terça-feira, 2 de julho de 2013

Ideologia: eu sempre tive uma para viver

Edberto Ticianeli

É preocupante a quantidade de comentários nas redes sociais cobrando a despartidarização e desideologização das manifestações que tomaram as ruas do Brasil nos últimos dias. Parece que, de uma hora para outra surgiu uma geração pura, intocada pelos vícios da política dita tradicional. Todos têm o direito a tudo, mas sem partidos e ideologias. Está estabelecida a utopia da ágora grega, com sua democracia direta.

A primeira questão a ser constatada é que o motor da revolta é o mais justo possível. Tem mesmo muita coisa errada para ser consertada nesse mundo de “meu padim pade Ciço”. Mas, será que essa sociedade tão corrupta, que não dá condições para uma boa educação, que não oferece assistência decente à saúde, e dominada pela violência, conseguiu gerar uma juventude imaculada e livre das ideologias e dos valores dessa mesma sociedade doente?

Cada formação social histórica tende a continuar existindo, precisando para isso reproduzir as suas condições materiais de produção. Como essas condições se modificam, é preciso, também, reproduzir permanentemente as regras e ordenamentos da ideologia correspondente a esse modo de produção. Entretanto, quando para se atingir essa correspondência é preciso agredir a natureza humana, as classes dominantes também usam da força. Para facilitar essa dominação é que surge o Estado.

Será que, por exemplo, a educação oferecida ou controlada pelo Estado intervém na formação ideológica? Uma recente pesquisa do Instituto Sensus constatou que 78% dos professores brasileiros atuam politicamente para “formar cidadão” e 61% deles consideram como normal fazer proselitismo ideológico em sala de aula. Como não existe imparcialidade, com certeza não se oferecem as várias alternativas ideológicas para que os jovens escolham livremente seus caminhos.

Mas é principalmente na família que o indivíduo se transforma em sujeito e descobre que o mundo tem regras e ordenamentos estabelecidos pelas ideologias dos pais. A capacidade de reprodução ideológica da família é enorme, mas, felizmente, nunca consegue reproduzir tudo o que quer. A formação ideológica vai se dando através das complexas inter-relações do sujeito na sociedade. É por isso que existem os filhos que se rebelam contra os valores da família, quebrando a cadeia reprodutiva. Esse rompimento, nem sempre se dá de forma positiva, com a adoção de valores mais avançados.

As manifestações de ruas são laboratórios importantes para as experimentações de muitos desses rebeldes. As discussões sobre como protestar e com que finalidade terminam por refinar o senso crítico e a capacidade de analisar as implicações políticas de cada atitude. Aos poucos vai se compreendendo que mudar o mundo é uma tarefa política complexa e que exige compreensão dos mecanismos de poder e interesses de classe. É aí que surge a necessidade da organização política, mais conhecida como partido — parte da sociedade que se organiza para fins políticos comuns.

Concluo dizendo que a ideologia que professo cobra a minha militância partidária. Sou socialista e filiado ao PT, por acreditar que esse partido me permite defender as causa pelas quais lutei durante toda a minha vida. Não me peçam para baixar as minhas bandeiras. Tenho uma ideologia para viver e meus ídolos não morreram de overdose.