sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

No Caminho com Maiakóvski não é de Maiakóvski

Por essa eu não esperava. Há uma famosa poesia —  muito utilizada nos materiais de propaganda da luta pela anistia e pelas eleições diretas, no final dos anos 70 e início dos 80 —, que era atribuída a Maiakóvski. 

Quem não conhece:

"Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada".

Para minha surpresa, essa poesia não é de Maiakóvski. Pelo menos é o que afirma o poeta Eduardo Alves da Costa.

Motivado em alertar os amigos sobre as possíveis razões políticas dos atos que atingem os profissionais da Rádio Educativa (Edécio, Floraci, Gal e Máclein), fui futucar na Rede e descobri que o autor de "No Caminho com MaiakóvskiI" é o poeta fluminense Eduardo Alves da Costa.

Antes de mostrar a entrevista do poeta fluminense, e para aumentar a polêmica sobre a origem do poema, é justo lembrar que no documentário "Olhos Azuis", de 1995, a professora e socióloga norte-americana Jane Elliott comenta: “No final da Segunda Guerra Mundial, quando eles limpavam os campos de concentração, um ministro luterano disse: “Quando se voltaram contra os judeus, eu não era judeu e não fiz nada. Quando se voltaram contra os homossexuais, eu não era homossexual e não fiz nada. Voltaram-se contra os ciganos e não fiz nada. Quando se voltaram contra mim, não havia ninguém para me defender, Pensem nisso”.

Leia agora a entrevista que Eduardo Alves da Costa deu à Folha de São Paulo, edição de 20.9.2003.

Um Maiakóvski no caminho

Eduardo Alves da Costa
Foi resolvida graças à novela das oito uma confusão de 30 anos. Escrito nos anos 60 pelo poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, 67, o poema "No Caminho, com Maiakóvski" era (quase) sempre creditado ao russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930). Em "Mulheres Apaixonadas", Helena (Christiane Torloni) leu um trecho do poema, dando o crédito correto. 

Foi o suficiente para reavivar a polêmica - resolvida dois capítulos depois, em que a autoria de Costa foi reafirmada - e, de quebra, fazer surgir uma proposta de reeditar o poema, para aproveitar a exposição no horário nobre.

Livro combinado, a noite de autógrafos será na novela. "Pedi que apresse e me mande até o dia 10. Quero lançar aqui", diz Manoel Carlos, autor de "Mulheres".

Eduardo Alves da Costa falou à coluna:

Folha - Você se arrepende de ter posto Maiakóvski no título?

Eduardo Alves da Costa - De maneira nenhuma! Tanto que vou usar o mesmo título para o livro que sai agora.

Folha - Durante mais de 30 anos acreditaram que o poema era dele. Isso não o incomoda?

Costa - Era uma enxurrada muito grande. Saiu em jornais com crédito para Maiakóvski. Fizeram até camisetas na época das Diretas-Já. Virou símbolo da luta contra o regime militar.

Folha - Como surgiu o engano?

Costa - O poema saiu em jornais universitários, nos anos 70. O psicanalista Roberto Freire incluiu em um livro dele e deu crédito ao russo e me colocou como tradutor. Mas já encomendei da França a obra completa do Maiakóvski. Quando alguém me questionar, entrego os cinco volumes e mando achar o poema lá.

Eis o poema completo.

NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!


Um comentário:

Edberto Ticianeli disse...
Este comentário foi removido pelo autor.