
Zé foi ficando lá por casa, ajudando em alguns dos vários empreendimentos que meu pai inventava, sempre ganhando uns trocados que eram gastos, invariavelmente, no cinema do bairro, o Lux. Aprendeu, assim, o ofício de mecânico de fogão, profissão que ainda exerce e que tem como “escritório” a casa da minha mãe, ainda na Ponta Grossa.
Nos anos 60, Zé conheceu o proprietário do Lux, o empresário Moacyr Miranda. Ele procurava a lanchonete da minha mãe sempre que queria dinheiro miúdo para o troco da bilheteria. Certo dia, o Zé pediu a ele umas “senhas”, que eram os convites para entrar sem pagar no cinema, e terminou entrando para o cinema, contratado como o abridor das cortinas e responsável pela limpeza do prédio no final da noite.
Personagem importante da história do cinema alagoano, Moacyr Miranda viveu os seus últimos anos entre a administração do Lux, o carteado e a boemia. Em 1933, ele foi o galã do primeiro filme alagoano, “Casamento é negócio?”, de Guilherme Rogato. Por essa época, Moacyr já era proprietário do Cine-teatro Delícia, que ficava na Rua do Sol. Após sobreviver a dois acidentes com automóveis, faleceu em 1970, vítima de mais um acidente. Numa madrugada, em Riacho Doce, perdeu o controle do seu Aero Willys e se chocou com uma árvore.
Em 1969, o público do seu cinema já começava a minguar, um pouco pela crise que atingia todos os cinemas e, também, pela falta de senso administrativo do seu proprietário. Na relação dos poucos filmes que ainda lotavam o imenso salão do Lux se destacava “Dio Come te Amo”. O dramalhão italiano era garantia de boa bilheteria, a tal ponto que levou Moacyr a adquirir uma cópia do filme. E assim, quando o baralho maltratava o Moacyr, nós sabíamos imediatamente: lá vinha o carro de som do Jorge (Hi-Fi) tocando a música tema na voz de Gigliola Cinquetti e anunciando “Dio Come te Amo” no Lux.
Numa dessas noites, o cinema estava lotado por casais apaixonados e também por solteiros à procura de uma alma gêmea, quando os sons graves em escala e o apagar gradual das luzes levaram o Zé Chaves ao seu posto. O filme ia começar. Zé, como sempre fazia, segurou os cordéis e ficou esperando a projeção iniciar. Com as primeiras imagens da Atlântida já sobre as cortinas, ele começou a puxar a imensa peça de tecido vinho escuro. Nada de movimento. As carretilhas estavam presas. O jornal do cinema já informava sobre um desfile de miss no Rio de Janeiro e a cortina continuava sem se mexer. Ouviram-se os primeiros assovios e vaias. O pânico tomou conta do afobado Zé Chaves.
Mas, a solução estava ali, ao seu lado: uma enorme escada para a manutenção do cinema. Ele subiu rapidamente uns seis metros, enrolou os cordéis nas mãos e pulou para o seu momento de glória. O som das carretilhas quebrando em seqüência foi acompanhado por um voo triunfal, que levou o Zé a atravessar o palco e se esborrachar no chão do outro lado, onde foi sepultado por uma montanha de tecidos. Os aplausos e assovios ecoavam em histeria diante do imprevisto Tarzan, que só conseguiu sair do emaranhado de cordéis e cortina com a ajuda de outros funcionários do Lux.
O bairro inteiro soube do ocorrido e lamentou o encerramento precoce da promissora carreira do Zé Chaves no cinema. A compensação foi que a Ponta Grossa ganhou um excelente técnico de conserto de fogão.
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