domingo, 21 de agosto de 2011

O dia em que Tarzan invadiu “Dio come te amo”


Zé Chaves convive com minha família desde os anos 60, quando ainda morávamos no Beco de São José, atual Rua Tibúrcio Valeriano, em Maceió. Começou os estudos com o Auriberto, meu irmão, no Grupo Escolar Fernandes Lima, mas desistiu muito cedo. Ele morava com a sua mãe, que era proprietária de uma pensão na Rua do Sol. Em 1966, mudamos para o bairro da Ponta Grossa e, alguns meses depois, a família dele também se transferiu para o mesmo bairro e foi morar numa casa defronte à nossa, na Rua Santo Antônio.

Zé foi ficando lá por casa, ajudando em alguns dos vários empreendimentos que meu pai inventava, sempre ganhando uns trocados que eram gastos, invariavelmente, no cinema do bairro, o Lux. Aprendeu, assim, o ofício de mecânico de fogão, profissão que ainda exerce e que tem como “escritório” a casa da minha mãe, ainda na Ponta Grossa.

Nos anos 60, Zé conheceu o proprietário do Lux, o empresário Moacyr Miranda. Ele procurava a lanchonete da minha mãe sempre que queria dinheiro miúdo para o troco da bilheteria. Certo dia, o Zé pediu a ele umas “senhas”, que eram os convites para entrar sem pagar no cinema, e terminou entrando para o cinema, contratado como o abridor das cortinas e responsável pela limpeza do prédio no final da noite.

Personagem importante da história do cinema alagoano, Moacyr Miranda viveu os seus últimos anos entre a administração do Lux, o carteado e a boemia. Em 1933, ele foi o galã do primeiro filme alagoano, “Casamento é negócio?”, de Guilherme Rogato. Por essa época, Moacyr já era proprietário do Cine-teatro Delícia, que ficava na Rua do Sol. Após sobreviver a dois acidentes com automóveis, faleceu em 1970, vítima de mais um acidente. Numa madrugada, em Riacho Doce, perdeu o controle do seu Aero Willys e se chocou com uma árvore.

Em 1969, o público do seu cinema já começava a minguar, um pouco pela crise que atingia todos os cinemas e, também, pela falta de senso administrativo do seu proprietário. Na relação dos poucos filmes que ainda lotavam o imenso salão do Lux se destacava “Dio Come te Amo”. O dramalhão italiano era garantia de boa bilheteria, a tal ponto que levou Moacyr a adquirir uma cópia do filme. E assim, quando o baralho maltratava o Moacyr, nós sabíamos imediatamente: lá vinha o carro de som do Jorge (Hi-Fi) tocando a música tema na voz de Gigliola Cinquetti e anunciando “Dio Come te Amo” no Lux.

Numa dessas noites, o cinema estava lotado por casais apaixonados e também por solteiros à procura de uma alma gêmea, quando os sons graves em escala e o apagar gradual das luzes levaram o Zé Chaves ao seu posto. O filme ia começar. Zé, como sempre fazia, segurou os cordéis e ficou esperando a projeção iniciar. Com as primeiras imagens da Atlântida já sobre as cortinas, ele começou a puxar a imensa peça de tecido vinho escuro. Nada de movimento. As carretilhas estavam presas. O jornal do cinema já informava sobre um desfile de miss no Rio de Janeiro e a cortina continuava sem se mexer. Ouviram-se os primeiros assovios e vaias. O pânico tomou conta do afobado Zé Chaves.

Mas, a solução estava ali, ao seu lado: uma enorme escada para a manutenção do cinema. Ele subiu rapidamente uns seis metros, enrolou os cordéis nas mãos e pulou para o seu momento de glória. O som das carretilhas quebrando em seqüência foi acompanhado por um voo triunfal, que levou o Zé a atravessar o palco e se esborrachar no chão do outro lado, onde foi sepultado por uma montanha de tecidos. Os aplausos e assovios ecoavam em histeria diante do imprevisto Tarzan, que só conseguiu sair do emaranhado de cordéis e cortina com a ajuda de outros funcionários do Lux.

O bairro inteiro soube do ocorrido e lamentou o encerramento precoce da promissora carreira do Zé Chaves no cinema. A compensação foi que a Ponta Grossa ganhou um excelente técnico de conserto de fogão.

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