiro, à família ou ao poder. Autoridade para ele era mote para uma glosa.
Chico Nunes

Nos anos 20, o governador Costa Rego visitava Palmeira dos Índios e cobrou do prefeito a presença de Chico Nunes. Queria conhecer o famoso glosador. O que Costa Rego não sabia é que o poeta estava revoltado com a medida do governo que proibia a jogatina nos bordéis, onde ele ganhava uns trocados.

Na frente das autoridades, Chico Nunes sapecou:

Existe um governador
Que se chama Costa Rego,
Que tirou o meu emprego
Porque o jogo acabou,
Isso me contrariou,
Mas o destino assim quis,
A sorte me contradiz,
Eu fiquei desmantelado...
Largue de ser desgraçado,
Seu Costa Rego infeliz.

Graças a Mário Lago e a sua sensibilidade para com a cultura popular, essa e muitas outras obras primas estão registradas no Chico Nunes das Alagoas.

Um comentário:

Givaldo Kléber disse...

EXCELENTE MATÉRIA! PARABÉNS!