quinta-feira, 7 de julho de 2011

O galo gago

Olímpio Fonseca era um desses tipos sertanejos que conseguem se sobressair no seu meio por esperteza, no bom sentido. No início dos anos 70, ele veio de Pão de Açúcar para Maceió acompanhando seu tio Américo Fonseca. Foram contratados por meu pai, Gilberto Soares Pinto, para ajudá-lo na construção de um galpão na Rua da Assembléia, no bairro de Ponta Grossa.

Como resultado da não especialização dos dois, ou melhor, dos três, na arte de construir, a obra não andava. Comunista e péssimo patrão, meu pai mandava fazer e desaparecia; Américo trabalhava muito e fazia errado; e Olímpio, que olhava e conversava, passava o tempo todo a dizer que Américo era burro e que não sabia nada da profissão.

Como o patrão sempre estava ausente, Olímpio exagerava em demonstrar que não era um homem afeito ao trabalho braçal. Chegava tarde e resmungando, mesmo morando numa vila em frente à obra. Gilberto perdeu a paciência e chamou o seu ajudante para uma conversa.

— Ô Olímpio, o que está acontecendo? O Américo me disse que você está chegando muito tarde ao trabalho —, cobrou meu pai.

— O problema, “seu” Gilberto, é que eu não tenho conseguido dormir direito. Eu trouxe de Pão de Açúcar um danado de um galo, e o “fio da peste” começa a cantar às duas horas da manhã. E é um canto todo engasgado. Não há quem durma.

— Você sabe por que o galo está cantando tão cedo? — tentou ajudar o patrão.

— Não!

— Eu vou explicar. É porque no sertão ele só canta quando começa a clarear, com o sol nascendo, e em Maceió, com as luzes acesas nos postes das ruas, ele pensa que é a claridade do dia e começa a cantar.

— Mas “seu” Gilberto, isso é verdade mesmo. Olhe... nada como conversar com uma pessoa mais instruída do que a gente para entender as coisas. Digo mais, agora também começa a fazer sentido o estranho canto do bicho.

— Como assim? — perguntou Gilberto, já desconfiado que Olímpio tava debochando dele.

— Eu notei que a luz do poste da entrada da vila está com defeito e fica piscando. Acende... demora um pouquinho... e apaga.

— E daí?

— Não entendeu? O galo foi se orientar com a luz e com o escuro, com a luz e com o escuro, como o senhor disse, e ficou gago. E o senhor sabe, né? Não há quem durma com um galo gago no pé do ouvido, né?

Para o bem da classe operária, foi demitido sumariamente. 

Um comentário:

Etevaldo Amorim disse...

Dessa eu não sabia...Os Fonsêca, da nossa Pão de Açúcar produziram grandes figuras.