terça-feira, 4 de março de 2008

Capitão Carlito fala sobre Cuba e o comandante Fidel

Visitei Carlito Lima assim que soube da sua volta de Cuba. Mesmo sabendo que o motivo da sua viagem tinha sido participar de um encontro de escritores e de uma feira de livros, não pude deixar de querer saber as suas opiniões sobre a ilha e, particularmente, sobre a renúncia de Fidel Castro, fato ocorrido durante a sua estada naquele país.

Blog do Ticianeli – O que fez Carlito Lima trocar o entardecer da praia da Pajuçara por Cuba?
Carlito Lima – Eu fui convidado pela ABRACE, que é uma associação uruguaia que engloba escritores latinos americanos, para participar do 9º Encontro ABRACE, lá em Cuba. Eles têm uma reunião por ano, a última tinha sido no Uruguai e a 9ª foi agora em Cuba. Além dessa reunião de escritores latinos americanos, que contou com mais de 70 participantes, teve também a 17ª Feira Internacional de Livros de Havana, que é uma das maiores do mundo, uma coisa extraordinária.

BT – O que fez Cuba para se transformar em um pólo importante da literatura mundial?
CL – Cuba é uma referência política do século XX. Existe um respeito muito grande a história cubana. Têm muitos estrangeiros estudando a revolução cubana de 1959. Eu visitei o Museu da Revolução e vi muitos canadenses e principalmente europeus que vão lá conhecer o que foi a revolução cubana. Isso também é contado em livros, faz parte da literatura. Existe também uma literatura cubana repleta de bons escritores.

BT – Como brasileiro e alagoano Carlito Lima tinha muito a contar aos cubanos e aos outros escritores?
CL – A minha conferência era sobre a influência da revolução cubana de 59 no golpe militar de 64 no Brasil. Eu falei sobre o Nordeste brasileiro; que eu era tenente nessa época no Recife. Mostrei uma situação étnica nossa muito parecida com a dos cubanos. Falei sobre a mistura nordestina, dos índios nativos, do branco e do negro e que os negros que vieram aqui para o Nordeste, vieram da mesma região africana que os negros que foram para Cuba. Nós somos povos muito parecidos. Mostrei que a história do Nordeste registra várias revoluções e que o Brasil, ao ser descoberto, foi dividido em capitanias hereditárias e que continua hoje quase que como se fosse no período do seu descobrimento, existindo, na prática, capitanias hereditárias, porque 40% do PIB está nas mãos de meia dúzia de famílias. Relatei que o povo já se rebelou várias vezes. Expliquei o que foi a república de Zumbi: cem anos de liberdade dos negros de Palmares. Falei sobre Canudos e seus líderes, de Lampião, e Padre Cícero. Falei também que logo depois da revolução cubana, em 1959, começaram a aparecer as Ligas Camponesas no Nordeste, comandadas por Francisco Julião, que foi um grande líder e que essas ligas receberam muitas influências da revolução cubana. Foi por aí...

BT – Você estava em Cuba no dia em que Fidel Castro se afastou do governo, como o escritor, sensível a realidade, percebeu a reação dos cubanos?
CL – Os cubanos reagiram de forma discreta. Queira ou não queira, ainda há uma ditadura em Cuba. Só existe lá um canal de televisão e um jornal, o Gramna. Quando estávamos reunidos, eu peguei o Gramna, que tinha publicado a renúncia de Fidel Castro, e disse: minha gente vamos tirar uma fotografia que nós estamos vivendo um momento histórico aqui em Cuba. Um escritor cubano rapidamente me pediu para não tirar a fotografia. Mas o povo cubano assume a revolução cubana, o seu socialismo pobre, mas ele assume... Tem orgulho da revolução cubana. Essa é a grande verdade que eu constatei.

BT – Qual a sua impressão das conquistas do socialismo em cuba?
CL - A conquista do socialismo é total. Tudo é socializado em Cuba. O cubano tem educação de graça; tem saúde – é uma das melhores saúdes do mundo; ele tem direito a um emprego e também a uma moradia. São as quatro coisas básicas do homem, isso aí eles têm. O ensino é obrigatório. Todos os meninos cubanos estão em sala de aula. Não há uma criança fora da sala de aula. Eles fazem o primário, depois o secundário e, quando termina o secundário, eles vão servir ao exército. Passam um, dois anos nas forças armadas. A partir daí é que eles ficam esperando algum emprego. Eles já estão relacionados para serem empregados, então vem o governo e diz: “olha, tem um emprego para você no posto de gasolina tal”, que é tudo estatal, então o camarada vai lá e pega aquele emprego ou, por exemplo, de motorista de táxi. Eu conversei muito com motorista de táxi, com as empregadas do hotel, com garçom, com intelectuais, com artistas, inclusive, me levaram na casa deles. Eu vi que eles têm um orgulho muito grande da revolução cubana, mas, mesmo com essas conquistas sociais, poderia se ter mais conquistas materiais. Eles estão vivendo ainda uma época que lembra os anos 60 ou 70. Não têm acesso ao consumo do resto da humanidade.

BT – O bloqueio econômico dos EUA atrapalha a construção de uma sociedade mais moderna em Cuba?
CL – Mais claro que é isso! O grande respeito que temos pelo povo cubano é justamente pela capacidade de resistir contra esse bloqueio econômico e militar dos Estados Unidos. É um bloqueio cruel. Os EUA não só não comercializam com Cuba, como instigam os outros países aliados a eles a fazerem a mesma coisa. Assim que rebentou a revolução cubana os EUA deixaram de comprar o açúcar deles. A União soviética foi lá e assumiu. O povo cubano, de certa forma, aceita o que tem. Essa é a primeira impressão que temos.

BT – Vale a pena conhecer uma experiência como a cubana?
CL – Acho que vale a pena sim. É uma experiência histórica para o mundo. Agora acho que demorou muito - são 50 anos - a fazer uma abertura como a China. Só que essa situação econômica influenciada pelo império americano é que é cruel. E não só para Cuba, mas para todo o mundo. Posso dizer que fiz boas amizades em Cuba e pretendo voltar lá qualquer dia desses.

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