quinta-feira, 26 de julho de 2012

Erenice inocentada. E a Folha e a Veja?


Por Altamiro Borges

Numa notinha de 2.158 toques, a Folha noticiou nesta quarta-feira, 25, que a ex-ministra Erenice Guerra foi inocentada no inquérito que apurou seu envolvimento num suposto esquema de tráfico de influência na Casa Civil. O caso foi arquivado pela Justiça Federal por absoluta falta de provas e a sentença do juiz Vallisney de Souza Oliveira teve o apoio do Ministério Público e da PF, que acompanharam o processo aberto há um ano e sete meses. Em síntese: tratou-se de mais um assassinato de reputação patrocinado pela mídia!
A própria Folha confirma o seu ato irresponsável e criminoso. “Erenice perdeu o cargo de ministra da Casa Civil em 2010, em meio à disputa presidencial". A queda ocorreu no dia em que a Folha revelou que ela recebeu um empresário e o orientou a contratar a consultoria do seu filho para conseguir um empréstimo no BNDES”. O tal “empresário” era Rubnei Quícoli, um notório vigarista que o jornal utilizou como fonte das suas acusações levianas para fabricar um mais um escândalo político.

As razões políticas do escândalo fabricado

O escândalo não teve apenas razões comerciais, não visou apenas aumentar as vendas com base em matérias sensacionalistas. Ele teve conotação política. Visou interferir diretamente nas eleições presidenciais de 2010. Erenice era considerada o braço direito da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ocupou a pasta quando esta deixou o posto para disputar a sucessão. A mesma Folha se jacta, na maior caradura, que “o escândalo tirou votos de Dilma e acabou contribuindo para levar a eleição ao segundo turno”.

Além da Folha, a revista Veja fez da denúncia leviana uma corrosiva peça de campanha eleitoral. Num gesto criminoso, ela obrou a capa terrorista com o título “Caraca, que dinheiro é esse”. A “reporcagem” dizia que pacotes de até R$ 200 mil teriam sido entregues no interior da Casa Civil, então comandada por Erenice Guerra. Tudo a partir de denúncias em off, de fontes anônimas. A revista não apresentou qualquer prova concreta e, na sequência, também se gabou da degola da ex-ministra. Um crime!

Agora, Erenice foi inocentada pela Justiça. E como ficam os assassinos de reputações da FolhaSP e da Veja?

quarta-feira, 25 de julho de 2012

PSDB: O Estado-anunciante e a liberdade suja


Saul Leblon - Carta Maior

A representação do PSDB ao Procurador Geral Eleitoral contra blogs que criticam suas lideranças e agenda partidária, é um pastel revelador. O recheio exala as prendas do quituteiro; a oleosidade da fritura qualifica o estado geral da cozinha. Na primeira mordida fica explícito que a referência de 'bom' jornalismo do PSDB é a revista VEJA, uma ferradura editorial adestrada para escoicear três dimensões da sociedade: agendas progressistas; lideranças que as representem; governos que lhes sejam receptivos.

Curto e grosso, o poder tucano pleiteia a asfixia publicitária - com supressão de publicidade estatal -de qualquer outra forma de imprensa que não se encaixe no tripé que o espelha. A singular concepção de pluralidade afronta boa parte dos sites e blogs alternativos que se reservam o direito de exercer a crítica política da sociedade e do desenvolvimento de uma perspectiva não conservadora. 'São blogs sujos', fuzila a representação tucana, cuja coerência não pode ser subestimada. Há esférica sintonia entre a forma como o PSDB se exprime e o higienismo de uma prática que São Paulo, a 'cidade limpa', tão bem conhece.

O tema da publicidade estatal mereceria um discernimento mais amplo do que o reducionismo estreito do interesse eleitoral tucano. O Estado deve se comunicar com a sociedade. A comunicação deve se pautar pelo interesse público. Campanhas educativas e institucionais não podem ser confundidas com propaganda partidária, nem servir aos seus interesses, sejam eles quais forem. Dito isso, resta o ponto sensível ao PSDB: quem merece veicular tais mensagens de pertinência pública reconhecida?

O tucanato e certos 'especialistas em comunicação' parecem convergir, ainda que por caminhos diversos, a um consenso: a mídia alternativa deve ser alijada dessa tarefa. O 'Estado anunciante', uma corruptela do cacoete neoliberal 'Estado interventor', teria atingido, asseguram, uma hipertrofia perigosa; deslizamos a centímetros do abismo anti-democrático. No país que tem um dispositivo com o poder intromissor da Rede Globo, insinua-se que a principal ameaça à democracia é o Estado impor seu 'monólogo' à sociedade. Afirma-se isso com ares de equidistância acadêmica e engajamento liberal.

Passemos.

Evitar essa derrocada exigiria um veto cabal a toda e qualquer publicidade oriunda da esfera pública? Em termos. Na verdade, não seria exatamente essa essa a malha do coador tucano. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo esclarecedor no 'Estadão', de 3 de junho último, foi ao ponto: “Será que é democrático", disse ele, "deixar que os governos abusem nas verbas publicitárias ou que as empresas estatais, sub-repticiamente, façam coro à mesma publicidade sob pretexto de estarem concorrendo em mercados que, muitas vezes, são quase monopólicos? (...) O efeito deletério desse tipo de propaganda disfarçada não é tão sentido na grande mídia, pois nesta há sempre a concorrência de mercado que a leva a pesar o interesse e mesmo a voz do consumidor e do cidadão eleitor. Mas nas mídias locais e regionais o pensamento único impera sem contraponto.”

É isso. O grão tucano adiciona nuances na investida contra o Estado anunciante. Nas páginas de 'Veja', e sucedâneos, não haveria risco de influencia editorial. Ali a 'voz do consumidor e a concorrência' preservam a 'isenção do jornalismo'. "Mas nas mídias locais e regionais...' Quais? Sobretudo aquelas que incomodam ao engenho e à arte tucana de governar e fazer política.

'Especialistas em comunicação' com passagem pelo governo Lula - experiência descrita sempre como 'traumática, mas de uso conveniente nos salões conservadores - reivindicam, é bem verdade, uma intolerância mais abrangente contra o 'Estado-anunciante'. No limite, advertem, o uso da máquina publicitária instrumentalizaria um poder de coerção de tal forma desproporcional que ameaçaria a própria alternância no poder. A evocação colegial de um ambiente quase-nazista sob o terceiro Reich petista tem, como se sabe, audiência cativa em certos veículos e tertúlias filosóficas de endinheirados. Mas o libelo anti-totalitário tropeça nos seus próprios termos ao não adotar idêntica ênfase na denúncia de uma oligárquica estrutura de propriedade do sistema de comunicação que, esta sim, instituiu um verdadeiro diretório paralelo no país, arvorado em corregedor das urnas, da economia e da ética.

A hipocrisia que perpassa esse descuido pertence a mesma matriz ideológica que inspirou agora a representação tucana contra os 'blogs sujos'. Contra ela Brecht resolveu cunhar um dia a metáfora de hígida atualidade: 'O que é assaltar um banco, em comparação com fundar um banco?' Leia neste endereço, a íntegra da sugestiva representação do PSDB que pede, especificamente, a investigação dos blogs de Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim.

domingo, 22 de julho de 2012

Aos 80 anos, Audálio Dantas fala sobre democratização da comunicação e ditadura militar


Do Barão de Itararé

Aos 80 anos de idade, comemorados no último dia 8, Audálio Dantas é uma das principais referências quando se trata da atuação jornalística e sindical durante os anos de chumbo da ditadura militar. O alagoano, nascido na cidade de Tanque D’Arca, passou por redações de grandes veículos, como o jornal Folha de S. Paulo e a revista Realidade, entre as décadas de 1950 e 1970. No auge da repressão fardada, em 1975, Dantas assumiu a presidência do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo.

Em outubro daquele ano, ele recebeu por telefone a notícia da morte de Vladimir Herzog, em Presidente Prudente (SP). Com a missão de reagir ao assassinato de Vlado, voltou para a capital em um banquinho colocado entre as poltronas de um voo que ia do Mato Grosso a São Paulo, com escala no interior.

Em 1983, tornou-se o primeiro presidente eleito por voto direto da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e, em junho de 2005, foi convidado a ser vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Além disso, acumula diversos prêmios jornalísticos aos longo da carreira.

Membro do conselho consultivo e entrevistado pelo Barão de Itararé, Audálio Dantas falou sobre o passado e o presente do jornalismo; a necessidade de democratizar os meios de comunicação e suas experiências como sindicalista durante os anos de chumbo e censura.

Barão de Itararé: Quais são as grandes mudanças do jornalismo praticado pelos grandes veículos quando você ainda atuava nas redações em relação ao jornalismo feito no presente?

Audálio Dantas: As mudanças são muito significativas. Além da questão tecnológica, há muitas transformações no aspecto editorial. A mais notável é a instituição do denuncismo – que é na verdade um “denuncismo pelo denuncismo”. É um meio de projeção dos veículos, às vezes, com fins políticos.

Denunciar é papel da imprensa, mas em um sentido de esclarecer os acontecimentos e atos de interesse público. O problema é que o jornalismo não possui apenas esta forma e nem interessa qual seja o governo e, na maioria das vezes, a imprensa comete abusos nesse sentido.

Comparado ao passado, passei 20 anos, dentre as décadas de 50 e 70, nas grandes redações. Metade da minha atuação foi durante a ditadura militar, então havia um grande silêncio nos veículos de comunicação. Forçado, em algumas. Voluntário, em outras. A grande mudança, na realidade, é esta: a reconquista da liberdade de expressão e da democracia.

Barão de Itararé: A liberdade de expressão no Brasil, em termos de comunicação, é bastante restrita aos grandes meios privados, altamente concentrados nas mãos de poucas famílias. Qual sua opinião em relação ao debate em torno da democratização da comunicação?

Audálio Dantas: Discutir a comunicação é fundamental para a sociedade. As empresas argumentam que democratizar a comunicação é censura e que fere a liberdade de imprensa, o que é um absurdo. A sociedade tem o direito de discutir qual comunicação ela faz.

A Constituição de 1988 trata o tema da comunicação e apresenta diversos pontos importantes. Lutamos muito pelo Conselho Nacional de Comunicação, que seria formado por jornalistas, instituições e empresas e atuaria como um órgão auxiliar do Poder Legislativo. Apesar disso, a questão só foi regulamentada muitos anos depois, evidenciando o descaso em relação à regulação do setor.

O debate é ainda mais urgente com a questão dos meios eletrônicos. São diversos atores e setores da sociedade que querem ter acesso aos meios de comunicação. Queremos e devemos debater o tema.

Barão de Itararé: Quais suas experiências e suas memórias da atuação jornalística e sindical durante os anos de chumbo da ditadura militar?

Audálio Dantas: Todos os jornalistas e comunicadores foram atingidos pela ditadura. Naquela época, a censura estava embutida nas cabeças das pessoas – principalmente nos patrões. Não havia jeito: qualquer tema sensível à censura era evitado pelos donos dos veículos. Era uma época em que tínhamos que falar as coisas nas entrelinhas.

Em 1975, concorri à presidência do Sindicato dos Jornalistas. Quando eleitos, a primeira coisa que fizemos foi afirmar que um dos objetivos do Sindicato era lutar contra a censura imposta pela ditadura. Fomos visados, espionados e ameaçados desde que tomamos posse.

Um dos episódios mais marcantes da nossa luta foi quando protestamos contra o locutor oficial do Palácio dos Bandeirantes, em um evento da Escola Superior de Guerra. Na ocasião, o locutor fez um discurso inflamado com uma falsa denúncia de que as redações jornalísticas estariam “infestadas de comunistas”. Divulgamos uma nota contra o discurso, que era claramente encomendado.

Como represália, fomos convocados pelo Segundo Exército para prestar esclarecimentos. 12 jornalistas foram presos na ocasião. O décimo segundo era Vladimir Herzog, que terminou brutalmente assassinado. Após o acontecimento, nos dedicamos a denunciar o caso do Vlado e à luta pela liberdade de expressão.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O "mensalão" como operação de marketing e como golpe branco fracassado


Emir Sader -  Blog do Emir

Mais além dos fatos concretos, a operação de marketing do “mensalão” merece fazer parte dos manuais de marketing politico. Nunca na história brasileira uma criação dessa ordem foi capaz de projetar e consolidar imagens na cabeça das pessoas, que as impedem de entender o fenômeno e avaliá-lo na sua realidade concreta, porque sua imaginação, seus instintos, já estão vacinados e conquistados pelas imagens projetadas pela campanha.

Uma jornalista da empresa da “ditabranda” entrevistou um dia a um parlamentar, presidente de um dos partidos da base aliada do governo, que teve uma das pessoas indicadas pelo partido para um cargo governamental, pego em flagrante , filmado, com som, em operação de suborno. O partido que o indicou – PTB – considerou que nao recebeu o apoio devido por parte do governo e seu presidente resolveu ligar o ventilador.

Disse que o governo pagava um “mensalão” a uma porção de gente. O jornal imediatamente cunhou a expressão e deu inicio àquele tipo de campanha cuja reiteração, por todos os órgãos da mídia privada, transformou a insinuação numa verdade supostamente incontestável.

O que ficou na imaginação das pessoas era literalmente que indivíduos chegavam no Palácio do Planalto com malas vazias, entravam numa sala contigua à do Lula, enchiam de dólares e saiam, mensalmente. A operação de marketing tornou-se um caso de manual de marketing, pelo seu sucesso. A partir a insinuação de um politico sem nenhuma respeitabilidade, se dava inicio à campanha, em que a oposição – liderada pela mídia privada – considerava que terminaria com o governo Lula.

Tudo foi se dando como bola de neve. O próprio jornal da família que emprestou carros para órgãos repressivos da ditadura cunhou o selo “mensalão”, com o qual cobria todas as atividades políticas nacionais. Até a eleição interna do PT foi incluída nessa rubrica.

Condenou-se moral e politicamente a dirigentes e políticos ligados ao governo, com o objetivo de ferir de morte o governo Lula, como repetição muito similar à crise de 1954, que terminou com o suicídio de Getúlio. Dois então membros da equipe do Lula chegaram – conforme entrevista posterior de Gilberto Carvalho – a ir ao Lula, levando a proposta opositora: todas as acusações seriam retiradas, inclusive o suposto impeachment, contanto que Lula renunciasse a se candidatar à reeleição.

Tinham receio de propor impeachment, pelas repercussões populares que poderia ter, então preferiam usá-lo como ameaça. O tiro saiu pela culatra. Lula reagiu dizendo que sairia às ruas para defender seu mandato, convocava os movimentos populares a reagir à tentativa de golpe branco.

A oposição, depois da cassação do Zé Dirceu, jogava, partindo do que considerava evidências contra o governo, com a vulnerabilidade do governo, alegando que Lula sabia dos fatos. Não foi o que aconteceu. Conseguiram várias cassações, conseguiram diminuir o apoio do Lula mas, principalmente, deram a pauta política do país.

O caso permitia desqualificar o Estado, o governo Lula, o PT. O Estado, por definição, para a direita, é corrupto ou corruptível. O governo Lula, o PT e os sindicatos teriam “tomado de assalto ao Estado” e imposto seus interesses particulares. O diagnóstico foi retirado diretamente do arsenal neoliberal.

Os governos de esquerda no Brasil – Getúlio, Jango, Lula – não terminariam seus mandatos. Fracassado o governo Lula, se cumpriria o prognóstico de um ministro da ditadura: “Um dia o PT vai ter que ganhar, vai fracassar, aí vamos poder dirigir o país com tranquilidade”.

Sob a forma do impeachment ou da renúncia de Lula a disputar um segundo mandato ou, ainda, com sua eventual derrota, asfixiado pela oposição – que já havia dito que sangraria o governo, até derrotá-lo nas eleições de 2006 -, se daria um golpe branco e a esquerda estaria desmoralizada e derrotada por um longo período.

Mas não contavam com a capacidade de reação de Lula e com os efeitos das políticas sociais, já em marcha. O povo, com a consciência de que era o seu governo e que sua eventual derrubada faria com que ele, povo, pagasse o preço mais alto da operação da direita, reagiu. A oposição foi pega de supresa pelas reações, que levaram à derrota da tentativa de derrubar o governo. Mais do que isso, levaram à derrota do candidato da oposição – o duro e puro neoliberal Alckmin –, porque a oposição também foi vitima da sua própria campanha.

Como esbravejava o Otavinho, na primeira reunião do comitê de direção da sua empresa: - Onde é que nós erramos?

Erraram porque acreditaram que eram onipotentes. Afinal foi a mídia golpista que levou o Getúlio ao suicídio, que promoveu o golpe militar que derrubou o Jango e que, acreditavam, levaria o governo Lula à derrota e a esquerda à desmoralização.

Foram derrotados em 2006, em 2010 e tem todas as possibilidades de serem derrotados de novo em 2014. Mais do que isso, tiveram que reconhecer que o prestígio do governo vem de suas politicas sociais, que transformaram democraticamente o Brasil. Que seu poder de fogo como cabeça da oposição é decrescente, que entraram em decadência irreversível.

Agora, sete anos depois, tentam ainda explorar o sucesso de marketing, espremendo tudo o que podem, raspando o tacho da panela, buscando voltar a pautar o país em torno do seu sucesso de marketing. Não se dão conta que o país mudou, que desde então perderam duas eleições presidenciais, que o Estado brasileiro reconquistou legitimidade por suas políticas sociais e pela sua ação de resistência à crise internacional? Que as mídias alternativas ganharam um poder de esclarecimento da opinião publica, que não tinham naquele momento?

Mas não lhes restam outras armas, senão a de explorar o embolorado tema do “mensalão”, para recordar como já foram bem mais poderosos no passado. Seus outros argumento naufragaram: o Estado mostra eficiência na condução do país, o livre mercado levou o capitalismo internacional à sua pior crise em 80 anos, o povo reconhece que melhorou suas condições de vida, apoia e vota no governo, as alianças internacional da política soberana do Brasil projetam o país no plano internacional como nunca antes, ao mesmo tempo que se mostram muito mais eficazes do que o Tratado de Livre Comércio e a Alca que a direita pregava.

Em suma, a história avançou desde 2005 e na direção da derrota da oposição, da criação de uma nova maioria politica no pais. A permanência do monopólio antidemocrático dos meios de comunicação é a arma principal de que a direita dispõe e está disposta a usá-la até o fim, na sua derradeira encenação: o julgamento do “mensalão”.

Mas a história e a vida não se fazem com marketing. Nem mesmo mais vender os produtos da sua mídia mercantil eles conseguem. Lula os derrotou, demonstrando que se pode – e se deve – governar o país sem almoçar e jantar com os donos da mídia. Porque Lula não teve medo da mídia, condição –nas suas palavras – para que haja democracia no Brasil.

A primeira vez a encenação teve ares de tragédia – não consumada pela oposição. Esta segunda tem ares de farsa.

Eles passarão, nós passarinhos.

Dom Eugênio Sales era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura


José Ribamar Bessa Freire*

O tratamento que a mídia deu à morte do cardeal dom Eugenio Sales, ocorrida na última segunda-feira, com direito à pomba branca no velório, me fez lembrar o filme alemão “Uma cidade sem passado”, de 1990, dirigido por Michael Verhoven. Os dois casos são exemplos típicos de como o poder manipula as versões sobre a história, promove o esquecimento de fatos vergonhosos, inventa despudoradamente novas lembranças e usa a memória, assim construída, como um instrumento de controle e coerção.

Comecemos pelo filme, que se baseia em fatos históricos. Na década de 1980, o Ministério da Educação da Alemanha realiza um concurso de redação escolar, de âmbito nacional, cujo tema é “Minha cidade natal na época do III Reich”. Milhares de estudantes se inscrevem, entre eles a jovem Sônia Rosenberger, que busca reconstituir a história de sua cidade, Pfilzing – como é denominada no filme – considerada até então baluarte da resistência antinazista.

Mas a estudante encontra oposição. As instituições locais de memória – o arquivo municipal, a biblioteca, a igreja e até mesmo o jornal Pfilzinger Morgen – fecham-lhe suas portas, apresentando desculpas esfarrapadas. Ninguém quer que uma “judia e comunista” futuque o passado. Sônia, porém, não desiste. Corre atrás.
Busca os documentos orais. Entrevista pessoas próximas, familiares, vizinhos, que sobreviveram ao nazismo. As lembranças, contudo, são fragmentadas, descosturadas, não passam de fiapos sem sentido.

A jovem pesquisadora procura, então, as autoridades locais, que se recusam a falar e ainda consideram sua insistência como uma ameaça à manutenção da memória oficial, que é a garantia da ordem vigente. Por não ter acesso aos documentos, Sônia perde os prazos do concurso. Desconfiada, porém, de que debaixo daquele angu tinha caroço – perdão, de que sob aquele chucrute havia salsicha – resolve continuar pesquisando por conta própria, mesmo depois de formada, casada e com filhos, numa batalha desigual que durou alguns anos.

Hostilizada pelo poder civil e religioso, Sônia recorre ao Judiciário e entra com uma ação na qual reivindica o direito à informação. Ganha o processo e, finalmente, consegue ingressar nos arquivos. Foi aí, no meio da papelada, que ela descobriu, horrorizada, as razões da cortina de silêncio: sua cidade, longe de ter sido um bastião da resistência ao nazismo, havia sediado um campo de concentração. Lá, os nazistas prenderam, torturaram e mataram muita gente, com a cumplicidade ou a omissão de moradores, que tentaram, depois, apagar essa mancha vergonhosa da memória, forjando um passado que nunca existiu.

Os documentos registraram inclusive a prisão de um judeu, denunciado na época por dois padres, que no momento da pesquisa continuavam ainda vivos, vivíssimos, tentando impedir o acesso de Sônia aos registros. No entanto, o mais doloroso, era que aqueles que, ontem, haviam sido carrascos, cúmplices da opressão, posavam, hoje, como heróis da resistência e parceiros da liberdade.

Quanto escárnio! Os safados haviam invertido os papéis. Por isso, ocultavam os documentos.

Deus tá vendo

E é aqui que entra a forma como a mídia cobriu a morte do cardeal dom Eugênio Sales, que comandou a Arquidiocese do Rio, com mão forte, ao longo de 30 anos (1971-2001), incluindo os anos de chumbo da ditadura militar. O que aconteceu nesse período? O Brasil já elegeu três presidentes que foram reprimidos pela ditadura, mas até hoje, não temos acesso aos principais documentos da repressão.

Se a Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio último pela presidente Dilma Rousseff, pudesse criar, no campo da memória, algo similar à operação “Deus tá vendo”, organizada pela Policia Civil do Rio Grande do Sul, talvez encontrássemos a resposta. Na tal operação, a Polícia prendeu na última quinta-feira quatro pastores evangélicos envolvidos em golpes na venda de automóveis. Seria o caso de perguntar: o que foi que Deus viu na época da ditadura militar?

Tem coisas que até Ele duvida. Tive a oportunidade de acompanhar a trajetória do cardeal Eugênio Sales, na qualidade de repórter da ASAPRESS, uma agência nacional de notícias arrendada pela CNBB em 1967. Também, cobri reuniões e assembleias da Conferência dos Bispos para os jornais do Rio – O Sol, O Paiz e Correio da Manhã, quando dom Eugênio era Arcebispo Primaz de Salvador. É a partir desse lugar que posso dar um modesto testemunho.

Os bispos que lutavam contra as arbitrariedades eram Helder Câmara, Waldir Calheiros, Cândido Padin, Paulo Evaristo Arns e alguns outros mais que foram vigiados e perseguidos. Mas não dom Eugênio, que jogava no time contrário. Um dos auxiliares de dom Helder, o padre Henrique, foi torturado até a morte em 1969, num crime que continua atravessado na garganta de todos nós e que esperamos seja esclarecido pela Comissão da Verdade. Padres e leigos foram presos e torturados, sem que escutássemos um pio de protesto de dom Eugênio, contrário à teologia da libertação e ao envolvimento da Igreja com os pobres.

O cardeal Eugenio Sales era um homem do poder, que amava a pompa e o rapapé, muito atuante no campo político. Foi ele um dos inspiradores das “candocas” – como Stanislaw Ponte Preta chamava as senhoras da CAMDE, a Campanha da Mulher pela Democracia. As “candocas” desenvolveram trabalhos sociais nas favelas exclusivamente com o objetivo de mobilizar setores pobres para seus objetivos golpistas. Foram elas, as “candocas”, que organizaram manifestações de rua contra o governo democraticamente eleito de João Goulart, incluindo a famigerada “Marcha da família com Deus pela liberdade”, que apoiou o golpe militar, com financiamento de multinacionais, o que foi muito bem documentado pelo cientista político René Dreifuss, em seu livro “1964: A Conquista do Estado” (Vozes, 1981). Ele teve acesso ao Caixa 2 do IPES/IBAD.

Nós, toda a torcida do Flamengo e Deus que estava vendo tudo, sabíamos que dom Eugênio era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura. Se não sofro de amnésia – e não sofro de amnésia ou de qualquer doença neurodegenerativa – posso garantir que na época ele nem disfarçava, ao contrário manifestava publicamente orgulho do livre trânsito que tinha entre os militares e os poderosos.

“Quem tem dúvidas… basta pesquisar os textos assinados por ele no JB e n’O Globo” – escreve a jornalista Hildegard Angel, que foi colunista dos dois jornais e avaliou assim a opção preferencial do cardeal: “A Igreja Católica, no Rio, sob a égide de dom Eugenio Salles, foi cada vez mais se distanciando dos pobres e se aproximando, cultivando, cortejando as estruturas do poder. Isso não poderia acabar bem. Acabou no menor percentual de católicos no país: 45,8%…”

Portões do Sumaré

Por isso, a jornalista estranhou – e nós também – a forma como o cardeal Eugenio Sales foi retratado no velório pelas autoridades. Ele foi apresentado como um combatente contra a ditadura, que abriu os portões da residência episcopal para abrigar os perseguidos políticos. O prefeito Eduardo Paes, em campanha eleitoral, declarou que o cardeal “defendeu a liberdade e os direitos individuais”. O governador Sérgio Cabral e até o presidente do Senado, José Sarney, insistiram no mesmo tema, apresentando dom Eugênio como o campeão “do respeito às pessoas e aos direitos humanos”.

Não foram só os políticos. O jornalista e acadêmico Luiz Paulo Horta escreveu que dom Eugênio chegou a abrigar no Rio “uma quantidade enorme de asilados políticos”, calculada, por baixo, numa estimativa do Globo, em “mais de quatro mil pessoas perseguidas por regimes militares da América do Sul”. Outro jornalista,
José Casado, elevou o número para cinco mil. Ou seja, o cardeal era um agente duplo. Publicamente, apoiava a ditadura e, por baixo dos panos, na clandestinidade, ajudava quem lutava contra. Só faltou arranjarem um codinome para ele, denominado pelo papa Bento XVI como “o intrépido pastor”.

Seria possível acreditar nisso, se o jornal tivesse entrevistado um por cento das vítimas. Bastaria 50 perseguidos nos contarem como o cardeal com eles se solidarizou. No entanto, o jornal não dá o nome de uma só – umazinha – dessas cinco mil pessoas. Enquanto isto não acontecer, preferimos ficar com o corajoso depoimento de Hildegard Angel, cujo irmão Stuart, foi torturado e morto pelo Serviço de Inteligência da Aeronáutica. Sua mãe, a estilista Zuzu Angel, procurou o cardeal e bateu com a cara na porta do palácio episcopal.

Segundo Hilde, dom Eugênio “fechou os olhos às maldades cometidas durante a ditadura, fechando seus ouvidos e os portões do Sumaré aos familiares dos jovens ditos “subversivos” que lá iam levar suas súplicas, como fez com minha mãe Zuzu Angel (e isso está documentado)”. Ela acha surpreendente que os jornais queiram nos fazer acreditar “que ocorreu justo o contrário!”, como no filme “Uma cidade sem passado”.

Mas não é tão surpreendente assim. O texto de Hildegard menciona a grande habilidade, em vida, de dom Eugenio, em “manter ótimas relações com os grandes jornais, para os quais contribuiu regularmente com artigos”. As azeitadas relações com os donos dos jornais e com alguns jornalistas em postos-chave continuaram depois da morte, como é possível constatar com a cobertura do velório. A defesa de dom Eugênio, na realidade, funciona aqui como uma autodefesa da mídia e do poder.

Os jornais elogiaram, como uma virtude e uma delicadeza, o gesto do cardeal Eugenio Sales que cada vez que ia a Roma levava mamão-papaia para o papa João Paulo II, com o mesmo zelo e unção com que o senador Alfredo Nascimento levava tucumã já descascado para o café da manhã do então governador Amazonino Mendes. São os rituais do poder com seus rapapés.

“Dentro de uma sociedade, assim como os discursos, as memórias são controladas e negociadas entre diferentes grupos e diferentes sistemas de poder. Ainda que não possam ser confundidas com a “verdade”, as memórias têm valor social de “verdade” e podem ser difundidas e reproduzidas como se fossem “a verdade” – escreve Teun A. van Dijk, doutor pela Universidade de Amsterdã.

A “verdade” construída pela mídia foi capaz de fotografar até “a presença do Espírito Santo” no funeral. Um voluntário da Cruz Vermelha, Gilberto de Almeida, 59 anos, corretor de imóveis, no caminho ao velório de dom Eugênio, passou pelo abatedouro, no Engenho de Dentro, comprou uma pomba por R$ 25 e a soltou dentro da catedral. A ave voou e posou sobre o caixão: “Foi um sinal de Deus, é a presença do Espírito Santo” – berraram os jornais. Parece que vale tudo para controlar a memória, até mesmo estabelecer preço tão baixo para uma das pessoas da Santíssima Trindade. É muita falta de respeito com a fé das pessoas.

“A mídia deve ser pensada não como um lugar neutro de observação, mas como um agente produtor de imagens, representações e memória” nos diz o citado pesquisador holandês, que estudou o tratamento racista dispensado às minorias étnicas pela imprensa europeia. Para ele, os modos de produção e os meios de produção de uma imagem social sobre o passado são usados no campo da disputa política.

Nessa disputa, a mídia nos forçou a fazer os comentários que você acaba de ler, o que pode parecer indelicadeza num momento como esse de morte, de perda e de dor para os amigos do cardeal. Mas se a gente não falar agora, quando então? Stuart
Angel e os que combateram a ditadura merecem que a gente corra o risco de parecer indelicado. É preciso dizer, em respeito à memória deles, que Dom Eugênio tinha suas virtudes, mas uma delas não foi, certamente, a solidariedade aos perseguidos políticos para quem os portões do Sumaré, até prova em contrário, permaneceram fechados. Que ele descanse em paz!

P.S: O jornalista amazonense Fábio Alencar foi quem me repassou o texto de Hildegard Angel, que circulou nas redes sociais. O doutor Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, historiador e professor da Universidade Federal do Amazonas, foi quem me indicou, há anos, o filme “Uma cidade sem passado”. Quem me permitiu discutir o conceito de memória foram minhas colegas doutoras Jô Gondar e Vera Dodebei, organizadoras do livro “O que é Memória Social” (Rio de Janeiro: Contra Capa/ Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005). Nenhum deles tem qualquer responsabilidade sobre os juízos por mim aqui emitidos.

*José Ribamar Bessa Freire é professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO).

terça-feira, 17 de julho de 2012

MEC aprova migração do CESMAC


Ministério da Educação e Cultura assinou documento em 29 de junho

O CESMAC, instituição de ensino superior tradicional em Alagoas, migrou para o sistema federal de educação superior coordenado pelo MEC. O CESMAC foi criado por lei municipal, em 05 de outubro de 1973, como instituição privada sem fins lucrativos prestando inestimáveis serviços à comunidade alagoana ao longo de quase 40 anos, constituindo-se em significativa conquista para o Estado de Alagoas por seu trabalho assistencial, cultural, científico e educacional.

No período de 1973 a 2012, a Instituição, vinculada ao Conselho Estadual de Educação, expandiu com qualidade a oferta de cursos de graduação em várias áreas de conhecimento, bem como cursos de pós-graduação, inclusive com aprovação pela CAPES do mestrado profissional em Pesquisa em Saúde.

“Nesta trajetória de sucesso, o CESMAC, em agosto de 2011, teve que aderir ao Edital do MEC de migração ao sistema federal de educação superior, tendo que demonstrar atendimento integral aos critérios de qualidade exigidos”, explicou o Vice-Reitor Douglas Apratto Tenório.

Após vários meses de análise dos documentos e relatórios, o MEC deferiu a migração do Centro Universitário CESMAC e de todos os seus cursos para o sistema federal de educação superior. Esta decisão comprova que a IES tem compromisso com a educação superior, com a qualidade e responsabilidade social, formando profissionais cidadãos competentes, atualizados e éticos.

“Esta Reitoria agradece ao corpo social e aos amigos do CESMAC por esta vitória que dá início a uma nova fase de crescimento desta Instituição que é um marco no desenvolvimento de Alagoas e do Brasil”, concluiu o Reitor João Rodrigues Sampaio Filho.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A falaciosa manipulação de dados sobre a dívida pública brasileira


Este artigo serve coloca luz sobre um tema que é caro para os alagoanos: a dívida com o governo federal.

Blog Mão Visível

Ao longo dos anos (e não são poucos!) como economista fui aprendendo a reconhecer alguns truques retóricos. Um dos mais comuns consiste em apresentar grandezas sem escalas que permitam uma comparação efetiva dos valores envolvidos.

Pensando bem, talvez esta não tenha sido a minha frase mais feliz como articulista, mas o que quero dizer é bem mais simples.

Concretamente, quando alguém menciona um determinado valor (tipicamente “bilhões de reais”), sem dizer, contudo, como isto se compara à evolução de outras variáveis, como o produto, as receitas do governo, ou qualquer outra grandeza que possa ser relevante para o assunto em questão, não tenham dúvida: o argumento não está sendo feito de forma equilibrada (ia dizer “honesta”, porém poderia soar algo injusto), mas sim com o objetivo de reforçar um dos lados da história.

Exemplos abundam. “O Bolsa-Família custa ‘X’ bilhões por ano”, sem mencionar que, seja relativamente ao PIB, seja na comparação com as despesas do governo, trata-se de grandeza irrisória. Ou “a dívida pública no Brasil atingiu ‘Y’ trilhões”, sugerindo um processo descontrolado, quando, na verdade, mesmo a dívida bruta tem se mantido entre estável e decrescente na comparação com o PIB, mostrando precisamente o inverso.

Nesta linha de argumentação li recentemente, a respeito da proposta de nova renegociação das dívidas estaduais, que certos governos já tinham feito pagamentos equivalentes a uma vez e meia o valor original da dívida, mas, apesar disto, o montante a pagar ainda era cinco vezes maior que o inicial. É impossível ler uma afirmação como esta e não concluir que a dívida seria impagável nas atuais condições, necessitando de uma repactuação urgente.

Quase impossível, aliás, pois o treinamento a que me referi no primeiro parágrafo , praticamente exige o exame dos números antes de concordar com a afirmação, dados estes disponíveis no sítio do Banco Central.

De fato, segundo tais números, a dívida dos estados junto à União, por conta da renegociação ocorrida na segunda metade dos anos 90, atingira R$ 137 bilhões em dezembro de 2000, mas, a despeito de amortizações desde então, chegou a R$ 369 bilhões no final do ano passado, 2,7 vezes maior do que o valor registrado 11 anos antes.

Seria assim insustentável, exceto, é claro, por dois outros desenvolvimentos relacionados: o PIB, que em 2000 era R$ 1,2 trilhão, atingiu R$ 4,1 trilhões em 2011; em linha com isto, a arrecadação estadual, R$ 93 bilhões em 2000, chegou a nada menos do que R$ 365 bilhões no ano passado. Assim, se é verdade que a dívida cresceu 2,7 vezes, também é verdade que o PIB aumentou 3,5 vezes e a arrecadação nada menos do que 3,9 vezes no mesmo período.

Posto de outra forma, a dívida, que representava 11,6% do PIB em 2000 (equivalente a um ano e meio de arrecadação), caiu para 8,9% do PIB (equivalente a um ano de arrecadação) em 2011. Vista por esta ótica, já não parece insustentável. Pelo contrário, as condições hoje vigentes são mais favoráveis do que as observadas no início da década passada, quando a dívida chegou a quase 13% do PIB (ou 1,6 ano de arrecadação).

Há duas morais nesta história.

Se a renda familiar cresce bem mais que sua dívida, não há como evitar a conclusão que capacidade de pagamento da família aumentou. O mesmo vale para qualquer governo, estadual, federal, ou municipal, assim como qualquer empresa. Neste sentido, pedir mais uma renegociação porque a dívida seria “impagável” equivale a nova rodada de subsídios, cujo custo recai sobre a população dos estados que não foram originalmente favorecidos, ou seja, os mais pobres.

A outra retorna ao tema do meu primeiro parágrafo. Sempre que forem mencionados números absolutos, desvinculados de qualquer referência, desconfie. Alguém está tentando, de forma nada sutil, obter benefícios às nossas custas.

domingo, 8 de julho de 2012

O pesadelo da imobilidade urbana: até quando?


Marcos Pimentel Bicalho - Carta Maior

No final do ano passado, na abertura da reunião do Fórum Nacional de Secretários de Transporte, em João Pessoa, o Governador da Paraíba, em sua fala, disse, mais ou menos literalmente a seguinte frase: “as políticas do Governo Federal de incentivo à indústria automobilística, ainda que tenham tido efeito benéfico para a economia, foram desastrosas para as cidades brasileiras”.

De fato, a concessão de incentivos fiscais para a produção de automóveis foi uma das principais medidas do Governo para enfrentar, com sucesso, a crise econômica mundial de 2009, e continua sendo peça importante das ações que visam manter aquecida a economia nacional. Porém, a que custo?

O Governador se referia aos congestionamentos, a parte mais visível do problema. Perdas econômicas, para as cidades, e deterioração da qualidade de vida, para a população, antes sentidas apenas nas grandes metrópoles, se tornaram parte do cotidiano de todas as cidades médias, e até de menor porte, guardadas as devidas proporções, é claro.

Outros graves problemas também decorrem do modelo de transporte abraçado pelo país, mais intensamente a partir da segunda metade do século passado: consumo de energia, poluição e acidentes de trânsito também são externalidades das políticas de mobilidade que moldaram o Brasil para e pelo transporte rodoviário, e as cidades para os automóveis.

O sonho de modernidade do século XX se transformou no pesadelo da imobilidade e, mesmo para a minoria que tem acesso aos automóveis, este modelo dá sinais claros de esgotamento. Se, no início, ter um carro conferia ao seu proprietário pleno acesso a todas as oportunidades da vida urbana, em comparação com as condições dadas àqueles que usam os meios de transporte coletivo, hoje, esta garantia não existe mais. Ainda que em condições mais vantajosas, os usuários do transporte individual também sofrem hoje para se deslocar, presos nos congestionamentos que eles mesmos provocam.

Se sofrem os privilegiados, padecem ainda mais aqueles que dependem do transporte público, preteridos nos incentivos fiscais, ignorados nos investimentos públicos e abandonados na gestão cotidiana do espaço público de circulação.

O Brasil pratica uma política de Robin Hood às avessas: há mais subsídio para a produção de automóveis do que de ônibus; o preço da gasolina, que movimenta os automóveis, é mantido congelado, enquanto sobe o do óleo diesel, que move a quase totalidade do transporte coletivo urbano; e bilhões são gastos em obras viárias (duvidosas) direcionadas para a inalcançável meta de “desafogar o trânsito”, enquanto que investimentos em metrôs e corredores de ônibus não saem do papel.

Esforços inúteis! Obras viárias faraônicas, cada vez mais caras, prometidas como solução para os problemas do trânsito, têm vida útil cada vez mais curta, quando já não são inauguradas saturadas, em função do vertiginoso crescimento da frota de automóveis, e, mais recentemente, de motocicletas, em circulação.

Não há solução para o deslocamento diário de grandes quantidades de pessoas que não seja o transporte público, de qualidade e a preços acessíveis, para a população. Mais do que nunca são necessários investimentos continuados, dos três níveis de governo, na expansão da infraestrutura destinada ao transporte coletivo urbano. A recente retomada dos investimentos federais no setor, com os PACs da Copa e da Mobilidade em Grandes Cidades (acima de 700 mil habitantes), deve ser louvada, mas é modesta e insuficiente para atender as necessidades de um país cada vez mais urbano.

E, por fim, não basta investir na melhoria do transporte público, ainda que isto seja necessário e urgente. Serão necessárias, em paralelo, crescentes restrições econômicas (pedágio urbano) e operacionais (rodízio), destinadas a reduzir o uso do transporte individual. Como o espaço viário é escasso, ele precisa ser destinado para o uso dos meios mais eficientes de transporte, isto é, aqueles que transportam um maior número de pessoas ocupando menos espaço e com menores custos sociais.

(*) Marcos Pimentel Bicalho é urbanista, consultor em planejamento de transportes e assessor técnico da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O valor da vida. Uma entrevista rara de Freud.


Blog Formação Freudiana

Entre as preciosidades encontradas na biblioteca da Sociedade Sigmund Freud está essa entrevista. Foi concedida ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926. Deve ter sido publicada na imprensa americana da época. Acreditava-se que estivesse perdida, quando o Boletim da Sigmund Freud Haus publicou uma versão condensada, em 1976. Na verdade, o texto integral havia sido publicado no volume Psychoanalysis and the Fut número especial do “Journal of Psychology”, de Nova Iorque, em 1957. É esse texto que aqui reproduzimos, provavelmente pela primeira vez em português.


Tradução de Paulo Cesar Souza

Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade.
Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos.
Eu havia visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou.
Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação.

S. Freud: Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção.
Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.

Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial.

— Por quê — disse calmamente — deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com sua agruras chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas — a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr do sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?

George Sylvester Viereck: O senhor teve a fama, disse que sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo — com exceção da sua própria Universidade.

S. Freud: Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais.
A fama chega apenas quando morremos, e francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não e virtude.

George Sylvester Viereck: Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?

S. Freud: Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não e certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.

Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que florescia.

S. Freud: Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.

George Sylvester Viereck: Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?

S. Freud: Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.

George Sylvester Viereck: O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?

S. Freud: Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem construir uma exceção?

George Sylvester Viereck: Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?

S. Freud: Sinceramente não. Se a gente reconhece os motivos egoístas por trás de conduta humana, não tem o mínimo desejo de voltar a vida, movendo-se num círculo, seria ainda a mesma.
Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria, sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro.
Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.

George Sylvester Viereck: Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco, disse eu. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.

— É possível, respondeu Freud, que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer.
Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da própria destruição.
Do mesmo modo com um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós.
A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro: Além do Princípio do Prazer.
No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante.
Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.

Isto, exclamei, é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o auto-extermínio. Levaria logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hartamann.

S.Freud: A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão de morte, embora no final resulte mais forte.
Podemos entreter a fantasia de que a Morte nos vem por nossa própria vontade. Seria mais possível que pudéssemos vencer a Morte, não fosse por seu aliado dentro de nós.
Neste sentido acrescentou Freud com um sorriso, pode ser justificado dizer que toda a morte é suicídio disfarçado.

Estava ficando frio no jardim.
Prosseguimos a conversa no gabinete.
Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud.

George Sylvester Viereck: Em que o senhor está trabalhando?

S. Freud: Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopoliza-la.

George Sylvester Viereck: O senhor teve muito apoio dos leigos?

S. Freud: Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.

George Sylvester Viereck: O senhor está praticando muito psicanálise?

S. Freud: Certamente. Neste momento estou trabalhando num caso muito difícil, tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo paciente.
Minha filha também é psicanalista, como você vê…

Nesse ponto apareceu Miss Anna Freud acompanhada por seu paciente, um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxonicas.

George Sylvester Viereck: O senhor já analisou a si mesmo?

S. Freud: Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros.
O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.

George Sylvester Viereck: Minha impressão, observei, é de que a psicanálise desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristão. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. “Tout comprec’est tout pardonner”.

Pelo contrário! — bravejou Freud, suas feições assumindo a severidade de um profeta hebreu. Compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não e de maneira alguma um corolário do conhecimento.

Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o haviam abandonado, por que ele não perdoa a sua dissensão do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais. Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.

Minha língua, ele me explicou, é o alemão. Minha cultura, minha realização é alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me considerar judeu.

Fiquei algo desapontado com esta observação.

Parecia-me que o espírito de Freud deveria habitar nas alturas, além de qualquer preconceito de raças que ele deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No entanto, precisamente a sua indignação, a sua honesta ira, tornava o mais atraente como ser humano.

Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar!

Fico contente, Herr Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de que também o senhor demonstre que é um mortal!

Nossos complexos, replicou Freud, são a fonte de nossa fraqueza; mas com freqüência são também a fonte de nossa força.