quarta-feira, 29 de maio de 2013

Chacina no Pilar: promotor pediu pena de morte

Edberto Ticianeli

O assassinato do empresário João Evangelista de Lima e de sua esposa, Josepha Marta de Lima, proprietários do Hotel Central, no município de Pilar (AL), a 37 km de Maceió, foi desvendado pela polícia com a prisão de dois suspeitos.

Os acusados pelas mortes são os ex-funcionários Francisco, Prudêncio e Vicente, que tentaram fugir sem sucesso. Vicente foi detido em um sítio no município de Marechal Deodoro (AL), enquanto Francisco e Prudêncio fugiram para a cidade de Pesqueira (PE). Em confronto com a polícia, Prudêncio morreu e Francisco foi capturado.

Francisco confessou os crimes e disse que a  primeira vítima foi João Evangelista, que foi atingido por pauladas quando estava no hotel de sua propriedade. Depois de executarem o patrão, os três jovens negros se dirigiram até o Sítio Bonga, de propriedade da família do empresário, onde, também a pauladas, trucidaram Josepha Marta. O promotor de Justiça que acompanha o caso disse que o inquérito está concluído e que vai pedir a pena de morte para os dois indiciados.

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Se você defende a pena de morte e acredita que chegou a hora dela ser aplicada, lamento, mas faltou informar um detalhe na notícia acima: essa chacina aconteceu em 1874. Entretanto, e infelizmente, Francisco foi realmente enforcado às 13h do dia 28 de abril de 1876, após ter o seu pedido de revisão da pena negado pelo imperador Dom Pedro II. A sua morte foi a última execução oficial por pena capital no país. Vicente, o outro assassino, foi condenado à prisão perpétua.

Mesmo com a continuação de condenações à morte após este episódio, o imperador Dom Pedro II passou a comutar todas as sentenças capitais, tanto de homens livres como de escravos. A pena de morte no Brasil foi extinta com a Proclamação da República (1889) e com a edição do Código Penal de 1890.

Alguns historiadores relatam que o imperador Dom Pedro II já não via com bons olhos a pena de morte desde o caso que ficou conhecido como a “Fera de Macabu”, quando, em 1847, no Rio de Janeiro, o fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro e sua mulher Úrsula das Virgens Cabral são condenados pelo massacre de uma família de oito colonos que trabalhavam em suas propriedades rurais.

Coqueiro é condenado à morte e D. Pedro II nega-lhe a graça imperial. É o primeiro rico enforcado no Brasil. Os estudos apontam que este foi o mais trágico erro judiciário da História do Brasil. Coqueiro é levado à forca no dia 6 de março de 1855, em Macaé, jurando inocência. Ele revela para o padre que ouviu a sua confissão o nome do verdadeiro mandante do crime, que ele conhecia, mas prometera nunca revelar de público.

Este caso, de 1847, é citado como o que influenciou o imperador a se posicionar contra a pena de morte. É bom salientar que até este episódio, praticamente só escravos eram enforcados. O último enforcamento foi o do Pilar, em 1874, 28 anos após a “Fera de Macabu” subir no cadafalso. Talvez, o caminho mais correto para entender a atitude do imperador, de comutar as penas, seja o de analisar, também, as pressões liberais daquele período da nossa história, quando crescia a mobilização contra a escravidão e a república era uma resposta para do país a uma monarquia imprestável e dispendiosa.

Hoje, diante da violência e da impunidade, vozes se levantam cobrando a volta da pena de morte. Talvez mais preocupados em punir os escravos Franciscos do que em cortar as cabeças dos fazendeiros Coqueiros. É a nossa herança da cultura escravagista, que permite punir severamente os criminosos pobres (hoje, de todas as raças), mas é complacente com os crimes das elites, responsáveis por verdadeiros atentados à humanidade.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Venezuela: Globovisión foi vendida para grupo simpatizante do chavismo


Edberto Ticianeli


Ainda não há informações detalhadas dos bastidores da negociação, mas já se pode afirmar que Guillermo Zuloaga não aguentou o tranco e vendeu a Globovisón. O ex-proprietário do canal de televisão, que fazia oposição cerrada ao chavismo, não escondeu que perdeu a quebra de braço com o governo do país. Em carta, ele acusa o autoritarismo de Hugo Chávez como responsável pela inviabilização do empreendimento de sua família.

Na maior cara de pau, Zuloaga tenta se passar como vítima, afirmando que o ex-presidente Chávez “não gostou do nosso compromisso de informar a verdade e, por isso, desde 2001, nos declarou inimigos da revolução. Como consequência, inimigos do Estado, o que, depois de 14 anos, fez a Globovisión inviável sob minha direção”. Para bom entendedor fica claro que Zuloaga, que mora nos Estados Unidos, perdeu os recursos da publicidade do governo venezuelano e jogou a toalha. Hugo Chávez não viveu para ver a derrota de Zuloaga.

Os novos proprietários da Globovisón têm à frente, como acionista principal, o economista Juan Domingo Cordeiro. Ele é identificado como simpatizante do chavismo, ainda que negue ter relações mais próximas com o governo. Mesmo tendo ainda inimigos do chavismo em cargos importantes, a expectativa dos analistas é que a linha editorial da empresa migre lentamente para uma posição de centro.

O processo de partidarização da Globovisión e a sua insolvência tem importância fundamental para quem acompanha, no Brasil, as atividades políticas da grande imprensa. Por aqui, já tem empresa enxugando custos. É bom lembrar que a Globovisión se envolveu abertamente em campanhas políticas contra Chávez, chegando ao cúmulo de incitar a população para que derrubasse o presidente constitucionalmente eleito. Desesperadamente, Zuloaga queria impor um governo capaz de garantir vastos recursos para a sua empresa. Afinal, morar nos Estados Unidos é caro.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O MDB das Alagoas: uma história de luta contra a ditadura


Edberto Ticianeli
Campanha do MDB em 1978, no município de Capela

A primeira ação do golpe militar de 31 de março de 1964, para se consolidar, foi anular as forças políticas que se articulavam em torno do governo deposto de João Goulart. Para tal fim lançaram mão do Ato Institucional nº 1, que expurgou da vida política as lideranças que poderiam mobilizar a sociedade contra a ditadura que se iniciava. Inúmeros cidadão tiveram seus direitos políticos e mandatos eletivos cassados sob acusações que variavam de atos de corrupção até a militância comunista.

Essa fúria contra os “financiados por Moscou”, em muitos estados, era confusa. Os inimigos políticos dos grupos locais alinhados com os militares eram colocados nas listas dos perseguidos por simples disputas eleitorais provincianas. Assim, entre 1964 e 1977, os mandatos de 173 deputados federais foram cassados pela ditadura militar. Em Alagoas, personalidades progressistas como Abrahão Fidelis de Moura e Henrique Cordeiro Oest (que foi eleito por Alagoas) foram cassadas da mesma forma que Oséas Cardoso e Aloysio Nonô (ARENA), que chegou a se filiar ao MDB.

Em outubro de 1965, o Ato Institucional nº 2 destruiu o sistema partidário vigente, instituindo o bipartidarismo e eleições indiretas para presidente, governadores e prefeitos das capitais. Os dois partidos consentidos deveriam cumprir, sob rígida vigilância, os papeis de situação e oposição. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) daria apoio ao governo militar, enquanto o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) seria encarregado de acomodar a oposição, como também serviria para não deixar a Ditadura Militar muito caracterizada, com partido único.

Em 24 de março de 1966 o MDB fez o seu registro oficial e tratou de se livrar, imediatamente, da sigla que os militares queriam que fosse adotada: MODEBRA. Uma prova de que na caserna poderia se entender de tudo, menos de propaganda. O partido nasce tendo como base principal os egressos do velho Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), cria de Vargas. Logo recebeu as importantes lideranças, oriundas do Partido Social Democrático (PSD), de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães.

Não durou muito e grupos de esquerda também desembarcaram na legenda oposicionista. Era a única trincheira legal que possibilitava a luta pela democracia. Em Alagoas, o MDB recebe o grupo de Muniz Falcão, que tinha contas a ajustar com o Regime Militar devido à perseguição realizada contra o seu principal líder, que havia sido eleito governador em 1965, mas, por manobras “legais”, não conseguiu assumir. Em 1966, o MDB consegue eleger sete dos 23 senadores do país, e 132 deputados federais das 409 vagas em disputa.

Neste ano, o senador eleito por Alagoas foi Teotônio Vilela (ARENA). Djalma Marinho Muniz Falcão, irmão de Muniz, consegue o mandato de deputado federal ao lado de Cleto Marques Luz e Aloysio Nonô. Na Assembleia Legislativa, os deputados estaduais do MDB são os seguintes: Higino Vital, Elísio Maia, Rubens Canuto, Alcides Muniz Falcão, Diney Torres, Antônio Amaral, Antônio Lopes de Almeida, Moacir Andrade, Roberto Mendes, Luiz Coutinho e Ademar Medeiros. Uma bancada de 11 deputados das 35 cadeiras. Alguns deles foram cassados em 1969.

Em 1970, fruto das cassações autorizadas pelo Ato Institucional nº 5, o MDB não consegue lançar nenhum candidato ao senado e elege apenas Vinicius Cansanção para a Câmara dos Deputados. Na Assembleia Legislativa, o quadro de descenso se repetiu e o partido conseguiu eleger somente quatro deputados: Antônio Ferreira, Alcides Muniz Falcão, Walter Figueiredo e Higino Vital.

Mesmo com o recrudescimento da repressão do general Garrastazu Médici, em 1974 o MDB vai à televisão e surpreende o país ao receber uma votação expressiva, elegendo 67% dos senadores e ocupando 40% das cadeiras da Câmara Federal. Em Alagoas, a candidatura do vereador Pedro Muniz Falcão perdeu a eleição para o senado, mas conseguiu 98.213 votos contra 140.989 de Teotônio Vilela, com o detalhe de ter ganhado a eleição em Maceió. Na Câmara dos Deputados, o MDB amplia para duas as vagas conquistadas, com José Costa e Vinicius Cansanção. Na Assembleia Legislativa, seis deputados representam o partido: Mendonça Neto (o mais votado entre todos os deputados com 15.171 votos), Manoel Afonso de Melo, Alcides Muniz Falcão, Luiza Evangelista, Walter Figueiredo e Francisco Pimentel.

Em 1976, o MDB em Maceió ativa o setorial universitário do partido e começa a receber uma leva de estudantes de esquerda, que no ano seguinte vai formar, na clandestinidade, o núcleo principal da reorganização do PCdoB em Alagoas. Da mesma forma, o PCB e outras lideranças egressas da esquerda passam a participar do MDB, rejuvenescendo as suas fileiras. A oposição ao regime militar já está suficientemente fortalecida para voltar às ruas. As manifestações acontecem em todo o Brasil. Temendo o uso da televisão pela oposição, os militares decretam a Lei Falcão, reduzindo a propaganda eleitoral apenas às fotografias dos candidatos e seu currículo apresentado por um locutor.

Mesmo com estas restrições, os militares continuam a perder apoio, e em 1977, o general Geisel decreta o famoso Pacote de Abril, limitando as campanhas eleitorais e aumentando o mandato presidencial para seis anos. Para o senado, institui que nos anos em ocorresse a renovação de 2/3 do senado, um dos senadores seria indicado pelo colégio eleitoral, criando a figura do Senador Biônico. Além disso, inventou a sublegenda para as eleições de prefeito e senador.

Com a candidatura de José Moura Rocha ao senado, em 1978, o MDB empolga os eleitores em Alagoas e faz uma campanha histórica. Moura consegue expressivos 157.703 votos, mas perde para Luiz Cavalcante e Rubens Vilar, na sublegenda, que somam, 189.728 votos, beneficiados pelas artimanhas militares do Pacote de Abril. Na disputa para a Câmara dos Deputados, o MDB mantém as suas duas vagas, com José Costa e Mendonça Neto. Na Assembleia, o partido amplia sua bancada para sete deputados: Agripino Alexandre, Manoel Afonso de Melo, Alcides Muniz Falcão, Francisco Pimentel, Renan Calheiros, Afrânio Vergetti e Alcides Andrade.
 
Ato de fundação do PMDB em Alagoas. Início de 1980,
no Teatro Deodoro, com Ulisses Guimarães, Paulo Brossar
e Teotônio Vilela. Foto de Adailson Calheiros.
Em 1979, acaba o bipartidarismo e seus dois partidos. O MDB se extingue no dia 27 de novembro de 1979, sendo substituído pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), sob a liderança nacional de Ulysses Guimarães. Em Alagoas, Teotonio Vilela é a maior expressão do novo/velho partido. Depois de cumprir papel destacado na luta pela anistia, Teotônio articula um forte grupo político para disputar o poder em 1982, quando descobre que está com câncer. Mas esta já é outra história.

O carnaval do Povo.. Existe!

Para quem acha que todo desfile de escola de samba tem que ser televisionado pela Globo, além de obedecer as suas normas, é bom conhecer esta experiência, que acontece no mesmo Rio de Janeiro da Sapucaí.

O texto de Luiz Carlos Prestes Filho nos convida a refletir sobre a importância de um carnaval festa, mais próximo do povo. 

Luiz Carlos Prestes Filho*
Publicado na Revista Política Democrática - Ano X - nº 29


O desfile das escolas de samba dos grupos C, D e E, que é realizado todos os anos na Estrada Intendente Magalhães, no bairro de Madureira, “é um dos mais importantes projetos culturais e de inclusão social do mundo”, afirma com autoridade o urbanista Ephim Shluger, que trabalhou mais de dez anos para o Banco Mundial em Nova York, desenvolvendo projetos em países asiáticos, africanos e europeus. É dele a autoria do projeto que recuperou o sítio histórico de São Petersburgo, na Rússia, para o entretenimento e o turismo.

Durante três noites, madrugada adentro, 41 escolas de samba apresentam seus desfiles que podem e devem ser comparados com os grupos Especial, A e B, realizados no Sambódromo, na Marquês de Sapucaí. A diferença? A marca comunitária dessas escolas, coisa que as grandes já perderam. E - claro - o entusiasmo popular. A cada desfile surgem inovações. Porém, o mais importante em Madureira é a concreta proposta de respeitar a tradição e a raiz do carnaval carioca. As menores escolas cariocas sabem o que é samba no pé.

O evento reúne cerca de 30 mil pessoas diariamente. Dessa maneira, são cerca de 120 mil pessoas domingo, segunda, terça e sábado, quando foi realizado o desfile das campeãs. Como não existe cobrança de ingressos, parece uma viagem no tempo, à época das pequenas arquibancadas modulares ou da simples corda que separava a escola de samba do público, permitindo ao espectador e ao desfilante estar no mesmo nível. É a população da Zona Oeste, da Zona Norte e da Baixada Fluminense que ocupa esse espaço planejado e organizado pela Prefeitura e pela Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ).

Muita gente vem para o desfile com suas cadeiras de praia, guarda-sol, mesinhas, isopores e garrafas térmicas. Padronizadas, as barracas de comes e bebes se derramam ao longo de um quilômetro em luzes coloridas. Na opinião do urbanista Ephim Shluger “a infraestrutura não corresponde à magnitude do que acontece com tanta espontaneidade e originalidade, aqui está aquele carnaval que tantos dizem que foi perdido para sempre, aqui está a festa das comunidades do samba da periferia desassistida em equipamentos culturais, que não sabe o que é ter um cinema, sala de teatro, museus ou livrarias perto de casa”.

As 16 escolas do grupo C desfilaram este ano com uma média de 600/1.000 sambistas; as 13 escolas do grupo D com a média de 500/600; e a do grupo E com 350/500. Portanto,  uma massa entre 30 e 35 mil pessoas passou por essa passarela – que pode ser denominada de Passarela do Povo.

O antropólogo Roberto DaMatta publicou durante o carnaval deste ano o artigo “Carnaval & Cinzas”. Em certo momento ele destaca: “Espero que o leitor tenha se ‘esbaldado’ neste carnaval. Seja entrando na folia; seja afastando-se dela para recolher-se em alguma serra ou refúgio turístico, o que dá no mesmo. Em ambos os casos, o carnaval se faz presente pela criação e, mais que isso, pela reafirmação de que a vida sempre está em outro lugar”.

No Carnaval de Madureira as comunidades gritam que a vida deles está sendo resolvida naquele momento, naquele espaço físico. Para essas comunidades não existe o outro lugar para a vida. Até porque planejam e executam os seus desfiles para honrar sua identidade, seu chão. Uma observação curiosa. Durante os três dias de desfiles, no meio dessa multidão de espectadores e de realizadores dos desfiles, a polícia não prendeu sequer um mijão na Intendente Magalhães. Como disse um soldado: “Aqui é a casa dessa gente, tanto para os que vêm assistir como para aqueles que vêm desfilar, por isso urinam nos banheiros químicos, por mais incômodo que seja ficar nas filas, mulheres e homens. Imagine serem pegos sujando o local onde as crianças e idosos, seus familiares, estão curtindo a alegria?”.

Pois, se para Roberto DaMatta, durante o carnaval a “vida sempre está em outro lugar”, a festa de Madureira afirma outra coisa: a festa está aqui, e é aqui que se deve curtir a felicidade. Quem sabe é por isso que na mais alta madrugada, entre as duas e cinco horas da manhã, o que se vê no rastro das escolas são crianças e adolescentes, com idades que vão entre 2 e 17 anos, se divertindo. Encontrei dois casais com bebês recém-nascidos no colo. E vejam que estou escrevendo sobre Madureira, bairro abandonado na periferia da cidade do Rio de Janeiro, mergulhado em problemas de segurança, transporte, saúde e educação. Toda essa vida é impossível nesse mesmo horário em qualquer bairro da Zona Sul ou na proximidade da Marquês de Sapucaí. Pode ser que por isso muitas escolas de samba desejam continuar em Madureira, para conviver com seu povo e não com o público do Grupo Especial. Para seus dirigentes a palavra ‘acesso’ gera um incômodo, pois remete a uma ideia de uma coisa incompleta, de uma coisa que queria ser e não é. Essas escolas são!

Roberto DaMatta continua: “O governo, nega, mas o carnaval permite; a moralidade diz não, o carnaval, sim; na vida diária falamos e ouvimos discursos, no carnaval cantamos sem cantores; o real obriga o uso do uniforme e do avental, o carnaval faculta a máscara que engendra duas caras e sujeitos; na vida real somos todos visíveis, com fantasia criamos uma invisibilidade; nos trancamos em casa, mas no carnaval nos escondemos na rua. ‘Quando as pessoas intentam se passar pelo que não são, a gente sabe que é preciso uma máscara’, dizia um anônimo inglês em 1780, falando dos carnavais europeus”.

No Carnaval da Intendente Magalhães ninguém se esconde na rua, até porque aquela rua é a casa dos presentes; aqueles que desfilam e aqueles que assistem estão irmanados, não existe máscara. Eles estão integrados num só movimento comunitário. Apresentando, durante os desfiles, o estado de espírito de seus líderes, carnavalescos, a saúde financeira da agremiação e seu compromisso com um jeito único de falar, sonhar, elaborar e desenvolver projetos sociais. Estar na passarela já significa vencer. Mesmo sem ter qualquer escola mencionada na grande mídia escrita, falada ou televisionada.

“Julguei todos estes anos”, escreveu com saudosismo – também durante o carnaval - o compositor Aldir Blanc, “que a folia é dos desdentados, dos miseráveis, dos espoliados...” Este lamento somente poderia vir de pessoa que não conhece o que acontece em Madureira. O mesmo distanciamento do carnaval popular está nítido no texto do jornalista Cesar Tartaglia: “Os desfiles não são feitos por escolas de samba, são no máximo escolas com samba – ou algum ritmo que mais se assemelha à marcha do que ao formato consagrado por gênios como Silas de Oliveira e Mano Décio”.

Tanto Aldir Blanc como Tartaglia poderiam reservar um tempinho na suas agendas no próximo carnaval de 2012 para conferir o carnaval dos desdentados, dos miseráveis, dos espoliados. Mergulhar na viva tradição do samba de escolas como Unidos de Lucas e Matriz de São João de Meriti, Império da Praça Seca e Mocidade Unida de Jacarepaguá, Unidos de Cosmos e Acadêmicos de Vigário, Unidos de Vila Rica e Rosa de Ouro. Penso que o antropólogo Roberto DaMatta teria um amontoado de informações para escrever mais um livro genial. Constatariam perplexos: o carnaval do povo existe!

A Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro, onde se reúnem as agremiações dos grupos C, D e E, demonstra vigor e criatividade, além do compromisso com o samba. Através de uma parceria com o Centro de Referência em Inteligência Empresarial (Crie - Coppe/UFRJ) identificou 600 currículos de profissionais com perfil para compor o Corpo de Jurados do Carnaval deste ano. E promoveu um curso para os 60 escolhidos, com orientação acadêmica da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Esses profissionais deram as notas este ano, fazendo surgir, pela primeira vez na história do carnaval, um corpo de jurados com uma visão científica. Desta maneira, entendo eu, o carnaval não somente não morreu, vive com suas tradições e continua sua evolução permanente. No caso do desfile de Madureira, continua sua evolução respeitando as tradições. Tanto que é, ali, nessas agremiações, que se formam as futuras passistas e baianas, os futuros mestres-sala e porta-bandeiras, assim como os carnavalescos e puxadores entre tantos outros profissionais da festa popular. Por esta razão, existe a afirmativa de que é nessa passarela que germinam os futuros carnavais.

*Luiz Carlos Prestes Filho é autor dos livros: "Economia da Cultura - a força da indústria cultural do Rio de Janeiro (2002)", "Cadeia Produtiva da Economia da Música (2005)" e "Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval (2009)". É vice-presidente da Associação Brasileira de Gestão Cultural (ABGC) e vice-presidente Cultural da Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ)

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Erros da imprensa no caso PC Farias

Joaquim Carvalho, ex-repórter de Veja
O jornalista Joaquim Carvalho cobriu a morte de PC Farias para a revista Veja, adotando a tese de crime passional, contrariando a cobertura da maioria dos meios de comunicação.

Em 2005, entrevistado por Eustáquio Gomes para o Observatório de Imprensa, fez severas críticas à mídia, a quem acusou de vender mercadoria podre para atrair audiência.

Como o Tribunal do Júri vai julgar os quatro seguranças indiciados e o caso voltou a frequentar o noticiário, as ponderações do Joaquim Carvalho merecem ser revista para que o bom jornalismo sobreviva.

Eustáquio Gomes - Observatório da Imprensa
Não é todo dia que aparece um repórter investigativo. Mais raro ainda é o repórter que, durante a investigação de um caso, vê-se na situação de nadar contra a corrente da informação dominante. Foi o que aconteceu a Joaquim de Carvalho, repórter escalado pela revista Veja para cobrir as mortes de Paulo César Farias (tesoureiro da campanha de Fernando Collor e pivô da série de escândalos que levou ao impeachment do presidente) e de sua amante Suzana Marcolino da Silva, no dia 23 de junho de 1996.
Na contramão da maioria dos veículos de comunicação – cuja influência sobre o imaginário popular foi devastadora – Joaquim negou-se a entrar na onda da "queima de arquivo", mantendo sempre, à medida que sua apuração prosseguia, a convicção de que se tratava de um crime passional. Ou seja: Suzana atirou contra PC Farias e se matou em seguida.
Passados oito anos da "tragédia de Guaxuma", sem que outras evidências tenham se firmado, Joaquim, aos 41 anos, resolveu contar em livro a história de sua investigação pessoal. Ela coincide com o laudo pericial da equipe comandada pelo legista Fortunato Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cuja reputação foi duramente atingida pela cobertura que a mídia em geral escolheu fazer na época – e que Joaquim chama de "mercadoria podre", "feita sob medida para vender jornal e atrair audiência".
Ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo em 1992, Joaquim não poupa ninguém com sua metralhadora giratória voltada para as principais tribunas de informação do país. Basta! (A Girafa, 240 páginas, R$ 35) é um libelo contra certo tipo de cobertura jornalística. A seguir, sua entrevista.

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Por que você esperou oito anos para escrever sobre o Caso PC, quando poderia tê-lo feito quando a controvérsia era maior?

Joaquim de Carvalho – Em 1996, quando PC foi assassinado, cobri o caso pela revista Veja e todas as reportagens que fiz indicavam o crime por razões passionais. A última reportagem teve até um título forte – "Caso encerrado" –, o que evidenciava a ausência de dúvidas de minha parte a respeito do caso. Na época, o assunto só comportaria um livro se tratasse do caso em si, se tivesse um teor exclusivamente policial. Não era e não é a minha proposta. Eu trato do crime e dos bastidores da cobertura do crime – estes, para mim, configuram a essência de um crime de outra natureza. Com as reportagens que se seguiram ao crime, jornalistas atingiram a honra de inocentes, a reputação de profissionais. Houve um massacre e é a história desse massacre que procuro retratar em meu livro. Além disso, considerei que seria prudente aguardar uma manifestação isenta da Justiça para publicar o livro. E essa manifestação veio pela mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal, que no final de 2002 arquivou o caso. É como se diz popularmente, a Justiça tarda mas não falha. Para mim, o caso deveria ser encerrado já em 1996. Mas o oportunismo que se instalou no seio do Judiciário e nas páginas da imprensa continuou alimentando a farsa. Tinha certeza de que a verdade triunfaria e, com essa precaução, evitei que jornalistas levianos me acusassem de estar publicando um livro para favorecer A ou B.

Enquanto a maior parte da imprensa adotou a tese da queima de arquivo, você concluiu que se tratava de crime passional. Por que Veja estaria certa e praticamente o resto da imprensa teria errado?

J. de C. – O caso, do ponto de vista policial, é simples. Dois corpos, um revólver, duas balas deflagradas, o quarto trancado. O assassino, portanto, estava lá dentro. Dos dois mortos, um tinha motivo para matar – Suzana estava sendo rejeitada. Dizem os especialistas que esta é uma das variáveis da equação criminosa. Além do motivo, o assassino precisa do instrumento – no caso, Suzana tinha comprado a arma – e da oportunidade – PC, bêbado, dormiu. Portanto, Veja não foi excepcionalmente brilhante ao tratar dos fatos. Ela simplesmente retratou o caso com humildade, rendendo-se às evidências. O restante da imprensa, com raras exceções, optou por um caminho diferente, que era o de maior apelo popular.
A tese de queima de arquivo chamava mais a atenção e, chamando mais a atenção, o jornalista e a publicação que a acolhia se destacavam. Quem age assim pratica não o jornalismo isento, mas o jornalismo sensacionalista. E o que o livro mostra é que o sensacionalismo existe e, em grande medida, também na grande imprensa, na chamada imprensa séria.

Quais foram as evidências que levaram você, como repórter escalado por Veja para cobrir o caso, a concluir que Suzana matou PC e suicidou-se?

J. de C. – Além das evidências já relatadas nesta entrevista, o que me chamou a atenção foi o número de pessoas que precisariam ser envolvidas na hipótese do crime ter sido encomendado. No momento do crime, na casa havia dois seguranças, um porteiro, os dois caseiros e seus dois filhos pequenos e o garçom. Além deles, mais os dois seguranças que chegaram depois e encontraram os corpos. Já temos dez pessoas, portanto. Todas elas, de alguma forma, deveriam ser cúmplices do crime. Ora, uma armação conspiratória não resiste a tanta gente envolvida. Alguém, fatalmente, acabaria rompendo o silêncio. E, incrível, todas essas pessoas – à exceção dos filhos dos caseiros, na época pequenos – não mudaram uma vírgula do seu depoimento nas muitas vezes que foram chamados para prestar declarações.
Os seguranças chegaram a ser presos e não mudaram sua versão. Alguém poderia dizer que eles receberam dinheiro para isso. Verifiquei pessoalmente como eles levavam a vida. E eram todos humildes, um deles, o porteiro, perdeu o emprego, morava numa favela e não conseguia arrumar outra colocação. E por quê? Porque, depois do massacre da imprensa, ele convive com o rótulo de assassino.

Em sua opinião, por que o grosso da imprensa teria optado pela tese da queima de arquivo? Por ingenuidade, por falta de capacidade investigativa ou por que era mais interessante como assunto?

J. de C. – Não gostaria de emitir juízo de valor sobre o caso. Poderia ser interpretado como arrogante. Acho que a farsa e os erros grotescos falam por si. Mas nesta cobertura fica patente uma característica de nossas redações hoje em dia: a pobreza – eu diria indigência – profissional. Houve um tempo que os melhores jornalistas ocupavam cargos de chefia. Clóvis Rossi já foi chefe, Alberto Dines também. Veja tinha Mario Sergio Conti e, antes, teve Mino Carta. Se retrocedermos, vamos encontrar Samuel Wainer e tantos outros. Atualmente, você encontra chefiando repórteres quem nunca fez uma reportagem na vida ou quem teve uma atuação medíocre na reportagem. Mas essas pessoas fizeram uma carreira brilhante pela via administrativa. São os chefes que comandaram demissão em massa, que fecharam vagas de correspondentes, que mediocrizaram o jornalismo brasileiro e o transformaram em arena de marketing. São os coveiros da profissão. Mas poderiam ser chamados de burocratas que adequaram as redações aos novos ventos da economia. Cortaram custos, agradaram os patrões e subiram na vida. São eles que dizem aos repórteres que linha adotar numa cobertura.
Como cortaram custos, os repórteres, em geral, são jovens ou inexperientes e fazem tudo para agradar aos chefes. Também existem os carreiristas. E o que mais poderia agradar aos editores na época do caso PC do que uma matéria feita sob medida para vender jornal e atrair audiência? Existe o ciclo vicioso da mediocridade e alguém precisa rompê-lo. No fim, quem perde é o público, que paga pela publicação e recebe uma mercadoria podre, mentira empacotada como verdade.

A interpretação que Veja deu ao caso coincide com o laudo final da equipe do legista Badan Palhares. Desde o caso PC, Badan foi satanizado e até arrolado em CPI. Tudo isso foi uma criação da mídia que se viu contrariada em sua tese de queima de arquivo?

J. de C. – Quando a polícia científica emitiu seu laudo, a imprensa tinha duas alternativas: ou admitia que errou ou desqualificava os peritos. Os jornalistas optaram pela segunda alternativa e para isso promoveram a sábio de plantão George Sanguinetti. E quem era o Sanguinetti? Um coronel da Polícia Militar conhecido pela truculência, psiquiatra que tinha dirigido um manicômio e sobre quem pensavam acusações de tortura. Tudo isso foi ocultado do público, além do fato de que Sanguinetti, ao longo de sua "carreira" no Instituto Médico Legal, ter realizado apenas dois exames de corpo de delito. No IML, ele nunca tinha assinado uma única autópsia. Evidentemente, não era qualificado para contestar laudo algum. Mas, quando o entrevistado diz o que a mídia quer ouvir, é bem tratado. Para promover Sanguinetti, era preciso destruir Badan Palhares, e isso foi feito, a despeito do fato de ser ele um dos onze especialistas que assinaram o laudo. O laudo, portanto, não era do Badan, mas de uma equipe, de quatro instituições diferentes. Badan já ganhou algumas ações na Justiça por defender sua reputação. Mas, sintomaticamente, isso nunca foi noticiado.

Mas por que Sanguinetti não poderia estar com a razão?

J. de C. – Sanguinetti não tinha razão, como admitiria mais tarde o próprio Ministério Público, tanto de Alagoas quanto na esfera da República. Mas Sanguinetti se deu bem. Conseguiu eleger-se vereador com o slogan: "Não podem calar essa voz". Também passou a ser requisitado para dar pareceres como contratado de bancas de advocacia. Há dois anos, ele cobrava cinco 5 mil dólares por parecer. A imprensa foi usada e usou Sanguinetti.
Veja surpreendeu o país com a revelação do laudo final sobre o caso antes que ele fosse oficialmente anunciado. Como você teve acesso ao laudo?

J. de C. – É algo que nunca vou revelar, para preservar minhas fontes. Off é sagrado para o jornalista tanto quanto o segredo de confessionário o é para o padre. A polícia tentou arrancar essa revelação, ao me interrogar por quatro horas. Perda de tempo. Na escola em que fui formado, aprendi que certos princípios éticos são inegociáveis e inquebrantáveis.

Para você, o caso está encerrado ou ainda pode surgir uma nova versão com o passar do tempo, com novas investigações?

J. de C. – A farsa vai continuar, porque qualquer reportagem ou ato de autoridade que alimente a versão conspiratória chamará a atenção e terá audiência, independentemente de seu compromisso com a verdade. O Caso PC terá no Brasil a mesma trajetória do assassinado de John Kennedy, nos Estados Unidos. Lá, apesar das inúmeras investigações realizadas, nunca se conseguiu apresentar uma tese convincente de conspiração. Mas as tentativas prosseguem e houve até um filme sobre o caso. Pessoas com um grau de exposição não têm direito a morrer de determinadas formas. Se PC fosse atropelado e morresse, diriam que foi queima de arquivo. A diferença nos Estados Unidos é que o jornalismo sério, como o de Walter Cronkite, que cobriu o caso como âncora da CBS, não aceita o sensacionalismo, não publica versões delirantes e fraudulentas. Em resumo, não engana seu público.

Seu livro foi lançado há dois meses e já teve a primeira edição esgotada. Entretanto, salvo Veja, ninguém publicou uma linha sobre ele. Trata-se de uma retaliação? Profissionalmente, você foi retaliado desde o caso PC?

J. de C. – Evidentemente, ao nadar contra a corrente, você tem mais dificuldade. Eu tenho o livro e as imagens que sustentam os argumentos do livro e nenhuma televisão quis divulgá-los até o momento. Mas continuo alimentando a esperança de que essa situação vai mudar. A publicação do livro só foi possível graças à coragem de um editor, na minha opinião o melhor editor do Brasil, Pedro Paulo de Sena Madureira, da Girafa. O Correio Popular e o Observatório da Imprensa publicaram entrevistas e Veja divulgou uma nota. Também falei a um canal universitário e um jornalista do site Comunique-se publicou uma entrevista. Felizmente, na imprensa brasileira existem pessoas sérias, bem formadas e eu diria até corajosas, o que propicia brechas para o bom jornalismo – que não tem o compromisso exclusivo com a audiência, que não é peça de marketing, que é capaz de renunciar ao espetáculo para dar a seu público uma versão diferente do que reza o senso comum. Se eu não pensasse assim, teria desistido da profissão.

Você está preparando algum livro novo?

J. de C. – Sim, mas por enquanto é prudente manter o projeto em segredo. Daqui a dois anos, o livro deverá estar nas livrarias.