domingo, 22 de julho de 2012

Aos 80 anos, Audálio Dantas fala sobre democratização da comunicação e ditadura militar


Do Barão de Itararé

Aos 80 anos de idade, comemorados no último dia 8, Audálio Dantas é uma das principais referências quando se trata da atuação jornalística e sindical durante os anos de chumbo da ditadura militar. O alagoano, nascido na cidade de Tanque D’Arca, passou por redações de grandes veículos, como o jornal Folha de S. Paulo e a revista Realidade, entre as décadas de 1950 e 1970. No auge da repressão fardada, em 1975, Dantas assumiu a presidência do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo.

Em outubro daquele ano, ele recebeu por telefone a notícia da morte de Vladimir Herzog, em Presidente Prudente (SP). Com a missão de reagir ao assassinato de Vlado, voltou para a capital em um banquinho colocado entre as poltronas de um voo que ia do Mato Grosso a São Paulo, com escala no interior.

Em 1983, tornou-se o primeiro presidente eleito por voto direto da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e, em junho de 2005, foi convidado a ser vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Além disso, acumula diversos prêmios jornalísticos aos longo da carreira.

Membro do conselho consultivo e entrevistado pelo Barão de Itararé, Audálio Dantas falou sobre o passado e o presente do jornalismo; a necessidade de democratizar os meios de comunicação e suas experiências como sindicalista durante os anos de chumbo e censura.

Barão de Itararé: Quais são as grandes mudanças do jornalismo praticado pelos grandes veículos quando você ainda atuava nas redações em relação ao jornalismo feito no presente?

Audálio Dantas: As mudanças são muito significativas. Além da questão tecnológica, há muitas transformações no aspecto editorial. A mais notável é a instituição do denuncismo – que é na verdade um “denuncismo pelo denuncismo”. É um meio de projeção dos veículos, às vezes, com fins políticos.

Denunciar é papel da imprensa, mas em um sentido de esclarecer os acontecimentos e atos de interesse público. O problema é que o jornalismo não possui apenas esta forma e nem interessa qual seja o governo e, na maioria das vezes, a imprensa comete abusos nesse sentido.

Comparado ao passado, passei 20 anos, dentre as décadas de 50 e 70, nas grandes redações. Metade da minha atuação foi durante a ditadura militar, então havia um grande silêncio nos veículos de comunicação. Forçado, em algumas. Voluntário, em outras. A grande mudança, na realidade, é esta: a reconquista da liberdade de expressão e da democracia.

Barão de Itararé: A liberdade de expressão no Brasil, em termos de comunicação, é bastante restrita aos grandes meios privados, altamente concentrados nas mãos de poucas famílias. Qual sua opinião em relação ao debate em torno da democratização da comunicação?

Audálio Dantas: Discutir a comunicação é fundamental para a sociedade. As empresas argumentam que democratizar a comunicação é censura e que fere a liberdade de imprensa, o que é um absurdo. A sociedade tem o direito de discutir qual comunicação ela faz.

A Constituição de 1988 trata o tema da comunicação e apresenta diversos pontos importantes. Lutamos muito pelo Conselho Nacional de Comunicação, que seria formado por jornalistas, instituições e empresas e atuaria como um órgão auxiliar do Poder Legislativo. Apesar disso, a questão só foi regulamentada muitos anos depois, evidenciando o descaso em relação à regulação do setor.

O debate é ainda mais urgente com a questão dos meios eletrônicos. São diversos atores e setores da sociedade que querem ter acesso aos meios de comunicação. Queremos e devemos debater o tema.

Barão de Itararé: Quais suas experiências e suas memórias da atuação jornalística e sindical durante os anos de chumbo da ditadura militar?

Audálio Dantas: Todos os jornalistas e comunicadores foram atingidos pela ditadura. Naquela época, a censura estava embutida nas cabeças das pessoas – principalmente nos patrões. Não havia jeito: qualquer tema sensível à censura era evitado pelos donos dos veículos. Era uma época em que tínhamos que falar as coisas nas entrelinhas.

Em 1975, concorri à presidência do Sindicato dos Jornalistas. Quando eleitos, a primeira coisa que fizemos foi afirmar que um dos objetivos do Sindicato era lutar contra a censura imposta pela ditadura. Fomos visados, espionados e ameaçados desde que tomamos posse.

Um dos episódios mais marcantes da nossa luta foi quando protestamos contra o locutor oficial do Palácio dos Bandeirantes, em um evento da Escola Superior de Guerra. Na ocasião, o locutor fez um discurso inflamado com uma falsa denúncia de que as redações jornalísticas estariam “infestadas de comunistas”. Divulgamos uma nota contra o discurso, que era claramente encomendado.

Como represália, fomos convocados pelo Segundo Exército para prestar esclarecimentos. 12 jornalistas foram presos na ocasião. O décimo segundo era Vladimir Herzog, que terminou brutalmente assassinado. Após o acontecimento, nos dedicamos a denunciar o caso do Vlado e à luta pela liberdade de expressão.

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