terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Mandela e os hipócritas ao redor


Barack Obama comandou a fila dos hipócritas
Não há como não lembrar a música do Gilberto Gil, Não Chore Mais (No Woman, No Cry), quando se vê as imagens da cerimônia que homenageou o falecido líder sul-africano Nelson Mandela.

“Bem que eu me lembro / Da gente sentado ali / Na grama do aterro, sob o sol / Ob-observando hipócritas / Disfarçados, rondando ao redor”.

Com o estádio Soccer City de Johannesburgo lotado e com a presença de 60 chefes de Estados, a cerimônia inaugurou o memorial em homenagem a Mandela, um comunista que foi brutalmente perseguido e que passou a maior parte da sua vida na prisão.

O primeiro time de hipócritas era chefiado pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Foi um dos seus governantes, Ronald Reagan, nos anos 80, quem colocou Mandela na relação dos terroristas.

Essa inclusão agrediu Mandela até 2008. Quando tinha viajar para as reuniões da ONU, nos Estados Unidos, era obrigado a solicitar ao governo de Washington uma liberação especial.

Foi também de Reagan, em 1981, a infeliz frase que avaliava como “essencial para o mundo livre” o apartheid imposto pelo regime sul-africano.

Dick Cheney, em 1985, que era congressista antes de ser o vice de George Bush, impediu que fosse aprovada uma moção pela libertação de Mandela. Depois, em 2004, ele explicou o seu voto dizendo que Mandela “tinha uma dedicação de longa data ao comunismo e a saudar terroristas”.

O envolvimento dos Estados Unidos com o regime do apartheid não foi de simples apoio. O jornal The New York Times denunciou, em 1990, que CIA ajudou o governo sul-africano a prender Mandela em 1962.

Na fila dos hipócritas, os britânicos também merecem destaque. Estavam presentes o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, e três ex-primeiros-ministros britânicos: Tony Blair, Gordon Brown, e John Major.

Margaret Thatcher, a falecida ex-primeira-ministra, considerava, em 1987, que o Congresso Nacional Africano — partido de Mandela — era “uma típica organização terrorista”. E profetizava: “Qualquer um que pense que ele vá governar a África do Sul está vivendo na terra do faz de contas”. Quebrou a cara.

Dois congressistas britânicos, Terry Dicks e Teddy Taylor, não poupavam agressões a Mandela. O primeiro se referia ao líder sul-africano como um “terrorista negro”, e o segundo dizia: “Nelson Mandela deveria ser baleado”.

Na fila dos hipócritas, destaca-se, ainda, os governantes de Israel, que foi parceiro ativo do regime segregacionista sul-africano, e o último a saltar do barco no apoio à minoria branca. Na maior cara de pau, lamentam a morte de Mandela, considerando-o um “apaixonado defensor da democracia”. O “mundo perdeu um grande líder que mudou o curso da história”, completam.

No lugar de tanta hipocrisia, talvez fosse o momento de se ouvir destes chefes de Estados um pedido público de desculpas a Nelson Mandela, e ao resto do mundo.