quinta-feira, 23 de junho de 2011

Triste notícia

Diferente do espaço nobre que ocupa nos jornais impressos, a charge está fora dos sites de notícias em Alagoas

Edberto Ticianeli

Enio Lins, da Gazeta de Alagoas
Poucos profissionais da imprensa alagoana já sentiram o prazer de ver o resultado do seu trabalho ser recortado dos jornais para serem expostos em espaços públicos. Mas, durante 50 anos, as charges de Nunes Lima, publicadas na Gazeta de Alagoas, foram afixadas nos mais nobres salões de barbearias e nas mais humildes tendas de sapateiros. As charges do Enio, Billo, San e Hércules, mesmo não sendo mais expostas em ambientes públicos, continuam a ter posição de destaque nos jornais impressos. O que surpreende é que elas não vêm recebendo o mesmo tratamento nos sítios de notícias da internet. Uma rápida visita aos maiores portais do segmento no país — G1, UOL e R7 — e aos sítios locais — Gazetaweb, Tudo na Hora, Cada Minuto e Alagoas 24 horas — vai confirmar que eles não utilizam a charge no espaço noticioso.

O experiente chargista Enio Lins, que substituiu Nunes Lima na Gazeta de Alagoas, atribui a não utilização da charge às questões econômicas, que levam as empresas a reduzirem o número de profissionais especializados. “Com o tempo, acho que a coisa se ajeita e a charge passa a ocupar o seu devido lugar também nos sites noticiosos. A charge cabe em todas as mídias”, acredita o jornalista, que também acumula, na Organização Arnon de Mello, a função de coordenador editorial. 

Hércules Mendes
Hércules Mendes é outro profissional da charge e da caricatura em Alagoas que também identifica na redução de custos dos meios emissores a razão para a não existência de charges nos noticiosos da internet. “A Charge cabe muito bem nos sites de notícias. E com uma força e propriedade incríveis. Porque o humor, de uma forma geral, tem muita força e é uma forma de linguagem que atrai, que interessa ao receptor”, diz Hércules. Ele ainda identifica que há também falta de adaptação da charge ao meio. “Acredito que a roupagem mais apropriada para esses veículos seria a animação, como as charges do Chico Caruso. O que talvez dificulte seja que nem todo chargista trabalha com a técnica da animação. O próprio Chico, conta com o apoio de uma equipe para animar as suas charges”, explica.

Billo, da Tribuna Independente
Da nova geração dos chargistas alagoanos, o jornalista Marcus Vinicius Luna, o Billo, da Tribuna Independente, também analisa a ausência da charge nos sites jornalísticos como falta de interesse dos proprietários dos veículos. “As informações veiculadas na internet são formadas basicamente por textos curtos e muita imagem. Estão lá as fotos, animações, infográficos, ilustrações e vídeos. Não existe outro lugar mais propício para se veicular charges”, afirma.

Poder da charge

A primeira charge brasileira foi publicada no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, no dia 14 de dezembro de 1837. Seu autor foi o ilustrador Araújo Porto Alegre e desde então a charge nunca mais deixou de ocupar papel de destaque nos jornais brasileiros. Enio Lins considera que a charge brasileira já nasce como um dos elementos mais crítico da imprensa, assumindo o papel de combate aos poderosos e governantes. “Esse papel de elemento de ataque via humor gráfico foi muito utilizado no enfrentamento do regime militar entre 1964 e 1984, o que lhe deu mais prestígio ainda. É uma parte integrante do jornalismo mundial, com longa história”, constata Enio.

Hércules Mendes também encontra essas mesmas particularidades na charge. “A grande característica da charge é a motivação política. Essa é a grande razão de ter tomado espaço nos veículos de comunicação de massa. É imediata e necessita de informação atualizada. É contundente. A charge não convive com o elogio, com a bajulação, senão perde sua razão de ser. Ela destrói mitos e desmascara a mentira. É tremendamente devastadora, o que a torna muito temida, chegando mesmo a ser censurada”, avalia Hércules. Para atenuar o poder da charge, ele lembra Millor Fernandes, que dizia, “não tenhas medo, o humorista nunca atira para matar...”.

Aprendendo a ser chargista

O chargista não aprende sua profissão em curso superior. Para regularizar a situação do chargista como jornalista, os sindicatos e a Fenaj adotam um tratamento especial para esses profissionais. Os chargistas Henfil, Millôr, Cláudio Abramo, Paulo Francis, Fortuna, Jaguar, Ziraldo e vários outros só foram aceitos como jornalistas em 1982. Tratada como um editorial gráfico por autores importantes, a charge não se consolidou como uma disciplina nas faculdades de comunicação. Para os chargistas, a escola da vida termina sendo a maior professora.

Billo atribui às revistas em quadrinhos e aos desenhos animados na TV, as influências que o levaram ao desenho ainda na infância. “Fui seduzido pelos trabalhos de Hanna-Barbera, Disney, Looney Tunes e Mauricio de Souza. Lia muito os quadrinhos do Pernalonga, Mickey Mouse e sua turma, Manda-Chuva, Dom Pixote, Turma da Mônica, Recruta Zero etc. Assim, fui pegando gosto pelo desenho e tentando copiar tudo o que eu via. Mas foi na adolescência que comecei a me interessar por trabalhos mais críticos, como os da revista Mad. Posteriormente, conheci a charge jornalística e senti que era aquilo que eu queria fazer”, recorda Billo. Ele ainda diz que para ser um bom chargista é preciso ter boa dose de senso crítico, poder de síntese, leitura e muita dedicação ao desenho. “O traço é a marca registrada desse tipo de profissional”, ensina.

A caricatura foi a porta de entrada de Hércules Mendes na charge. “Cheguei por acaso, fazendo logo de início caricaturas de pessoas. Os franceses chamam de Portrait Charge, a essa modalidade de humor gráfico. É uma varredura crítica do personagem, os seus traços característicos, suas deformações físicas, suas desproporções, sua expressão facial e corporal. A charge transfere esses componentes para o fato, o acontecido ou mesmo ainda, para o que está por acontecer”, diz Hércules. Para ele, o chargista se forma no dia a dia, de posse de muita informação e com um grande poder de observação. “A memória, a informação, a irreverência ou o espírito crítico, alimentam a criatividade. Claro que tem que haver uma certa habilidade para o desenho caricatural”, complementa.

Enio Lins, pelo próprio
O jornalista e arquiteto Enio Lins avalia que o jornalista chargista pode ser gerado também fora das faculdades, a exemplo dos fotógrafos. A sua formação como desenhista também veio a partir das revistas em quadrinhos. Por suas habilidades com os traços, sempre era chamado a ilustrar os trabalhos estudantis. “Desenhei em "impressos" de todos os meios que me estavam à mão, desde os anos 70. No começo, eram os jornais secundaristas confeccionados no mais rudimentar dos métodos, o mimeógrafo a álcool, depois o mimeógrafo a óleo. Mas o movimento estudantil universitário foi a principal escola, quase simultânea com as primeiras publicações de desenhos na Gazeta de Alagoas”, recorda Enio.

Referências

Nunes Lima
Como todo profissional no início da sua formação, o chargista também recebe a influência das principais referências do setor. Em Alagoas, a charge tem a forte marca de Nunes Lima, que trabalhou na Gazeta de Alagoas durante 50 anos. Hércules Mendes reconhece a importância e o pioneirismo do Nunes. “A sua charges tinha uma linguagem simples, direta, de uma popularidade a toda prova”. Enio Lins também admite ter aprendido com o “mestre Nunes”. “Nos anos 60, eu copiava as charges dele publicadas na Gazeta de Alagoas”. Lamentavelmente, atendendo a orientação médica e dos seus familiares, Nunes não pode conceder entrevista.

Hércules Mendes também recorda dos ensinamentos que recebeu de Carivaldo Brandão, do Jornal de Alagoas, além de outros chargistas que fizeram escola em Alagoas. Billo avalia que Alagoas sempre foi muito bem servida por chargistas.

A expressiva charge alagoana, que já tem uma história de destaque no jornalismo impresso, estranhamente não ocupa espaço algum nos sítios de noticias da internet. Independente das razões, se por contenção de despesas dos proprietários dos sítios ou por falta da adequação da linguagem ao meio, o certo é que o jornalismo perde, com isso, a chance de usar o humor como um dos seus mais contundentes discursos críticos. 

Os entrevistados citaram os seguintes profissionais como referências nas suas formações:

Em Alagoas: Nunes, Enio, Billo, San, Hércules, Manuel Viana, Léo e Carivaldo Brandão.

No Brasil: J. Carlos, Carlos Estêvão, Chico Caruso, Paulo Caruso, Lan, Ziraldo, Paixão, Fernandez, Dálcio, Duck, Siné, Quino, Trúcius, Carlos Estêvão, Millor, Ziraldo, Cláudius, Amorim, Henfil, Ronaldo Cunha Dias, Fortuna, Henfil, Angeli, Glauco, Laerte, Luiz Gê e Luiz Fernando Veríssimo. 

De outros países: Quino, que o Enio identifica como o melhor cartunista do mundo.

Nenhum comentário: