quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O pregador e o “demônio” comunista


No início dos anos 70, a Ponta Grossa ainda guardava costumes antigos, como o de manter as portas destrancadas. Em nossa casa, a porta só era fechada à chave para a família dormir. O velho casarão de esquina entre a Rua Santo Antônio e a Guaicurus era muito frequentado e as portas estavam sempre abertas.


Chegando em casa, num final de tarde, cansado e suado da caminhada desde o Colégio Estadual de Alagoas, rodei apressadamente a maçaneta para abrir a porta. Estranhamente estava trancada. Percebi que havia movimento na sala, olhei para dentro por uma das janelinhas e vi um senhor sentado em frente ao meu pai. Quando pensei em perguntar o que estava acontecendo, o cidadão, percebendo a minha presença, levantou-se e veio desesperadamente na direção da porta implorando:

– Moço, pelo amor de Deus, me deixe sair daqui!

Olhei para meu pai e coloquei uma expressão interrogativa no rosto, querendo saber o que estava acontecendo. Ele abriu a porta, tomando o cuidado de não deixar brecha para o escape do indivíduo; fez-me entrar e passou a chave de novo, guardando-a no bolso.

– Eu quero ir embora, moço! Seu pai é o cão em pessoa – implorava, aflito e suado o senhor que segurava alguns livros sob o braço.

Gilberto Soares Pinto, comunista de fortes convicções e ansioso por um debate,  calmamente pediu ao cidadão que sentasse enquanto ele iria me explicar a situação.

– Veja bem, meu filho, se não estou com razão. Esse cidadão bateu a porta, começou a falar e foi entrando. Não me perguntou se eu queria ouvir a pregação dele. Falou durante uma hora e meia sobre a sua fé em Jesus e sobre as Testemunhas de Jeová. Fiquei calado. Quando ele terminou, eu disse que era a minha vez de pregar. Fechei a porta com chave e estou provando a ele que o comunismo é que é o paraíso. Só gastei até agora 40 minutos e ele já está me chamando de satanás, demônio e outras besteiras.

– Deixe o homem ir embora! Ele está quase chorando por causa da sua pregação – pedi com calma e com vontade de rir da situação.

– Isso mesmo moço, abra essa porta pelo amor de Deus, que eu juro que jamais volto aqui – voltou a implorar o crente.

Ponderei junto ao meu pai que dificilmente converteria o dedicado pregador à causa do socialismo. Ele ainda tentou explicar que tinha o direito de falar o mesmo tempo que o pregador, e que isso era uma lição para ele aprender a antes de começar a pregar procurar saber se outros querem ouvir. Convenci a ele que a lição já tinha sido aprendida e que já era hora de deixar o cidadão ir embora. Mesmo contrariado, ele resolveu ceder. Abriu a porta e assistimos um ágil pregador escapar daquela “torturante” explanação das idéias comunistas. Deve ter saído dali com a certeza de que tinha encontrado com o diabo em pessoa. 

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