terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Quem quebrou o Xangô em 1912?

Rua do Comércio, em Maceió dos anos 1920
Edberto Ticianeli

Está marcada para acontecer amanhã, 1º de fevereiro, a assinatura do pedido de perdão oficial do Governo do Estado de Alagoas aos seguidores dos cultos afrobrasileiros. O perdão se refere aos acontecimentos de 1º de fevereiro de 1912, quando os terreiros foram destruídos e seus frequentadores agredidos por uma multidão enfurecida sob o comando dos oposicionistas ao governo de Euclides Malta.

O fato do governo pedir perdão faz parecer que o quebra foi simplesmente uma ação truculenta da sua polícia, repressão de cunho racial e religioso. As matérias de jornais sobre o assunto também contribuem para esse entendimento distorcido. São citados vários exemplos de governos e instituições muito próximas de governos, como a Igreja, que pediram perdão por crimes contra os direitos humanos.

Como resultado dessa incompreensão, uma autoridade entrevistada por jornal de grande circulação faz referência ao episódio como uma “postura repressora do Estado”. A questão, quando estudada com mais rigor, não aparece tão simplificada assim. O Quebra de 1912 em Alagoas está mais para um acontecimento provocado pelos conflitos interoligárquicos da época, num momento em que o Estado estava enfraquecido pela crise.

Douglas Apratto Tenório faz um excelente estudo sobre a questão em Metamorfose das Oligarquias (HD Livros, 1997). Apratto identifica que o longo período de poder dos Maltas e as disputas entre os vários segmentos das oligarquias haviam feito surgir uma oposição ao governo de Euclides Malta em torno dos nomes do general Clodoaldo da Fonseca e Fernandes Lima. Clodoaldo era parente do presidente Hermes e seu chefe do Gabinete Militar, posições no cenário nacional que deram à oposição em Alagoas uma postura destemida diante do aparelho policial local.

O ambiente político em Alagoas, nos momentos que precedem o Quebra de 1º de fevereiro de 1912, é tumultuado. As manifestações se sucedem com mais agressividade. Apratto cita o jornal conservador Gutemberg, que vê na desordem “uma tendência doentia invadindo uma grande parte dos indivíduos que surgem em toda parte pregando doutrinas subversivas de ordem moral e social com o fim de induzir o povo à degradação”.

O clima de sublevação atinge os trabalhadores, segmentos médios e “até coronéis do interior”, historia Apratto. Assim, no dia 17 de dezembro de 1911, é fundada a Liga dos Republicanos Combatentes, que tinha à frente Manoel Luís da Paz, um militar reformado, “que, ao contrário do seu sobrenome, professava uma belicosidade exarcebada”. Esse grupo paramilitar assume o papel de guarda armada dos oposicionistas ao governo.

“Alguns dias após a sua criação, os integrantes da Liga invadem com alarido, de armas na mão, a residência do Intendente da capital, Luís Mascarenhas, que, diante das ameaças da turba enfurecida, teve que fugir com a mulher, pulando o muro dos fundos, para resguardar-se na casa de vizinhos”, narra Apratto. Esse era o ambiente em Alagoas descrito no livro Metamorfose das Oligarquias.

Quem eram os mobilizados contra o governo de Euclides Malta? Eram “ricos e pobres irmanados na ira: trabalhadores da Levada e Jaraguá, canoeiros, pescadores, operários, comerciários, ferroviários, estivadores, bancários”. São estes que enfrentavam a polícia do governo, quase sempre com derramamento de sangue. A tática era a de fustigamento do governo, “usando toda sorte de armas: o grito, a vaia, o paralelepípedo, o tiro esconso”.

O governador Euclides Malta era católico e “respeitava, como boa parte dos políticos, o culto afro com seus milhares de adeptos”. Douglas Apratto informa que Euclides tinha uma boa relação com os terreiros, ao ponto de se espalhar que os seus responsáveis apelassem às suas divindades para que ele permanecesse eternamente no poder. “Os batuques dos terreiros que se espalhavam pela capital, de Bebedouro a Pajuçara, da Levada ao Farol, soavam como provocação e pareciam contribuir para a forte resistência da prolongada oligarquia, Daí um assalto geral contra eles”, diz Apratto.

Mesmo considerando que houve “racismo, intolerância e oportunismo” no episódio, Apratto sentencia que “a realidade, porém, é que a vandálica destruição dos xangôs de Maceió por parte da Liga dos Combatentes, o famoso quebra-quebra de 7[sic] de fevereiro de 1912 , mais parecido com um auto de fé, foi inquestionavelmente um ardiloso plano político”. A população foi jogada contra eles, movida pela “poderosa opinião da Igreja e do segmento mais influente da sociedade”.

A partir desse episódio, com o fortalecimento do Partido Democrata (de oposição) e ainda com a esperada queda dos Maltas, a polícia assume a tarefa de reprimir e enfraquecer os aliados do então governador. Assim, “institucionalizou-se o terrorismo político-religioso contra os adeptos daquele culto, impedindo sua reorganização. Os suspeitos eram surrados barbaramente em plena via pública e seus praticantes fugiram para outros Estados”.

Como se percebe, o conflito político entre as oligarquias foi o fator decisivo para a agressão aos terreiros e seus adeptos. Entender assim, nos ajuda a perceber que os danos provocados pelas oligarquias atrasadas ao estado de Alagoas são mais graves do que a reprovável e absurda perseguição aos cultos afrobrasileiros. Elas também são responsáveis por outros “quebras”, como o do Produban, ou ainda pior, pelo “quebra” de figuras humanas como a do tributarista Silvio Viana, que investigava o não pagamento do ICMS por parte das novas/velhas oligarquias de Alagoas.

O governo vai ter que, em breve, aumentar a lista dos perdões.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A Anatel tem culpa nos altos preços da telefonia no Brasil

Flávia Lefèvre Guimarães, na "Carta Capital"

Os brasileiros são os consumidores do planeta que mais pagam pelos serviços de telecomunicações, segundo a União Internacional de Telecomunicações. Por quê?
A resposta é simples: por omissão injustificável da Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel.
Depois de 14 anos de privatização, a Anatel ainda não implantou o modelo de custos, ferramenta fundamental para que as agências, cuja atribuição principal é a regulação econômica, possam garantir que as tarifas e preços praticados pelas operadoras do setor sejam equilibrados e, assim, viabilizem o acesso a serviços públicos de importância estratégica tanto pelo ponto de vista econômico quanto social.
E não é por falta de previsão legal. Um decreto de 2003 do então presidente Lula já estabelecia que, a partir de janeiro de 2006, o modelo de custos fosse implantado, para que os serviços passassem a apresentar uma relação justa e coerente entre o custo e o valor a ser cobrado. Mas a Anatel ignorou essa obrigação.
Então não é exagero dizermos que a agência, e consequentemente nós, consumidores, estamos há anos reféns das informações que as empresas apresentam. O resultado: as tarifas têm sido fixadas no chute e em benefício dos interesses de grupos econômicos privados, que tratam seus clientes sem nenhum respeito – as reclamações recordes nos Procons do país são prova disto.
O Tribunal de Contas da União também está, desde 2001, preocupado com o modo com o qual a Anatel regula as tarifas. Porém, isso não trouxe efeitos práticos em benefício dos consumidores.
O resultado da omissão ilegal da Anatel é que o Brasil ocupa o penúltimo lugar no ranking mundial de tráfego de voz na telefonia móvel. O Brasil tem mais de 220 milhões de aparelhos celulares habilitados, mas 82% operam no sistema pré-pago, com uma média mensal de recarga de crédito não superior a R$ 6,00 (sem impostos, que são escorchantes – 42%).
Ou seja, pouco se fala com estes pré-pagos, popularmente conhecidos como celulares “pais de santo”, pois mais recebem do que originam chamadas. Quando o consumidor precisa ligar, ele procura um orelhão que, pos sua vez, vêm desaparecendo desde 2003. A Anatel e o Ministério das Comunicações já autorizaram que os orelhões fossem reduzidos na proporção de 7,5 aparelhos para 1000 habitantes para 4,5 para cada 1000.
Assim, a redução fixada pela Anatel na última semana para a tarifa das ligações de telefone fixo para móvel (diferente do que alardeou a grande imprensa, dizendo que ligações de móvel para móvel também vão baratear) deve ser comemorada, é claro.
Porém, é importante esclarecer, em respeito à boa fé e aos bolsos, que a redução atinge apenas um dos três itens que compõem a tarifa das chamadas feitas de telefones fixos para móveis. Entre estes itens está um delta relacionado aos ganhos das empresas, sobre os quais a Anatel não tem nenhum controle, pois não implantou o modelo de custos. E, diga-se ainda, que a correção monetária desta tarifa, relativa a 2011, ainda não foi aplicada.
Ou seja, os 14% da redução anunciada não atingirá diretamente a conta do consumidor. E, por isso, meu conselho: continuem falando pouco para não levarem um choque com a conta no final de março…

domingo, 29 de janeiro de 2012

Cabra macho da peste

Cleto Falcão (Do livro Missão Secreta em Igaci, de 1984).
Ato de fundação do PMDB em Alagoas, no Teatro Deodoro, 1980.
Foto de Adailson Calheiros.

Miguel Arraes havia retornado do exílio. A repressão ainda não havia "digerido" a anistia, muito menos a presença de Arraes no Brasil. Teotônio levou Arraes a um restaurante em São Paulo a fim de apresentá-lo a alguns companheiros do futuro PMDB, a frente política que estava nascendo. Com mais de vinte pessoas na mesa, Teotônio sentou-se ao lado de Arraes. No meio do jantar, entram bruscamente no restaurante quatro homens de capa, ostensivamente armados. Dirigem-se a Miguel Arraes.

— O senhor queira fazer o favor de nos acompanhar.

— Quem são os senhores? — perguntou Arraes.

— Somos da policia e precisamos investigar uma denuncia contra o senhor. Por favor, nos acompanhe.

Miguel Arraes já fazia menção de acompanhá-los quando Teotônio interveio.

— Um momento. Os senhores trazem alguma ordem legal de prisão?

— Não. Isso não e uma prisão, é um convite.

Teotônio enfureceu-se.

— Tenham respeito a um ex-governador. Os senhores estão pensando o que? Eu sou um Senador da Republica e exijo ser respeitado. Se isso e um convite, o Governador rejeita, por que não gosta da companhia de repressores. De qual policia vocês são?

— Somos do DOPS.

Teotônio levantou-se. Instruiu Miguel Arraes para ficar ali mesmo. Foi até um telefone, (eram duas horas da madrugada) e acordou Romeu Tuma, delegado do DOPS em São Paulo. Tuma negou que os homens fossem do DOPS. Fez uma rápida checagem nos órgãos policiais e concluiu que os homens eram ex-integrantes do Doi-Codi.
Voltou até a mesa.

— Eu já sei quem são os senhores e também sei o que os senhores querem. Os senhores são torturadores do Doi-Codi inconformados com a anistia. Estão querendo fazer terror com o governador Miguel Arraes. Pois saibam vocês que só levam o governador se for na marra. E eu também vou junto. Se vocês nos matarem, agüentem as conseqüências de terem assassinado um ex-governador e um Senador da República. E se não nos matarem, amanha vou direto ao Ministro da Justiça denunciá-los um por um.

Um dos homens fez menção de pegar na arma. Teotônio dirigiu-se a ele.

— Eu sou de Alagoas. Você tá pensando que eu tenho medo disso?

A essa altura o restaurante já estava lotado de políticos e amigos de Miguel Arraes e Teotônio. Sentindo a pressão, os homens encaminharam-se ao elevador. Teotônio, bruscamente, entrou no elevador com eles. Pela janela Arraes viu um carro estacionado lá embaixo na porta do restaurante. Desceu todo mundo correndo pelas escadas — estavam no segundo andar — temendo uma violência física contra Teotônio. Embaixo já encontraram Teotônio fazendo um comício:

— Quem é o chefe? Eu quero falar com o chefe de vocês. Quem é o vagabundo que esta comandando esse terrorismo?

Assustados os homens entraram rapidamente no carro e saíram em disparada.

Quem me contou essa historia não foi Teotônio. Foi Miguel Arraes.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Manuel Castells debate os dilemas da internet

Publicado no site Outras Palavras
Para sociólogo, breve todo planeta estará conectado;
Google e Facebook não são ameaça. Grande desafio é manter
liberdade na rede

Entrevista a Sergio MartinRádio Europa Aberta | Tradução: Daniela FrabasileGabriela Leite Martins


Num mundo que mudou muito, em pouco tempo, os meios de comunicação de massa estão se transformando ainda mais rapidamente. Qual sentido de suas transformações?

Os meios de comunicação tornaram-se ao mesmo tempo globais e locais. Com a transmissão digital, podem-se recombinar meios diferentes. O que antes era uma comunicação muito local e em que havia poucos canais e poucas formas de difusão de mensagens, transformou-se numa enorme constelação que está em todo mundo.
Mas a grande transformação foi produzida nos últimos dez ou doze anos, quando começou a se difundir a comunicação horizontal. Ou seja, não mais aquela que vai de um a muitos — e sim a que vai de muitos a muitos. Com cada um emitindo e selecionando suas próprias mensagens a partir da internet. Isso abriu as fronteiras. Qualquer pessoa pode organizar seu próprio canal e suas próprias redes de comunicação.
Portanto, estamos em um sistema de comunicação duplo, em que os meios de comunicação de massa já não reinam sozinhos. Surgiu o que chamamos de a “auto-comunicação de massa” — a comunicação que nós mesmos selecionamos, mas que tem o potencial de chegar às massas, ou àquele grupo de pessoas que definimos em nossas redes.
Em Comunicação e Poder, um de seus livros mais inspiradores, você difunde a utopia de um mundo melhor graças à livre comunicação entre as pessoas. Porém, percebemos, pelos ataques que têm sido lançados à liberdade na rede. Por isso, pergunto: nada parece ser tão simples, não é?
As coisas não são nada simples — mas não é difícil compreender a equação. Quem tem o poder, organiza a rede — seja poder econômico, midiático, político, qualquer um. E quem tem poder deseja mantê-lo, pois é a forma de assegurar que seus próprios interesses e valores estejam melhor servidos que os dos demais, na organização da sociedade. Por isso mesmo, quem tem poder rejeita as mudanças que ameaçam seu domínio.
Conservar o poder requer manter o máximo controle possível sobre a informação, e assegurar,  sobretudo, que os canais de comunicação sejam verticais. Nessa lógica, alguns poucos devem controlar a comunicação dirigindo-se aos muitos que não a temos. Bem… isso é o que está mudando fundamentalmente!
Mas dizemos que não é tão fácil porque, ainda que a internet e as redes móveis permitam que uma multiplicidade e uma horizontalidade da comunicação, as grandes empresas também possuem os mesmos canais. E os governos possuem uma certa capacidade — não decisiva, por sorte — de controlar e intimidar a livre circulação de ideias na internet e nos meios de comunicação móveis. Ou seja, a princípio a tecnologia permite uma abertura do mundo da comunicação, mas poderes econômicos, políticos e midiáticos seguem tentando controlá-la. O resultado de tudo isso varia segundo os momentos e os países, e depende sempre da capacidade que as pessoas têm de mobilizar-se para defender seu direito à liberdade.
Poderia ser mera ilusão de ótica a sensação de que nossa capacidade de influência, e liberdade para nos informar, são agora muito maiores?
Creio que é uma ótima pergunta, mas não — claramente, não. Temos inúmeros estudos mostrando que as pessoas têm muitíssimo mais capacidade de intervir no espaço da comunicação, a partir da internet, que em qualquer outro momento na História. Tanto é assim que, falando concretamente, as grandes empresas de comunicação do mundo também usam as redes sociais
As barreiras de entrada no mundo de comunicação da internet diminuíram muito. A tecnologia está ao alcance de qualquer estudante formado. E o capital necessário para criar um canal no Youtube, por exemplo, é relativamente pequeno. Portanto, há centenas e centenas e centenas de alternativas, e algumas são mais sofisticadas que outros. E se o Youtube pratica a censura, ou se o Facebook controla o que se diz ou não se diz, as pessoas simplesmente mudam-se para outra rede social e abandonam o que havia.
É o que aconteceu com a primeira grande rede social de comunicação. Em sua época, o AOL.com, era o grande invento, a grande tecnologia. Quando a AOL tentou cortar a liberdade de expressão, simplesmente as pessoas abandonaram-na e ela praticamente acabou, em termos de rede. Então, de certo modo, para vender o que querem em termos de publicidade, em termos de obter dados sobre as pessoas, as empresas de internet têm de aceitar a liberdade de expressão. Porque é isso que as pessoas buscam: expressar-se, organizar-se e relacionar-se livremente.
O mesmo com os governos. Os governos odeiam a internet. Porque é um desafio básico ao que sempre foi o fundamento de seu poder: o controle da comunicação e da informação. Os governos dizem: internet sim, mas para o que me servir. Sempre usam os mesmos pretextos: a pornografia infantil, o terrorismo — como se fossem fundamentalmente problemas da rede. Ora, são problema da sociedade. E os terroristas usam a internet, mais para propaganda, não para se organizar. É o que fazemos todos. Todos utilizamos a internet para tudo: para o bem e para o mal. E os governos odeiam que algo escape a seu controle. Mas não pode haver “um pouquinho” de internet. A rede existe ou não existe: por ela se transmite todo tipo de informações.
Pode-se tentar controlar, como por exemplo na China, com meios muito potentes. Mas mesmo assim, não conseguem realmente controlar aquilo que as pessoas crêem. Como os governos fazem o controle da internet pelos governos? Por análise de conteúdo, com robôs: esses sistemas automáticos que buscam palavras-chave. Para escapar do controle, uma estratégia é não dizer nenhuma das palavras-chaves que um robô pode interpretar: democracia, Tian An Men, Tibete, Taiwan, pornografia, etc… Se nenhuma palavra de uma lista for usada, se não se comete nenhuma imprudência nesse sentido, os robôs não são capazes de controlar.
Existem outros sistemas mais manuais de intimidar o webmaster, a pessoa que maneja cada site, mas isso é muito mais artesanal e muito menos eficaz. Ou seja, o que os governos fazem para controlar a internet é o que sempre fez a polícia: manter uma lista de suspeitos habituais e buscar controlar os correios eletrônicos e os web destes suspeitos.
Mas há uma mudança a mais: o email deixou de ser a forma de comunicação mais importante, e mesmo mais comum, na internet. Desde julho de 2009, o número de usuários das redes sociais de comunicação, tipo Facebook e outros, é muito maior que o de email.
Ou o Twitter…
Twitter também… mas ele não é o maior. E está estancado, de certo modo, porque não permite uma interação suficientemente rica, como em outras redes sociais. E sobretudo porque o bom do Twitter era que se podia (e segue sendo assim) interagir facilmente pelo celular. Mas agora entramos na época do iPhone e outros dispositivos móveis que podem entrar diretamente na internet. Pode-se estar no Facebook sem nenhum problema e é uma grande vantagem das redes sociais com maior amplitude de banda.
Mas o controle de informação que os governos tinham não estará sendo transferido ao Google, por exemplo? É ele que seleciona o que se encontra e estabelece preferência de alguns sites sobre outros. Estaremos oferecendo a uma empresa privada o poder que tiramos do governo e das urnas?
Bem, os governos legitimados pelas urnas possuem muitos condicionamentos e existem apenas em uma parte do mundo. O Google tem enorme poder, sobretudo tecnológico, e pode ser um veículo de controle. Mas, na batalha que vivemos no momento, ele é mais um aliado que um inimigo. Os que realmente estão tentando controlar — e os que podem controlar mais — são as empresas proprietárias dos canais de comunicação, por meio dos quais flui a rede. Porque nesse caso, o tipo de censura é muito mais direto: cortam seu acesso, a menos que haja uma intervenção judicial. Podem cortá-lo restringi-lo, diferenciá-lo da maneira que quiserem. Por isso, é tão importante a batalha pela neutralidade da rede.
Nos Estados Unidos isso é decisivo. O governo Bush caminhava para entregar entregando as redes às grandes empresas de telecomunicação, com seus critérios. Obama fez uma campanha muito grande para preservar a neutralidade da rede, e delegou isso ao novo presidente da comissão geral de comunicações, que está tentando mantê-la.
O Google tem poder, naturalmente, à medida que é uma máquina de busca que utiliza seus próprios critérios. Dizem que os algorítmos são aleatórios, mas na realidade não é assim: eles utilizam seus próprios critérios e condicionam o que buscamos e o que não buscamos. Mas o que não podem fazer é controlar o acesso, controlar a comunicação, porque quanto mais tráfego, conteúdo e atividade na internet, melhor para eles. Eles vivem de incrementar a comunicação livre na internet, e não de limitar aquilo que ela nos entrega.
Google é um negócio, não uma ideologia. Quanto mais internet e mais comunicação, mais negócios para o Google. De qualquer maneira, como você disse, é absolutamente necessária uma regulação séria, em benefício do interesse público. Uma regulação de toda a comunicação, e em particular da internet. Por exemplo, na Catalunha, temos o Conselho Audiovisual, que tem uma atividade bastante séria e em função do interesse público. Esses conselhos reguladores às vezes são especialmente politizados, mas é fundamental que regulem em função do interesse público, não em função dos interesses do governo.
Os meios de comunicação passaram a transmitir fatos como o funeral de Michael Jackson via Facebook. Todos compartilhavam o que viam e compartilhavam seus sentimentos diretamente. Estaríamos vivendo uma globalização dos sentimentos, maior do que a já ocorrida até agora?
Sim, efetivamente. Este é um exemplo excelente. De forma menos interativa (porque não havia Facebook), ocorreu no funeral de Lady Di, como um momento de comunhão geral do lamento de milhões de pessoas no mundo.
Mas eu diria que mais importante que esse exemplo é a ideia da articulação dos meios de comunicação de massa tradicionais com os novos meios de comunicação pela internet. Ou seja, estamos em um processo de convergência tecnológica e também convergência comunicativa.
Vemos dois mundos diferentes: o mundo da comunicação de massas e o mundo da auto- comunicação de massas, mas hoje em dia eles estão interagindo. Qualquer canal de televisão sabe que tem que contar com a interação dos meios de comunicação pela internet. Está surgindo um híbrido. Mas atenção: como a internet não é controlável, para que os meios de comunicação de massa realmente interajam com a comunicação que chega à rede, será preciso que diminuam o nível de controle em relação ao que eles próprios difundem. Isso seria uma revolução, que ainda não chegou aos meios de comunicação.
O mesmo posso dizer em relação ao governos e políticos. Para que possam fazer uso eficiente da internet, precisam aceitar a autonomia dos cidadãos. Essa foi a genialidade de Obama e é difícil, pois quase nenhum político aceita liberar o sentimento dos cidadãos para que eles próprios se organizem. E mesmo Obama, desde que chegou à Casa Branca, limitou bastante o que os cidadãos podem e não podem fazer na internet.
Esse é o tema: a internet é um meio de comunicação livre. Qualquer tipo de articulação com a internet — seja política, midiática ou cultural — implica renunciar a boa parte do controle vertical que os meios de comunicação exercem. Esse, sim, é um processo de transformação que está acontecendo e que podemos ver no exemplo do funeral de Michael Jackson.
Quem não está na internet já não existe?
Na política, se alguém não está em comunicação — seja pelos meios de comunicação, ou pela internet –, não existe. As pessoas existem distantes da internet, é claro, mas limitam muito as possibilidades de relação e de informação. Os estudos mostram que quanto mais se está na internet, mais possibilidades de relações, mais amigos, mais atividade, mais informação social e política, mais informação cultural. O internauta é um ser ativo, a ideia de que a rede afasta as pessoas do mundo é refutada pela experiência empírica.
Mas eu diria que essa pergunta está começando a ficar um pouco velha. É como perguntar se existimos sem eletricidade. Sim, é claro que as pessoas podem viver felizes sem ela: em momentos na floresta, contemplando o correr do rio, lendo um livro… Por outro lado, a eletricidade é a base da civilização industrial que construímos.
Temos hoje 1,7 bilhão de usuários de internet no mundo (em 1996, havia aproximadamente 40 milhões…). Uma barreira para o desenvolvimento da rede era a falta de plataformas móveis: em 2012, a comunicação interpessoal já não se dá principalmente por meio de linhas fixas, mas a partir de dispositivos móveis, como os celulares. Pois bem: o número de linhas móveis passou de 16 milhões, em 1991, para 4,7 bilhões. O planeta está praticamente conectado — inclusive os países pobres. Essa plataforma puxará uma nova etapa de expansão e desenvolvimento da internet. Significa que a rede tem, hoje, o mesmo significado que a eletricidade representou para o desenvolvimento da sociedade industrial.
A pergunta, portanto, perde sentido. Não vivemos na internet, mas com ela. É uma parte essencial da nossa vida, além de uma cultura de liberdade. Se existem pessoas que não querem a internet — gente de mais idade, por exemplo, que identificamos em algumas de nossas pesquisas –, elas têm todo o direito de sustentar essa opinião. Deveríamos assegurar, por exemplo, que os serviços públicos não sejam distribuídos apenas pela rede, pois as pessoas sempre precisam ter o direito de optar por outras tecnologias. Mas insisto, é o mesmo que poder optar por não ter eletricidade.
Internet, celulares, redes sociais são elementos que mudam as formas de nos relacionarmos, e também abrem um mundo novo de oportunidades, numa hora de crise. É hora de sondar as oportunidades de ocupação e negócio por meio da rede?
Certamente. O que não é se sustentará é o modelo de capitalismo financeiro global que tínhamos. O núcleo deste sistema derreteu. Todo o crescimento econômico dependia de uma demanda atrelada a crédito fácil, crédito com capital inventado a partir de manipulações matemáticas dos mercados financeiros. Isto acabou, e surge um reflexo de contração total da economia, que os governos tentam reparar para logo dizer “voltamos ao que era antes, ao mesmo tipo de economia”.
Muitos economistas, em todo o mundo — e eu estou entre eles –, não acreditam ser possível ou viável voltar ao mesmo modelo. Não significa dizer que o capitalismo acabou, mas sim, este tipo de capitalismo especulativo financeiro. A saída, dentro dos marcos da economia de mercado não passa pelo estímulo da demanda, nem por contraí-la ainda mais — e sim por estimular um novo tipo de oferta, a produção de mais por menos. Consumir menos, com uma economia menor e mais dinâmica, com mais tempo livre, de modo o motor da produção não seja a demanda, mas a inovação, a capacidade de produzir coisas novas. Aqui temos a internet e mais amplamente todo o mundo da cultura e da produção digital. Esse é o elemento-chave, sobretudo se ligado a novas formas de mercado e à aplicação das novas tecnologias informáticas ao mundo da biogenética, da investigação biomédica.
Acredito que aqui está, hoje, a oportunidade de criar pequenas empresas, empreendimentos com muitos empresários jovens potenciais que têm conhecimentos, sabem e podem encontrar nichos de mercado. O problema é que, na Espanha e em toda a Europa, as instituições financeiras não aceitam trabalhar com a ideia do risco. Relacionam-se com os empreendedores com a ideia de que capital de risco é capital para o banco — e risco para o empreendedor…
Creio que há uma possibilidade aberta. Se conseguíssemos superar a cultura burocrática do governo e a cultura de controle bancário — especulam com nosso dinheiro, mas não arriscam o deles — será possível começar uma economia com bases mais sãs que as que vimos cair.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

História do Bar do Duda

Edberto Ticianeli

O Bar do Duda já fazia história no final dos anos 70 em Maceió. Era um dos bares mais frequentados do Centro da capital. O tira-gosto de primeira atraia a boemia da cidade, principalmente jornalistas e políticos. O bar funcionava ao lado da Delegacia do 1º Distrito, na Rua Cincinato Pinto. Hoje, Duda continua com no mesmo ramo, mas agora na Jatiúca - onde administra um restaurante bem mais amplo - mantendo a mesma qualidade de sempre e a fidelidade dos seus frequentadores históricos, pelo menos dos que sobreviveram.

Certa noite, quando o bar ainda funcionava no Centro da cidade, Duda já arrumava as prateleiras e geladeiras para fechar o estabelecimento, quando entra um freguês e pede uma cerveja. Duda notou que ele já estava razoavelmente embriagado, mas o atendeu mesmo assim e continuou na arrumação e limpeza.

Depois de alguns minutos, já querendo fechar o bar, Duda procura o freguês e só encontra a cerveja e o copo sobre o balcão. Com raiva, achando que tinha sido enganado pelo cliente fujão, Duda apaga as luzes, fecha as portas e vai embora.

Passava das duas da manhã, quando o telefone toca na casa do Duda. Ele acorda e atende. Do outro lado da linha, uma voz embargada pergunta:

– Duda...   porra...   quando é que você vai abrir o bar?

Duda não acredita no que ouve. Como é possível que alguém ligue tão tarde querendo saber a que hora ele iria abrir o bar. Mesmo irritado, pacientemente explica que o bar só iria abrir às 10 horas da manhã, e desliga.

Não deu meia hora e o telefone volta a tocar. Ele atende e ouve novamente a voz de um bêbado:

– Porra, Duda! Que hora mesmo você vai abrir essa merda de bar?

Era demais. Duda perdeu o controle e esculhambou com o chato. Aos gritos, disse a ele para procurar outro bar, que ele não ia sair de casa àquela hora para atender um bêbado inconveniente.

– Meu amigo, vá procurar outro bar. Me deixe em paz se não eu vou chamar a polícia  – ameaçou Duda.

– Mas Duda, eu até que quero ir para outro bar, mas não posso – explicou o bêbado.

– Por que não?

– Eu estou trancado no seu bar, Duda. Eu fui mijar e quando voltei estava tudo escuro e as portas trancadas. Deu trabalho para achar o telefone e o número da sua casa, mas encontrei. Agora, venha abrir a porra dessa porta que eu quero ir embora.

Até hoje o Duda dá uma olhada no banheiro antes de fechar o bar.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Um quase necrologio para Anilda Leão

Ronaldo de Andrade* (Publicado no blog da ATA)

Em nome do Dr. Jayme de Altavilla, nosso Presidente no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas – IHGAL que,  por recomendações médicas, não podendo estar presente me nomeou para lhe representar e ao Instituto Histórico, neste doloroso momento. Atribuição que me exige desenvoltura superior as minhas condições, mas que, da qual não poderia me furtar, em se tratando de situação que nos envolve e a nossa consocia e querida companheira Anilda Leão; também, como Presidente da Associação Teatral das Alagoas, a ATA, grupo de teatro do qual Anilda Leão foi Presidente e no qual Anilda Leão exerceu até hoje a função de Presidente de Honra, e foi atriz, por mais de duas décadas; e na condição de órfão, como integrante do rol de artistas alagoanos que Anilda abraçou como seus afilhados de ofício; venho, portanto, em nome de todos os consócios do Instituto Histórico e da ATA, comunicar a Luciana, Carlinhos Moliterno, a todos os demais familiares, aos amigos e admiradores de Anilda aqui presentes, não apenas as condolências que os sentimentos e a praxe exigem em momentos como estes. 

Momentos que são de extrema importância na vida humana, por se tratarem do início de mais uma etapa, com a realização deste último rito de passagem ao qual, invariavelmente, somos submetidos durante a existência e com o qual nos consternamos e através do qual nos irmanamos uns com os outros, tocados por lembranças de variados matizes. E a partida, dentre todas as lembranças acumuladas é a que é a protagonista do momento.

Anilda parte, mas o respeito, o compartilhamento das alegrias, das indignações, das emoções tão comuns entre nós, seus amigos e familiares, dão lugar ao nobre sentimento da saudade.

Anilda tomou o barco com destino à ilha. E nós lhe acenamos adeuses; e uma nova sensação dá o tom, provoca o ritmo, esculpe a forma, imprime a cor e se apresenta vaga e dramática e plenamente visível, inundando os nossos olhos; e o verbo e o substantivo lhe definem: é a saudade! Esta bela personagem é puro sentimento de querer, de desejo, de ambição! Com todas estas qualificações ela nos ensinará a ser amáveis na renúncia; a ser compreensivos com a vida; a ser generosos com os semelhantes; a entender o que é a espera e  o retorno; a sermos pacientes e com a paciência conviver. E como disse o poeta,eu vos digo sobre esta personagem: Saudade é lição.

Anilda é, a partir de hoje, um “tipo” chamado Saudade, uma dramatis persona. E como todas as personagens ela é mito e, particularmente ela é história de uma época em Maceió! – e uma história da qual fazemos parte.

Vá Anilda ! vá através deste oceano alagoano até a Ilha!

Prossiga, pois a névoa se dissipa e todos os vergeis, manguezais e praias se iluminam e a Saudade com os seus cabelos de ouro já reluz!

Vá Anilda! pois ainda assim, o teu espetáculo continuará sendo representado. Como dizemos em teatro: “o espetáculo tem de continuar!!!”.
                                                                                                          
Maceió, 08 de janeiro de 2012

*Ronaldo de Andrade é membro do IHGAL, Presidente da ATA, professor, ator e pesquisador de teatro em AL.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Teotônio Vilela e as privatizações

por Mauro Santayana
Teotônio Vilela recebido no aeroporto de Maceió por lideranças políticas em 1982. 
Da esquerda para a direita: Ibelza Moura, Selma Bandeira, Bráulio Cavalcante, 
Sérgio Moreira, Teotônio Vilela, Cleto Falcão, Renan Calheiros e
Jarede Viana.

As circunstâncias políticas levaram o governador Teotônio Vilela Filho a inscrever-se no PSDB – assim como muitos outros de seus companheiros de geração. Quando o fizeram, o partido surgia como uma grande esperança de centro-esquerda, animada, ainda, de proclamada intenção de saneamento dos costumes políticos. Provavelmente, se seu pai não tivesse morrido antes, ele, durante o governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, teria mudado de legenda. O intrépido e arroubado patriota que foi Teotônio Vilela pai teria identificado, nos paulistas que, desde então, controlam o partido, os entreguistas que, na herança de Collor, desmantelaram o Estado e venderam, a preços simbólicos, os bens nacionais estratégicos aos empresários privados, muitos deles estrangeiros, e teria aconselhado o filho a deixar aquele grupo.

O PSDB – e, com muito mais inquietação, a ala paulista do partido – se assusta com a hipótese de que a abertura do contencioso das privatizações, a partir das revelações do livro de Amaury Ribeiro Júnior, venha a trazer a punição dos responsáveis, e trata de defender-se. Seus dirigentes não parecem muito preocupados com as vicissitudes de José Serra, que não defendem claramente, mas, sim, com a provável devassa de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – uma vez que conseguiram que a primeira investigação se frustrasse.

O partido se vale, agora, do Instituto Teotônio Vilela, para defender a entrega do patrimônio público,  e isso constrange os que conheceram de perto o grande alagoano e o seu entranhado patriotismo. Ele, se não estivesse morto, iria exigir que retirassem seu nome da instituição, que nada tem a ver com as suas idéias e a sua luta. Mas ele não é o único morto que teria queixas nesse sentido. Como sabemos, os “democratas” deram o nome de Tancredo ao seu instituto de estudos, quando o grande mineiro sempre se pôs contra as oligarquias e sempre se opôs à Ditadura. Só falta, agora, o Instituto Millenium adotar o nome de Vargas.

A “Carta da Conjuntura”, do PSDB,  datada de dezembro último, não se limita a cantar loas a Fernando Collor e a Fernando Henrique. Em  redação ambígua, dá a entender que coube a Itamar iniciar o processo de privatização da Vale do Rio Doce, consumada em 1997. Vejamos como está redigido o trecho:

“A transferência paulatina de empresas públicas para o capital privado tornou-se política de governo a partir da gestão Fernando Collor, por meio da implantação do Programa Nacional de Desestatização. Dezoito foram vendidas em sua curta passagem pelo Planalto. O presidente Itamar Franco não retrocedeu e manteve a marcha, privatizando mais 15 companhias. Nesta época, os principais alvos foram as siderúrgicas, como a CSN, a Usiminas e a Cosipa, e as mineradoras, como a então Companhia Vale do Rio Doce (hoje apenas Vale). A Embraer também entrou na lista, no finzinho de 1994”.

Ora, é público e notório, para quem viveu aquele tempo – não tão remoto assim – que Itamar reagiu com patriótica indignação contra a privatização da Vale do Rio Doce. Reuniu, em 1997,  vários nomes do nacionalismo brasileiro em seu escritório de Juiz de Fora, quando foi redigido – e com minha participação pessoal – um Manifesto contra a medida. Mais ainda: Itamar impediu, como governador de Minas, a privatização da Cemig e de Furnas, como todos se recordam.

Os defensores da privatização usam argumentos que não resistem a um exame combinado da ética com a lógica e a tecnologia. Eles se referem à privatização da telefonia como “a jóia da coroa das privatizações”. A telefonia era, sim, a jóia da coroa do interesse estratégico nacional. E se referem ao aumento e barateamento das linhas telefônicas e dos celulares. A universalização da telefonia e seu custo relativamente baixo, hoje, se devem ao desenvolvimento tecnológico. Com o aproveitamento maior do espectro das faixas de rádio-frequência, a miniaturização dos componentes dos aparelhos portáteis e as fibras óticas – para cuja adequação à telefonia nacional foi decisivo o trabalho desenvolvido pelos técnicos brasileiros da CPT da Telebrás.  Se assim não fosse, os nômades da Mongólia não estariam usando celulares, nem os usariam os camponeses do vasto interior da China, como tampouco os habitantes da savana africana. Como ocorreu no mundo inteiro, o desenvolvimento técnico teria, sim, universalizado o seu uso no Brasil, com a privatização e, principalmente, sem ela.

Ao ler o texto, lembrei-me dos muitos encontros que tive com Teotônio Vilela, nos seus últimos meses de vida, em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte. Ele lutava com bravura contra o câncer e contra a irresponsabilidade das elites nacionais. A memória daquele homem em que a enfermidade não reduzia a rijeza moral nem o amor ao Brasil – o Brasil dos vaqueiros e dos jangadeiros do Nordeste, dos homens do campo e dos trabalhadores do ABC -  me confrange, ao ver seu nome batizando uma instituição capaz de divulgar documentos como esse.

É necessário, sim, rever todo o processo de privatizações, não só em seus aspectos éticos e contábeis, mas também em sua relação com o sentimento nacionalista de nosso povo. Os arautos da entrega alegam, no caso da Vale do Rio Doce, que a empresa tem hoje mais lucros e recolhe mais impostos do que  no passado, mas se esquecem de que isso se faz na voraz exploração de nossas jazidas, que jamais serão recuperadas, e sem que haja compensação justa aos municípios e estados produtores.

E há mais: foi o dinheiro brasileiro que financiou a privatização das telefônicas e vem financiando as empresas “compradoras”, como se vê nos repetidos empréstimos do BNDES para sua expansão e fusões, como no caso da Telefônica de Espanha.

Enfim, os “pensadores” do PSDB pensam que os brasileiros são parvos, isto é, idiotas.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Judson Cabral: um cristão na política

Pe. Manoel Henrique - Teólogo

Todos dizem que a Política é a arte de fazer o bem, também reconhecemos sua imprescindível importância na vida social. O mau uso da política, porém, cria embaraços para todos. Os maus políticos podem até criar em nós a tentação de não valorizá-la e mesmo de eliminá-la, o que seria um contra senso imperdoável.

Estas considerações iniciais não devem conduzir-nos pelos caminhos da omissão. A verdade seja de que lado for não se pode esconder como não se pode tapar o sol com uma peneira. As exceções saltam aos olhos e se destacam.

No interior das Igrejas cristãs, a Política é tratada de forma superficial para não dizer de forma farisaica. Normalmente entre os católicos não se fala em política, embora todos tenham seus candidatos, ficha limpa ou não. A Igreja Católica possui uma Comissão de Educação Política, que quase sempre funciona somente em tempos de eleição. Os evangélicos têm outra prática, que não me convém aqui analisá-la. Já vi, porém, reclamações de candidatos eleitos com votos de religiosos, que depois se sentem abandonados ou explorados e não devidamente acompanhados.

A Igreja de São Pedro, nesses últimos anos, graças aos seus leigos conscientes, tem tido um outro comportamento de compromisso social e político sem jamais ter cedido às manobras eleitoreiras. Membro e participante da comunidade paroquial, Judson Cabral se impõe naturalmente como político. Fomos nós que reagimos contra o infeliz e antiético depoimento de seu companheiro de Casa e Partido, quando se referia injuriosamente contra Judson Cabral.  Sua história de vida e prática política nos deixam  à vontade para nos sentamos juntos e partilharmos a vida e a fé, Num tempo de tantas práticas abomináveis, podemos excluir delas o nosso irmão de Igreja e de Comunidade, pois, a própria Assembléia Legislativa disso nos dá testemunho, quando afirma que o único deputado e gabinete que não utilizaram verbas especiais naquela Casa.

Hoje a Igreja Católica tem sérias restrições contra a presença de padres na área política, mas não foi assim no passado. Dom Paulo Evaristo Arns pedia-lhe que liberasse seus padres para a Política, pois esta precisava bastante deles. Alagoas conheceu figuras imponentes do seu Clero na Politica alagoana como Mons. Capitulino, Mons. Cícero Vasconcelos, de Viçosa, Padre Medeiros Neto. Isso não nega a participação de muitos cristãos, leigos e padres, em movimentos políticos.

No tempo da Ação Católica, havia um trabalho mais sério de compromisso cristão com a realidade, até entrar em confronto com a Ditadura Militar brasileira Não se pode esquecer a atuação de Paulo VI na formação e atuação política da Itália. O compromisso cristão e profético do Evangelho na Igreja brasileira e latino-americana, no pós-Concilio Vaticano II, suscitou muita gente para as lides políticas. Aliás, o melhor caminho e as melhores propostas políticas sempre podem nascer das linhas pastorais de uma Igreja comprometida com a libertação de seu povo.

Enfim, a atuação de Judson Cabral tem conduzido para o parlamento estadual as grandes causas da sociedade e da Igreja Católica, na perspectiva da construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, que entre nós chamamos de Reino de Deus. E com seu exemplo, possa contribuir com surgimento de novas lideranças no mundo social e político.