quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Agora falando sério (Jô Soares batendo na Globo)

Jô Soares – publicado no Jornal do Brasil em 1987

Em 1947, os grandes produtores de Hollywood se reuniram no Hotel Waldorf-Astoria, em Nova Iorque, e resolveram que artistas com tendências políticas em desacordo com o seu ideário não trabalhariam mais em filmes. Surgia a lista negra e a consequente caça às bruxas. Em pouco tempo, não somente radicais ou liberais eram perseguidos, qualquer artista que desagradasse aos chefes de estúdio era listado e não conseguia mais trabalho.

Com impecável senso de oportunidade, a TV Globo escolheu exatamente o momento da Constituinte no Brasil para inaugurar sua lista negra. Quem sair da emissora, sem ter sido mandado embora, corre o risco de não poder mais trabalhar em comerciais, sob a ameaça de que estes não serão lá veiculados. Como a Rede detém quase que o monopólio do mercado, os anunciantes não ousam nem pensar em artistas que possam desagradá-la.

Nesse ponto, alguém pode achar que estou falando por interesse pessoal. Garanto que não. Não falo pelo fato dos meus comerciais não poderem ser exibidos, nem pelo fato mais recente das chamadas pagas do meu novo espetáculo no Escala 2, O Gordo ao Vivo, terem sido proibidas. Sou um artista muito bem remunerado e meu espetáculo tem outros meios de divulgação. Graças a Deus, meus shows de humor já lotavam teatros antes que eu fosse para a Globo.

Que as chamadas de Gordo ao Vivo não passariam na emissora, eu já sabia desde outubro pelo próprio Boni, que me disse em sua sala quando fui me despedir: “Já mandei tirar todos os teus comerciais do ar. Chamadas do teu novo show no Escala 2, também esquece. Estou vendo como te proibir de usar a palavra Globo”. Claro que esta última ameaça ficou meio difícil de cumprir. A megalomania ainda não é lei fora da Globo. Logo não é por isso que escrevo pela primeira vez sobre esse assunto.

Sai da Globo, onde conservo grandes amigos com a maior lisura, e nunca me aproveitei desse espaço, ou de nenhum espaço, em causa própria. Escrevo, isto sim, porque atores que trabalham no meu programa, como Eliéser Mota, como Nina de Pádua, foram vetados em comerciais. As agências foram informadas, não oficialmente, é claro, como aliás acontece em todas as listas negras, que suas participações não seriam aceitas.

É triste, nesse momento em que se escreve diariamente a democracia diariamente no Congresso, uma empresa que é concessão do estado, cerceie impunemente o trabalho do artista brasileiro, de um modo geral já tão mal remunerado. Finalmente eu gostaria de dizer que Silvio Santos foi tremendamente injusto quando chamou Boni, em uma entrevista, de office boy de luxo: nenhum Office boy consegue guardar tanto rancor no coração.     

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