sábado, 31 de março de 2012

A manifestação dos caras-pintadas diante do Clube Militar

Hildegard Angel
Foi um acaso. Eu passava hoje pela Rio Branco, prestes a pegar o Aterro, quando ouvi gritos e vi uma aglomeração do lado esquerdo da avenida. Pedi ao motorista para diminuir a marcha e percebi que eram os jovens estudantes caras-pintadas manifestando-se diante do Clube Militar, onde acontecia a anunciada reunião dos militares de pijama celebrando o "31 de Março" e contra a Comissão da Verdade.
Só vi jovens, meninos e meninas, empunhando cartazes em preto e branco, alguns deles com fotos de meu irmão e de minha cunhada. Pedi ao motorista para parar o carro e desci. Eu vinha de um almoço no Clube de Engenharia. Para isso, fui pela manhã ao cabeleireiro, arrumei-me,  coloquei joias, um vestido elegante, uma bolsa combinando com o rosa da estampa, sapatos prateados. Estava o que se espera de uma colunista social.
A situação era tensa. As crianças, emboladas, berrando palavras de ordem e bordões contra a ditadura e a favor da Comissão da Verdade. Frases como "Cadeia Já, Cadeia Já, a quem torturou na ditadura militar". Faces jovens, muito jovens, imberbes até. Nomes de desaparecidos pintados em alguns rostos e até nas roupas. E eles num entusiasmo, num ímpeto, num sentimento. Como aquilo me tocou! Manifestantes mais velhos com eles, eram poucos. Umas senhoras de bermudas, corajosas militantes. Alguns senhores de manga de camisa. Mas a grande maioria, a entusiasmada maioria, a massa humana, era a garotada. Que belo!
Eram nossos jovens patriotas clamando pela abertura dos arquivos militares, exigindo com seu jeito sem modos, sem luvas de pelica nem punhos de renda e sem vosmecê, que o Brasil tenha a dignidade de dar às famílias dos torturados e mortos ao menos a satisfação de saberem como, de que forma, onde e por quem foram trucidados, torturados e mortos seus entes amados. Pelo menos isso. Não é pedir muito, será que é?
Quando vemos, hoje, crianças brasileiras que somem, se evaporam e jamais são recuperadas, crianças que inspiram folhetins e novelas, como a que esta semana entrou no ar, vendidas num lixão e escravizadas, nós sabemos que elas jamais serão encontradas, pois nunca serão procuradas. Pois o jogo é esse. É esta a nossa tradição. Semente plantada lá atrás, desde 1964 - e ainda há quem queira comemorar a data! A semente da impunidade, do esquecimento, do pouco caso com a vida humana neste país.
E nossos quixotinhos destemidos e desaforados ali diante do prédio do Clube Militar.  "Assassino!", "assassino!", "torturador!", gritava o garotinho louro de cabelos longos anelados e óculos de aro redondo, a quem eu dava uns 16 anos, seguido pela menina de cabelos castanhos e diadema, e mais outra e mais outro, num coro que logo virava um estrondo de vozes, um trovão. Era mais um militar de cabeça branca e terno ajustado na silhueta, magra sempre, que tentava abrir passagem naquele corredor humano enfurecido e era recebido com gritos e desacatos. Uma recepção com raiva, rancor, fúria, ressentimento. Até cuspe eu vi, no ombro de um terno príncipe de Gales.
Magros, ainda bem, esses velhos militares, pois cabiam todos no abraço daqueles PMsreforçados e vestidos com colete à prova de balas, que lhes cingiam as pernas com os braços, forçando a passagem. E assim eles conseguiram entrar, hoje, um por um, para a reunião em seu Clube Militar: carregados no colo dos PMs.
Os cartazes com os rostos eram sacudidos. À menção de cada nome de desaparecido ao alto-falante, a multidão berrava: "Presente!". Havia tinta vermelha cobrindo todo o piso de pedras portuguesas diante da portaria do edifício. O sangue dos mortos ali lembrados. Tremulavam bandeiras de partidos políticos e de não sei o quê mais, porém isso não me importava. Eu estava muito emocionada. Fiquei à parte da multidão. Recuada, num degrau de uma loja de câmbio ao lado da portaria do prédio. A polícia e os seguranças do Clube evacuaram o local, retiraram todo mundo. Fotógrafos e cinegrafistas foram mandados para a entrada do "corredor",  manifestantes para o lado de lá do cordão de isolamento. E ninguém me via. Parecia que eu era invisível. Fiquei ali, absolutamente sozinha,  testemunhando  tudo  aquilo, bem uns 20 minutos, com eles passando pra lá e pra cá, carregando os generais, empurrando a aglomeração, sem perceberem a minha presença. Mistério.
Até que fui denunciada pelas lágrimas. Uma senhora me reconheceu, jogou um beijo. E mais outra. Pessoas sorriram para mim com simpatia. Percebi que eu representava ali as famílias daqueles mortos e estava sendo reverenciada por causa deles. Emocionei-me ainda mais. Então e enfim os PMs me viram. Eu, que estava todo o tempo praticamente colada neles! Um me perguntou se não era melhor eu sair dali, pois era perigoso. Insisti em ficar, mesmo com perigo e tudo. E ele, gentil, quando viu que não conseguiria me demover: "A senhora quer um copo d'água?". Na mesma hora o copo d'água veio. O segurança do Clube ofereceu: "A senhora não prefere ficar na portaria, lá dentro? ". "Ah, não, meu senhor. Lá dentro não. Prefiro a calçada". E nela fiquei, sobre o degrau recuado, ora assistente, ora manifestante fazendo coro, cumprindo meu papel de testemunha, de participante e de Angel. Vendo nossos quixotinhos empunharem, como lanças, apenas a sua voz, contra as pás lancinantes dos moinhos do passado, que cortaram as carnes de uma geração de idealistas.
A manifestação havia sido anunciada. Porém, eu estava nela por acaso. Um feliz e divino acaso. E aonde estavam naquela hora os remanescentes daquela luta de antigamente? Aqueles que sobreviveram àquelas fotos ampliadas em PB? Em seus gabinetes? Em seus aviões? Em suas comissões e congressos e redações?  Será esta a lição que nos impõe a História: delegar sempre a realização dos "sonhos impossíveis" ao destemor idealista dos mais jovens?
(*) Hildegard Angel é renomada colunista social carioca, cujo irmão, Stuart Angel Jones, estudante de economia e militante da resistência armada,  foi torturado e morto pelo serviço de 'inteligência' da Aeronáutica(CISA), na Base Aérea do Galeão, em 1971('anos de chumbo', de Médici) e oficialmente relacionado como 'desaparecido'. Sua mãe, Zuzu Angel, famosa estilista, 'top' do mercado internacional da moda, morreu na noite de 17 de abril de 1976, quando seu automóvel foi 'fechado' por viatura de agentes da repressão, na Estrada da Gávea/São Conrado. Ela desencadeara campanha, com apoio de entidades internacionais, para exigir  dos militares o paradeiro do corpo de seu filho. Uma de suas manifestações marcantes: "Eu não tenho coragem, coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade."                                                                                                                                                                                                                           

sexta-feira, 30 de março de 2012

Nada de festa: 64 foi golpe!

Por Juliana Sada - Blog do Escrivinhador
Ato Rio de Janeiro 
Neste fim de semana completam-se 48 anos do golpe militar de 64. Diferentemente de outros anos, os militares já não falam sozinhos. E os ânimos estão exaltados. Militares reformados vieram a público deslegitimar o atual ministro da Defesa, Celso Amorim, e marcaram “festas” e atos para comemorar o golpe. Em declarações à imprensa, escancaram a verdadeira motivação: a insatisfação com a criação da Comissão da Verdade, que ainda não tem seus membros definidos e nem data para início de funcionamento.

Do outro lado, a sociedade organizada e movimentos de direitos humanos vão às ruas denunciar os torturadores e militares golpistas. Não deixam que comemorem o golpe em paz e impunemente. A possibilidade de investigação de crimes da ditadura é uma realidade próxima, mas que ainda tem que ser defendida para que de fato ocorra.
Por conta desse acirramento, a semana foi agitada. Segunda feira, em diversas cidades, torturadores acordaram sendo alvo de “esculachos” que os expuseram à sociedade. Na quinta-feira, manifestantes no Rio de Janeiro foram ao Clube Militar protestar contra oficiais que comemoravam a “revolução” de 64.

Em Campinas, no interior de São Paulo, o ato foi contra o lançamento de um livro sobre Garrastazu Médici, em um evento com a presença do filho do ex-presidente-ditador e organizado por militares da reserva.

Em São Paulo, a “comemoração” será sábado em uma festa com o infeliz tema de “Viagem no Túnel do Tempo”, no Círculo Militar. Já no domingo vem a resposta, com o bem humorado “Cordão da mentira”: o bloco-passeata irá percorrer locais que tem relação com a ditadura, como a sede da TFP, o Elevado Costa e Silva e a antiga sede do DOPS.

Mais caldo
Além da Comissão da Verdade, outras iniciativas ameaçam a impunidade dos agentes da ditadura. O Ministério Público Federal tenta indiciar o Major Curió, que comandou o massacre da Guerrilha do Araguaia, por sequestro qualificado. Procuradores da República tentam levar adiante investigações sobre outros casos de desaparecimentos durante a ditadura. Como os corpos nunca foram encontrados, segue o crime de ocultação de cadáver, que não pode ser anistiado.
Ontem a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), anunciou que investigará a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 75, e cobrou explicações do governo brasileiro sobre o caso. O Brasil já foi condenado pela mesma instituição por não ter punido os responsáveis pelas mortes na Guerrilha do Araguaia.

Novos tempos
Apesar dos reclamos dos militares, o Brasil parece caminhar, mesmo que aos trancos e barrancos, rumo ao enfrentamento de seu passado. Entre os países da América Latina que passaram por regimes militares semelhantes, o Brasil é um dos poucos que ainda não realizaram uma ampla investigação dos crimes. Chamada de “revanchismo” pelos militares, a apuração dos crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura é uma etapa fundamental para a consolidação da democracia. Afinal, a construção de uma nação deve ser feita sobre uma base sólida e isso implica em conhecer e esclarecer seu passado, sem sujeira debaixo do tapete.

terça-feira, 27 de março de 2012

Quando a vitória fragiliza e desgasta


Saul Leblon - Carta Maior


Há vitórias que desconcertam pela intrínseca dimensão crepuscular que carregam. Em geral atestam o fim de um ciclo, quando o trunfo imediato mais revela uma perda de tônus do que reafirma uma supremacia promissora. Foi um pouco esse o sabor amargo do trunfo entre aspas conquistado por José Serra na prévia deste domigo do PSDB para a escolha do candidato do partido à prefeitura de São Paulo. 
 
Ao obter apenas 52,1% dos votos, de um total 6.229 filiados que participaram do escrutínio, Serra expôs a marca dolorosa de uma rejeição intuída entre seus próprios pares. Toda a máquina do partido e a mídia amiga trabalhando a favor revelaram-se insuficientes para contornar a enorme resistência que o seu nome gera no seio do próprio conservadorismo nacional. 

O grande vitorioso foi a rebeldia do secretário estadual tucano José Aníbal, que se recusou a renunciar a favor de Serra, obtendo o surpreendente apoio de 31,2 % dos votantes; o deputado federal Ricardo Tripoli amealhou outros 15,7 %, cravando o 3º lugar. Os serristas não escondiam a decepção com uma vitória que mais fragiliza e desgasta do que consagra. 

Imaginava-se fazer da convenção uma gigantesca operação reiterativa do suposto favoristismo do candidato na disputa municipal, dando-lhe mais de 80% dos votos --"para não passar a impressão de que o partido entra dividido na corrida eleitoral". Deu-se o inverso. 

A vitória decepcionante entre seus pares foi o revés oposicionista mais eloquente sofrido pelo ex-governador numa disputa municipal que apenas se inicia. Ela gerou um fato político mais grave do que um eventual crescimento das intenções de voto entre os seus adversários. Por uma razão incontornável: o resultado mostrou de maneira inequívoca que a liderança de Serra sofre o peso de um teto e não tem mais horizonte de crescimento ou de apoio nem entre os tucanos. Um palavra para exprimir esse estágio é declínio; convenhamos, não soa exatamente como um bordão eleitoral empolgante e mobilizador.

quinta-feira, 22 de março de 2012

"Gestão de Ana de Hollanda é desastre", afirma ex-ministro da Cultura

O ex-ministro da Cultura Juca Ferreira
O ex-ministro da Cultura Juca Ferreira
Foto: Adriano Vizoni - 20.mar.12/Folhapress
MATHEUS MAGENTA
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE SÃO PAULO 

"Acho que é um desastre." Foi assim que o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira (2008-2010) definiu, em entrevista à Folha, a gestão da sucessora Ana de Hollanda.

Ferreira se manifesta no momento em que circulam na internet dois manifestos com críticas à pasta sob Ana de Hollanda, assinados pela atriz Fernanda Montenegro e pela filósofa Marilena Chauí, entre outros. "Se me chamassem, eu assinaria", disse.

Procurada na terça-feira (20) à noite, a assessoria da ministra disse que não poderia responder às críticas a tempo.

O ex-ministro diz ter "elegância acima da média e silêncio obsequioso com todas as diferenças programáticas" entre a sua gestão e a atual.

Isso não impediu que, ao longo de uma hora de conversa, Ferreira afirmasse haver críticas "em quantidade e qualidade" suficientes para constatar "retrocesso" e "ruptura" na passagem de bastão.

Ferreira foi, entre 2003 e 2008, secretário do então ministro Gilberto Gil. Com a saída do músico, assumiu o Ministério da Cultura (MinC).

Em oito anos, se viu às voltas com polêmicas na Lei Rouanet e na Ancinav, agência do audiovisual considerada autoritária.

Desapegar do cargo não foi fácil. Queria ter ficado na pasta? "Não dá para negar isso."

Até comprar briga com o PV ele comprou. Em 2010, após 23 anos de militância, se desligou da sigla --que requeria mais espaço no MinC.

No dia 2 de fevereiro, na festa para Iemanjá, filiou-se ao PT da Bahia. Na ocasião, circulava a brincadeira da "melancia": verde por fora, vermelha por dentro.

Hoje, mora na Espanha com a família, onde trabalha na Secretaria Geral Ibero-Americana, órgão da Cúpula Ibero-Americana de chefes de Estado e de governo, que reúne 22 países, Brasil incluso.

Juca veio a São Paulo para o 1ª Fórum Internacional de Gestão Cultural, um ciclo de debates na Livraria Cultura que começou nesta quarta-feira (21) e vai até sexta-feira (23).

Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida pelo ex-ministro à Folha nesta terça-feira (20).

*
Folha - O sr. mora na Espanha atualmente. Tem algum planejamento para uma volta?
Juca Ferreira - Não.

Por que a troca do PV para o PT e por que agora?
Eu já vinha em rota de colisão com o PV há muito tempo, há uns três ou quatro anos. O PV se distanciando do programa inicial e eu perdi o vínculo. Tivemos muitas divergências em relação ao ministério. No ano retrasado, eu apoiei a Dilma [nas eleições presidenciais de 2010], e o PV construiu uma outra candidatura [da ex-senadora Marina Silva], eu já estava praticamente fora.

E como surgiu a aproximação com o PT?
Na Bahia nós sempre andamos juntos. Éramos oposição à corrente do Antonio Carlos Magalhães [senador morto em 2007] e sempre trabalhamos juntos, sempre tivemos algumas afinidades importantes. Eu acho que o PT cumpriu um papel importante. Primeiro na redemocratização, organizando os movimentos sociais.

Desde o movimento sindical ao movimento de mulheres, de homossexuais, culturais, ambientais, o PT teve muita presença na organização disso. O Brasil contemporâneo precisava de uma democracia civilizada para poder mudar a estrutura do país.

O senhor disse que o PV entrou em conflito com alguns pontos do ministério durante a gestão do senhor. Quais eram os pontos divergentes?
O PV não tinha uma proposta diferente da nossa. Eles achavam pouco a minha presença, a presença de Gil e queriam ocupar espaço.

Queriam cargos?
É. Eu tenho muito cuidado com isso porque eu acho que o Estado não é botim de guerra, quem ganha a eleição. O Estado é um instrumento público e essa relação tem que ser muito cuidadosa.

Na sua gestão, houve muita resistência à Lei Rouanet nos moldes atuais, e daí surgiu a proposta de reforma da lei que é o ProCultura, que tramita no Congresso.
Não é resistência. Nós tivemos condições de constatar que a Lei Rouanet não gerou nenhum dos produtos que pretendeu gerar. Não criou um mecenato. Na verdade, é 100% de dinheiro público. E 100% de dinheiro público passando pelo crivo das empresas. O que, a rigor, é inconstitucional. O dinheiro público tem que ser usado a partir de critérios públicos.

Segundo não criou mecenato, ou seja, não atraiu recursos da área privada. Pelo contrário, passou a financiar a construção de intervenções privadas na área da cultura e concentrou excessivamente em dois Estados com as mesmas pessoas. Porque nesses Estados não houve distribuição porque não tinha critério. Então, quem passou a definir a política pública eram os departamentos de marketing. Era 80% do dinheiro que o ministério tinha era da Lei Rouanet.

Inclusive foram publicados anúncios durante a sua gestão criticando a concentração de recursos no Rio e em São Paulo.
Não é Rio e São Paulo. São os mesmos. Gil foi falar isso, ele ainda era ministro, num encontro no Rio de Janeiro, no teatro Leblon. Eu me lembro como se fosse hoje. Eu disse: "Olha, aqui eu estou vendo muitos artistas conhecidos, importantes, mas eu queria dizer que eu vou distribuir o dinheiro do ministério para o Brasil inteiro porque não se justifica que a cultura brasileira, tão diversa e rica, não tenha acesso a recursos públicos. E está muito concentrado em Rio e São Paulo".

Aí uma pessoa lá atrás levantou o braço, pediu a palavra e disse: "Não diga que é concentrado em Rio e São Paulo porque eu dirijo o maior centro cultural da Baixada Fluminense e nunca vi um tostão desse dinheiro --porque esse dinheiro é concentrado nos mesmos". O que é verdade. Era um processo de perda da razão do dinheiro público.

E aí o ProCultura viria para substituir esse modelo?
Tudo o que a gente fez foi precedido de muita discussão pública. Passamos dois, três, quatro, seis anos discutindo cada projeto de lei. E a Lei Rouanet exigiu muita discussão. Porque no processo de discussão você vai consolidando um esclarecimento e uma transparência, uma adesão, uma retificação do projeto inicial. É preciso discutir com artistas, criadores, produtores, empresários, gestores públicos e privados. E nós fomos muito coerentes com isso.

Então, demoramos, deixamos não só a Lei Rouanet, mas outros projetos de lei tramitando no Congresso. Teve um que foi aprovado recentemente, a Lei da TV a cabo, que não é da nossa autoria, mas teve nossa participação decisiva através da Ancine [Agência Nacional do Cinema], do ministro, no caso eu, apoiando, articulando. E é uma lei que vem dar uma grande contribuição nacional e na presença das telinhas.

O sr. acompanha a tramitação no Congresso da reforma da Lei Rouanet? Dizem que ela foi desvirtuada.
Porque recuperaram a proposta dos 100% [de isenção fiscal para financiadores privados, que não teriam de investir verba própria]. Isso já desvirtua [a reforma]. Mantém uma excrecência.

Produtores culturais alegam que a proposta da sua gestão, de obrigar empresas a investirem recursos próprios, afastaria os financiadores.
Se afastasse, não teria perda nenhuma, já que é 100% de dinheiro público. Estudei no colégio primário que zero menos zero é igual a zero. Mas não haveria isso, os maiores financiadores nos apoiaram.

Se é o proponente que necessita realmente do dinheiro e essas empresas de fato recuassem, não seria ele o prejudicado? Por que esse dinheiro não seria remanejado automaticamente para ele.
Eu quero lembrar que nós tínhamos um orçamento de R$ 217 milhões quando nós chegamos e saímos com um orçamento de R$ 2,3 bilhões. Ou seja, a gente estava fazendo a retificação. Não era só trabalhar a Lei Rouanet, a gente estava afirmando um projeto. Nós construímos um processo no Ministério da Cultura a partir de critérios públicos. Então, esse argumento é pobre.

No início da nossa gestão até poderiam dizer isso. "Esses caras vão acabar com uma coisa e não vão construir outra". Mas a gente fez o milagre dos peixes, a gente entrou com R$ 217 milhões, que era a média e o máximo até nós entrarmos, e deixamos R$ 2 bilhões. A Cultura nunca foi tão forte que nem no governo Lula.

O que mudou da sua gestão para a de Ana de Hollanda?
Não sou a melhor pessoa para avaliar. Estou longe. O Atlântico é mais do que uma poça d'água. Mas sei que se perdeu muita coisa. Vejo um nível [alto] de reclamação dos Pontos de Cultura. Parece que está bambo das pernas. Não por divergência, me parece que por dificuldade de implementar.

É falta de articulação política?
Eu não sou a melhor pessoa para dizer isso. Eu como ministro, digo ex-ministro, evito fazer comentários sobre o atual governo. Eu acho que não faltam críticos nem compreensão do que há de retrocesso. Eu sei que seria bom ouvir da minha boca, mas eu acho que sou a pessoa menos indicada para fazer essa observação.

Recentemente, o sr. falou a um blog que estaria mentindo se dissesse que estava contente com a atual gestão do MinC.
Eu acho que é um desastre. Isso é o que eu posso dizer porque já comentei num artigo de Idelber [Avelar, blogueiro e professor da Universidade Tulane, nos EUA].

Por que é um desastre?
É fácil constatar isso. É óbvio que há um retrocesso, um desinvestimento, a desestruturação de uma frente de trabalho importante. Não vi argumento sustentável que justifique o retrocesso do programa Pontos de Cultura.

A gestão atual do MinC apontou irregularidades nos editais desse programa lançados durante as gestões anteriores.
Não é verdade. Há gente contestando isso na Justiça. Quando não há boa vontade, e num Estado com pouco controle social como o Brasil, você faz e diz o que quiser.

O nome de Danilo Miranda, diretor do Sesc-SP, foi aventado em uma eventual substituição da ministra Ana de Hollanda. Já disseram que o problema dele é que não é mulher. O senhor acha que esse fator pesou na saída do sr. do MinC?
Não acredito. O que eu li foi o manifesto da Marilena Chauí [publicado na segunda-feira (19) no jornal "O Estado de S. Paulo"] e tem outro que eu não li. Se me chamassem, eu assinaria. Isso aí eu estou dizendo pela primeira vez.

Por que há insatisfação com a gestão atual?
Porque, apesar de ser um governo de continuidade, houve uma ruptura inexplicável na área cultural. Há uma perda do que foi investido, das conquistas realizadas. Fui andar na rua em Salvador e vi pessoas pedindo: "Salve os pontos de cultura".

Qual é a ruptura mais gritante?
O projeto como um todo.

O sr. critica a falta de regulação do Ecad (que arrecada e distribui direitos autorais). Por que não mudou isso?
Porque não se recria [um sistema] facilmente. Vê a guerra que está agora. A transparência e a fiscalização do Ecad por um órgão são necessárias para garantir direitos dos artistas.

É preciso um órgão fiscalizador?
Sim, um órgão e um sistema de transparência para o próprio artista saber se está sendo lesado ou não.

O Ecad hoje está fora de controle?
Desde o governo Collor [1990-92].

O Ecad deveria ser regulado pelo governo?
Claro. Deveria ter obrigações de transparência em nome de quem eles cobram esse dinheiro.

O que foi feito durante a gestão do senhor para mudar esse quadro?
A Lei do Direito Autoral [na verdade, o texto ainda é um projeto de lei que está no Executivo após Ana de Hollanda reavaliar o texto elaborado durante as gestões Gil/Juca]. Ela foi modificada totalmente. Dizem aí nos blogs que há cópia de documentos do Ecad transformando em documento oficial. Não sei dizer porque não li os dois para comparar, mas vi que há uma suspeição.

Inclusive a ministra foi convidada para dar explicações no Senado. O senhor acha que a base governista não trabalhou para impedir isso?
Eu não sei o que houve. Mas de qualquer jeito eu fico triste porque foram 14 horas por dia de trabalho durante oito anos, de muita dedicação, uma escuta intensa de todo o Brasil, nós trouxemos para a política cultural os povos indígenas, os grupos culturais de favela, de periferia. Demos atendimento aos artistas de todo o Brasil, distribuímos recursos. E de repente, num processo de perda desse patrimônio acumulado.

O Brasil não vai se tornar uma grande nação realizando o crescimento da economia e colocando um pouco mais de dinheiro no bolso das pessoas. Isso é pouco. É fundamental, mas é pouco. É preciso garantir educação de qualidade para todos e garantir acesso pleno à cultura. Os números vocês devem conhecer porque eu repetia exaustivamente e não me esqueci. Pouco mais de 5% dos brasileiros entraram mais de uma vez em um museu, só 13% dos brasileiros vão ao cinema, só 17% compram livros, a média de leitura de livros é 1,7 per capita. Tão mudando aí o critério para ver se aumenta o número, mas isso não é bom fazer. Faziam na época da ditadura essas mágicas estatísticas.

Como é que o Brasil quer ser uma grande nação assim? Então, esse seminário [Fórum Internacional de Gestão Cultural: Para Além do Mercado, que será realizado em São Paulo entre hoje e sexta-feira], é fundamental, é uma discussão estratégica. Está todo mundo olhando para o Brasil. Às vezes eu acho que aqui de dentro não se tem noção da importância do país hoje no mundo. O Brasil hoje é um líder mundial, tem uma presença significativa e há uma expectativa, o mundo quer conhecer o Brasil. As artes plásticas brasileiras são consideradas de primeira linha no mundo. Os artistas são mais conhecidos lá fora do que aqui. Muitos. E a Bienal está ameaçada.

O que o sr. acha do MAM assumir o controle da Bienal?
Não sei. Mas seria um escândalo se deixássemos acabar a Bienal. É um patrimônio brasileiro. É o único evento globalizado a partir do Brasil. E coloca o país na ponta. As duas principais bienais do mundo são a de São Paulo e a de Veneza.

Essas dificuldades estão relacionadas à fiscalização de órgãos de controle. O ex-presidente Lula já reclamou bastante desses órgãos que, segundo ele, atrapalhavam o desenvolvimento do país. Há excessos na fiscalização?
Não existe excesso de fiscalização. Se existir, existe falta. O conflito entre o gestor e quem fiscaliza é normal. Às vezes quem fiscaliza não localiza exatamente onde estão os problemas e dificulta a execução de projetos importantes. No caso da Bienal, houve uma caracterização por parte do Ministério Público de que tinha havido uso indevido de recursos públicos sem a prestação de contas.

Mas a própria Bienal elegeu uma diretoria de oposição aos diretores anteriores. Eu fui ao Ministério Público e disse que seria um escândalo se a Bienal acabasse. Então faz um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] com a nova diretoria, a instituição está se propondo a resolver os problemas da gestão passada e garante a realização da Bienal. Eles fizeram uma ótima Bienal. Eu não acompanhei se eles cumpriram as exigências do Ministério Público ou não.

O senhor falou em continuidade. Existe uma continuidade de governo entre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma e o senhor enxerga uma ruptura entre a gestão Gil/Juca e a de Ana de Hollanda...
Eu não. Mais de metade da torcida do Corinthians e acho que a torcida do Flamengo inteira.

Até que ponto a gestão da Ana de Hollanda não segue uma orientação do próprio governo Dilma? É uma gestão só da ministra e não do governo da presidente Dilma?
Acho que é cedo para dizer isso. Depende da maneira que a presidenta conduzir a questão.

O que a gente pode falar até agora?
Podemos falar que há uma dissintonia.

Hoje a presidente Dilma disse a jornalistas que a Ana de Hollanda fica no ministério.
Então pronto, ela fica. Eu não a ouvi dizendo isso, mas ela tem direito. Ela foi eleita, ela que se submeteu ao processo de gestão, ela que sabe se ela tem condições de fazer, com essas mesmas pessoas, uma reversão dessa política.

Em última instância, o governo é da presidente Dilma.
Não pode se estar trocando ministro a toda hora. Eu não sei o que passa na cabeça da presidenta, mas acho que é um direito dela.

O fato de manter a ministra sinaliza que a presidente concorda com a gestão?
Não. Talvez não. Não sei, estou muito longe para saber.

Você buscou se distanciar propositalmente?
Acho que um ministro não deve dar opinião sobre a gestão de outro. Acho deselegante. A política brasileira às vezes carece de elegância, de regra de civilidade.

Acha que a discussão acaba se tornando pessoal, e não política?
Já tem críticos em quantidade e qualidade suficiente, não me sinto motivado a participar desse processo.

Desde a passagem de bastão, o senhor já conversou com a Ana em algum momento?
Não, conversei antes. Depois que a presidenta Dilma ganhou a eleição, eu reiterei a orientação e tive uma reunião com ela, em dezembro [de 2010] já. Levei minha caderneta pessoal e li para ela 18 preocupações. Falei: preste atenção às leis que estão tramitando no Congresso, se vier alguma lei que tiver que ser modificada por discordância, faça isso publicamente, pois essas leis tiveram envolvimento muito grande mesmo. Preste atenção à Bienal. Precisamos apoiá-la para sair da crise. Falei dos Pontos de Cultura, da importância. Falei de João Gilberto. Precisamos apoiar João Gilberto na demanda de recuperar o controle do "Chega de Saudade", que é um patrimônio da cultura brasileira, e a empresa está fazendo mau uso dele. Era um caderno de anotações pessoais sobre pontos importantes do ano de 2011 para frente do MinC.

E quantos [dos 18] pontos você acha que foram correspondidos?
Não sei porque não estou acompanhando. Saí logo depois. Fui na Europa entre janeiro e maio três vezes, e maio eu comecei a trabalhar na Segib [Secretaria Geral Ibero-Americana, órgão da Cúpula Ibero-Americana de chefes de Estado e de governo, que reúne 22 países, Brasil incluso]. E foi bom ir longe. Não cabia mim, eu não exerço o papel de algoz, não é minha vocação.

A programação do fórum fala da gestão cultural para além do mercado. O que de concreto vai ser discutido nesses dias?
O papel do poder público, do Estado, na garantia do desenvolvimento cultural. O mercado só permite acesso a quem tem possibilidade de poder aquisitivo para comprar o CD, comprar o livro. Inclusive, li ontem, na imprensa espanhola, a seguinte frase: "Em todo o mundo ocidental, o desenvolvimento cultural tem no Estado a principal garantia de acesso". Houve uma época, década de 90, quando houve demonização do Estado, se acreditava que o Estado deveria manter distância, mercado era mais eficiente. Na verdade isso é uma falácia. Brasil precisa que Estado assuma sua responsabilidade. É preciso garantir através dos museus, dos centros culturais, dos financiamentos da produção.

E Vale-Cultura [projeto em tramitação no Congresso que prevê o repasse do valor mensal de R$ 50 a trabalhadores com rendimento de até cinco salários mínimos] seria um dos grandes pontos de acesso?
É, o Vale-Cultura seria.

Por que é que o projeto parou no Congresso?
Os projetos de origem do Executivo, para tramitar, precisam de acompanhamento da base política. Se não houver incentivo do ministério, dificilmente anda.

A defesa da ministra Ana de Hollanda contra a fiscalização do Ecad, como órgão privado, isso é uma visão de governo ou pessoal?
Como é que vou saber se não passei pelas reuniões de governo?

A então ministra Dilma tinha essa visão de Estado mais fraco em relação a órgãos privados?
Eu não acredito. Acho que o mundo contemporâneo, as relações privadas têm algum nível de regulação pública. Por exemplo: quando eu era menino, eu ouvia com muita frequência: briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Hoje, vá o marido bater na mulher pra ver que processo ele tem que... Ou seja, a opressão do macho sobre a mulher no ambiente doméstico evidentemente que são relações privadas, mas a sociedade coíbe esse tipo de prática. Não existe lugar nenhum do mundo que aconteça o que acontece no Brasil depois do governo Collor.

Desafio alguém a encontrar um lugar no mundo onde se arrecade dinheiro em nome de terceiros sem obrigações de transparências para esses terceiros, no caso de artistas e criadores, e não tenho um acompanhamento que se arrecade um volume que excede e muito a R$ 300 milhões por ano. E não ter nenhum mecanismo público.

Você falou que desde o Collor acontece. Mas por que o Brasil tem há tanto tempo esse ambiente que não floresceu em nenhum lugar do mundo?
Olha, você sabe que aconteceram coisas do arco da velha no governo Collor. Foi o auge da ideia de que o Estado é um ambiente caduco, que não se justificava mais, que o mercado se autorregularia. Foi um momento de deslumbramento com essas teses. E eles vieram para cima da gente com agressividade enorme, mas é verdade.

Que agressividade?
Verbal. Pegue os jornais da época que você vê a coragem que a gente teve de comprar todas as brigas. Qualquer que seja o sistema de regulação, o artista tem de ser pago. Pessoa de qualquer outra atividade é paga pelo seu trabalho. E direito autoral é a forma de reconhecimento do trabalho criativo e o retorno do artista. Isso é inquestionável, e nós não seríamos doidos, nem malucos, nem Gil esquizofrênico de negar esse direito básico.

Há um dualismo no debate que coloca a gestão da Ana como pró-Ecad e as gestões Gil/Juca como frouxas na defesa dos direitos autorais.
A internet veio para ficar. Não se pode colocar o direito do autor em contradição com o de acesso à cultura. Tem que buscar harmonização.

Você acha que o retorno do anteprojeto dos direitos autorais ao Executivo vai retardar ainda mais a discussão?
Não sou bom analista porque estou longe, desinformado, conscientemente distante. E acho que já tem crítica suficiente. Não sinto que está passando incólume a destruição do que nós fizemos. Pelo contrário. Aquele manifesto assinado por pessoas proeminentes da cultura, o Viveiros de Castro. É um documento, uma peça histórica. Se me chamassem, eu assinaria com a maior tranquilidade.

Há uma tropa de choque muito forte que milita em seu nome...
No meu nome, duvido. Você sabe que parte da área cultural queria que eu continuasse. Mas não é tropa de choque, não tem um nível de organização, pelo contrário. Fiquei um ano completamente isolado, sem partido, nem nada. Me filiei agora mais para me reinserir. Não quis fazer antes de sair para não sinalizar que era algo tático para me cacifar. Tive dúvidas se voltaria a me filiar a partido, qual partido. PSB, PT... Optei por me filiar ao PT.

Você se filiou ao PT pensando no futuro.
Evidente. A língua portuguesa separa o ser e estar. Algumas línguas não fazem essa separação. Eu fico imaginando como é que se viram para ter uma precisão ao se expressar, por exemplo, nesse caso. Estou lá, mas sou daqui. Passei quase oito anos entre Chile e Europa, fui exilado.

Pensando em 2012 e 2014?
Sei lá quando. Tenho filho de um ano, isso me ajudou a ficar um pouco em casa.

Você gostaria de ter continuado no ministério?
Na época, disse que sim. Não dá para negar isso.

Em um texto publicado na Folha em maio do ano passado, a colunista Eliane Cantanhêde afirmou que o senhor teria ciúme do governo atual (íntegradisponível para assinantes da Folha e do UOL)
Ela tem poder paranormais de saber o que eu penso? Isso é uma irresponsabilidade dela. Ela não tem nenhum elemento para dizer isso. Uma profissional não deveria trabalhar com esse nível de subjetividade. Apoiei Dilma publicamente, comprei uma briga no partido em que militei por 23 anos, divergi da candidatura de uma pessoa pela qual tenho maior respeito, que é Marina. Não sei de onde ela tirou isso, pelo contrário.

Tenho tido elegância acima da média, silêncio obsequioso com todas as diferenças que possa ter, e são diferenças programáticas com o atual governo. Uma profissional não tem direito de ser tão irresponsável quanto ao dizer isso. O que é ciúme? É um sentimento que você tem quando se sente ameaçado. Você só se sente ameaçado por quem você avalia que tem condições de superar o que você é, seja na relação afetiva ou não. Não me parece que seja um sentimento possível de eu ter.

O sr. fala que, até por uma questão de elegância do cargo, não emite opinião. Mas, ao longo dessa entrevista de 59 minutos, o sr. acha que não emitiu nenhuma opinião?
Não, não é isso. Eu não sou avalista, não julgo, não tenho capacidade porque estou longe, não tenho informações suficientes. Vocês, ao fazerem as perguntas, me revelam coisas que eu não sei, como está o projeto de lei, que foi incluído tal coisa, que cortou tal ponto. Nada disso eu sei. O que eu posso dizer é que está havendo um retrocesso, que houve um abandono de um projeto que foi construído durante o governo do presidente Lula em muitos pontos fundamentais.

Então, sobre isso eu tenho opinião. Isso é um desastre. Num governo de continuidade você fazer um desmonte de uma política bem-sucedida, sem uma justificativa? Agora, a partir daí eu não posso ir. Porque não tenho vontade, porque não conheço, porque estou distante conscientemente do dia a dia do ministério. Entendeu a diferença? Não é que eu não tenha opinião, eu tenho limites para emiti-la. Então, tentar extrair isso de mim, fazer de mim um crítico é uma forçação de barra. Eu sinto que a imprensa às vezes faz isso, mas não é elegante.

BBB: A decadência do sucesso

Leila Cordeiro - Direto da Redação
 
Não faz muito tempo, ter sucesso na vida para um homem era ter escolhido uma profissão padrão  tipo médico, engenheiro, advogado, chegar ao final da faculdade com louvor, formar-se e seguir carreira com consultório ou escritório montado e clientela de prestígio.

Pronto! Isso seria mais do que suficiente para o homem se realizar, tornando-se um bom partido e aí entraria na marca do sucesso também, um casamento com uma “possível” pessoa certa, filhos e casa própria.

Para a mulher, o sucesso sempre foi discutível, pois em tempos passados isso não dependia só dela e de seus feitos e sim de sua aceitação dentro da  sociedade. Mais à frente, com a emancipação feminina, a mulher começou a disputar o mercado de trabalho com o homem chegando a ganhar terreno na ocupação de alguns cargos.

Mas isso faz tempo, o sucesso a que me refiro, é hoje muito mais fácil e banal. Tanto para o homem quanto para a mulher é só participar de algum reality-show, criar uns escândalos e desfilar corpos sarados  para serem descobertos nas praias da moda como ícones de beleza moderna.  Dai para o “sucesso” é um pulo.

O pior é que com o troca-troca de celebridades numa rapidez estonteante, homens e mulheres não conseguem se manter num lugar  ao sol por muito tempo, a menos que acordem a tempo de não deixar o tempo apagar sua imagem,  e para isso é preciso muito mais do que apenas botar a cara pra bater na  TV aceitando ser marionete nas mãos de diretores que só visam o ibope de seus programas.

Chega a doer assistir a tantos fracassados que se acham bem sucedidos protagonizando papéis ridículos nesses programas que só visam achincalhar o ser humano, tentando mostrar que todo mundo tem seu lado de anjo e demônio, de burro e inteligente, de chato e agradável.

Uma realidade que não leva a nada e muito menos ao sucesso, não fossem os meios de comunicação darem tanta força ao que só deseduca, como os BBB’s e Fazendeiros de oportunidade.

Se ainda tentassem ser atores e atrizes. Mas que nada! Para quê? Por que encarar horas de aulas de dramatização quando o sucesso é tão mais fácil de conseguir com caras e bocas, conceitos de vida alienados e muito palavrão? Coisas que não precisam aprender, pois já estão incorporadas à  sua falta de educação.

Conseguir sucesso tendo que lutar por vaga em faculdade, fazer exames e estudar? Nem pensar.  Imagine “perder tempo” sentados em bancos escolares quando o sucesso está justamente no preparo físico dos corpos? Para que desenvolver a mente quando os músculos é que ditam a moda?

Naquele tempo, no tempo em que se podia andar nas ruas sem violência, o sucesso era verdadeiro, na medida em que se lutava por ele, sem deixar de lado a dignidade e  o preparo intelectual. Era muito mais gratificante conquistar espaços do que “preenchê-los” às custas do que pode fazer e representar fisicamente.

Sou do tempo - e não me envergonho disso - em que o sucesso era conquistado por merecimento, pela luta, pelo aprendizado. Diferentemente do atual, que é conseguido por acaso, numa esquina de rua, nas areias de uma praia, nas boites da moda ou até mesmo nos inferninhos  da vida. O que essa gente não tem noção é que, desse jeito, sucesso é feito gripe, dá e passa.

quarta-feira, 21 de março de 2012

O fracasso do Grupo Abril

 
Na década de 90, dois grupos empresarias brasileiros despontavam entre os principais grupos de mídia da América Latina. Depois da Globo, o outro grupo brasileiro era a Abril.

Desde então, a Abril Midia é uma coleção de fechamentos e venda de empresas ou participações acionárias. A Abril fechou a gravadora Abril Music, o site Usina do Som e os canais de TV paga Fiz TV e Idea TV. Vendeu sua participação na HBO Brasil, na DirecTV Latin America, na ESPN Brasil, no Eurochannel, na TVA MMDS, na TVA Cabo e no UOL, entre outras.

Hoje a Abril se resume basicamente à editora e sua gráfica, à DGB (holding de distribuição e logística que é um verdadeiro monopólio nas bancas de jornais), à Elemídia (que instala monitores informativos em hotéis, elevadores, aeroportos, etc) e ao canal de TV paga MTV Brasil. Além dos sites de cada um destes veículos. Um grupo de mídia pequeno para o cenário de convergência que vivemos.

Cabe registrar que a MTV Brasil (que licencia a marca da Viacom) vive às voltas com o fantasma dos cortes de gastos e demissão de pessoal. Sua duração no longo prazo é constantemente posta em dúvida.

Para piorar, os Civita venderam 30% da Abril (o limite permitido pela Constituição Federal) aos sul-africanos do Naspers (donos, no Brasil, do site Buscapé). O Naspers, quando se chamava Die Nasionale Pers, foi o órgão de imprensa oficioso do povo africâner e porta-voz do apartheid. Pieter Botha e Frederik de Klerk foram membros do board do Naspers.

Ou seja, a Abril vive hoje do prestígio da revista Veja. Sem ela, os Civita já teriam virado empresários de porte médio do setor de comunicações, irrelevantes para o futuro do setor no Brasil.

E, segundo denúncias de Luis Nassif, sabedores dessa situação, os Civita tratam de inflar de todos os modos as vendas da Veja, inclusive com uma ajuda substancial do governo de São Paulo, que adquire milhares de assinaturas.

Cada vez mais fracos, mais temerosos do futuro, a tendência é que elevem o tom de voz na crítica a qualquer regulação das comunicações no Brasil. E se aproveitem da falta de vontade política do governo para enfrentar o tema e blefem com um poder político que, se um dia o tiveram, hoje com certeza já se esvaiu quase todo.

PS: como não são bobos e sabem que seu horizonte se estreita, os Civita resolveram colocar os ovos em outro cesto e passaram a investir em educação, criando uma outra empresa, sem relações com a Abril Mídia, chamada Abril Educação. Quando a Veja for de vez para as calendas, é de educação privada que eles irão viver.