sábado, 23 de julho de 2011

Por que as elites alagoanas fazem questão de silenciar o período do governo Muniz Falcão?

O texto abaixo já foi publicado em 2007, mas acredito que ele será sempre atual. Alberto Saldanha nos ajuda a entender o que é Alagoas e suas relações políticas.

Deputados, com armas sob as capas, chegam à Assembleia
para votarem o impeachment em 13 de setembro de 1957
Alberto Saldanha
Doutor em História e Professor da UFAL

Sob uma ótica superficial, a resposta parece estar no fato de que importantes lideranças, Arnon de Mello, Teotônio Vilela, Rui Palmeira, Lamenha Filho, Afrânio Lages, Oséas Cardoso, entre outros, inconformadas com o resultado das urnas, estiveram envolvidas na geração da crise política, cujo objetivo era tirar Muniz Falcão do Governo de Alagoas e que teve como ponto alto o tiroteio do dia 13 de setembro de 1957, na Assembléia Legislativa.

No entanto, as razões mais profundas se dirigem para outro fato: Muniz Falcão foi o governador que representou, em terras caetés, o projeto nacional-trabalhista construído durante as décadas de 40 e 60. A força desse projeto se encontrava no binômio desenvolvimento econômico e inclusão social, particularmente no que se referia a direitos sociais para os trabalhadores.

Por isso, o contexto alagoano guarda íntima ligação com o cenário nacional. Atacar “os tais populistas” (Juscelino Kubitschek, Presidente da República e Muniz Falcão, Governador) era a tônica daqueles que não aceitavam a derrota nas urnas. Reunidos na sua maioria na União Democrática Nacional – UDN acreditavam que o povo só poderia ter sido enganado para não ter percebido a justeza de suas propostas.

Na realidade, a tática política de desqualificar o adversário chamando-o de “populista” escondia o desprezo pelo povo e a incapacidade de responder a pergunta: por que os trabalhadores manifestaram apoio a Getúlio Vargas durante o Estado Novo e quais as razões que os levaram, após 1945, a apoiar os líderes trabalhistas e a votar no PTB? Possuidores de uma visão elitista sobre a política não percebiam a força do trabalhismo com seu programa de defesa da soberania nacional e da justiça social.
Alberto Saldanha

Ao se considerar o passado escravista e as dificuldades para estabelecer a legislação trabalhista numa sociedade agrária como a alagoana, é que se entende os desafios enfrentados por Muniz Falcão. Chamado de “forasteiro”, por não pertencer às famílias tradicionais do Estado (nasceu em Araripina, Pernambuco), como Delegado Regional do Trabalho durante o governo Vargas no Estado Novo, se deparou com a “mentalidade” do mundo do açúcar e ao mesmo tempo aprofundou o vínculo com o universo dos trabalhadores. Com o início do período democrático, pós-1945, Muniz desencadeia uma ascensão eleitoral e passa de deputado a governador, tendo como lemas principais a defesa dos direitos dos trabalhadores e do planejamento estatal para enfrentar as desigualdades econômicas e sociais de Alagoas.

 A crise política produzida por seus adversários, que resulta no pedido de impeachment, não se ampara no suposto “clima de violência” vivido na época, mas na ousadia de Muniz em taxar os setores produtivos para investir em áreas sociais e na sua convicção democrática quanto ao direito à organização por parte dos trabalhadores.

Diante da repercussão negativa que o tiroteio na Assembléia trouxe, episódio demonstrativo da forma “civilizada” que a elite alagoana entende a democracia, a historiografia oficial tratou de esconder as fontes, os fatos e a reflexão sobre o período. Isso só começou a ser superado com o livro “A Tragédia do Populismo: o impeachment de Muniz Falcão”, de Douglas Apratto. Entretanto, mesmo com a porta aberta pela reflexão de Apratto, a tática de produzir o “esquecimento” parece persistir.

Nessa disputa pela memória dos acontecimentos que envolvem a crise política do dia 13 de setembro de 1957, não se pode esquecer que, posteriormente, pelo voto popular, Muniz Falcão foi eleito Governador de Alagoas em 1965 e que, sob pressão do Regime Militar, a Assembléia Legislativa, composta pela mesma elite, não referendou o resultado eleitoral rasgando a Constituição Estadual, sob a argumentação de que Muniz não obteve a maioria absoluta dos votos.

Com a reavaliação que a historiografia brasileira vem desenvolvendo a respeito daquilo que se convencionou chamar de “populismo”, é possível redimensionar o significado do nacional-trabalhismo na constituição da identidade dos trabalhadores brasileiros e, em particular, a importância do Governo Muniz na sociedade alagoana. 

2 comentários:

Raimundo Pimentel disse...

Este é o artigo mais lúcido e verdadeiro que já li sobre o que, verdadeiramente, representou o líder político Muniz Falcão para a classe trabalhadora e o povo alagoano. Parabéns!

RAIMUNDO PIMENTEL, alagoano, Deputado Estadual (PSB/PE)

Anônimo disse...

Fantástico o post, há pouco li o livro "Curral da Morte" que tratava justamente deste período da nossa história, tendo como pano de fundo o tiroteio na Assembléia no dia da votação do impeachment de Muniz Falcão.
Parabéns ao blogueiro pelo resgate do texto, tentarei propagá-lo a fim de que outros alagoanos tenham a oportunidade de conhecer melhor sua história!!