A
incapacidade da Ditadura Militar, instalada em 1964 no Brasil, em se legitimar
politicamente, mesmo dentro das instâncias controladas, é um aspecto pouco
estudado desse período. Uma breve análise sobre o Colégio Eleitoral demonstra as crescentes
dificuldades que os militares encontravam para conservar o poder com o
referendo de tal colegiado.
Edberto
Ticianeli
Parlamentares aprovam Castelo Branco em 1966 (Revista Manchete) |
Com o golpe militar contra o presidente João Goulart, no dia 1º de abril de 1964, o cargo de presidente
foi considerado vago. A junta militar
que assume o poder é composta pelo general do exército Artur da Costa e Silva,
tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e vice-almirante Augusto
Hamann Rademaker Grünewald.
Em busca de
legitimação internacional, os generais baixaram o Ato Institucional nº1, em de
9 de abril, criando o Colégio Eleitoral para escolher o Presidente da República.
Na verdade, atribuíram ao Congresso Nacional essa tarefa, tomando o cuidado de
antes cassar os mandatos dos líderes da oposição.
Assim, no
dia 11 de abril de 1964, 12 após o golpe, é “eleito”o primeiro presidente da
Ditadura Militar para exercer o cargo até 31 de janeiro de 1966. O Colégio Eleitoral
era composto por 475 parlamentares, que tinham que escolher entre os seguintes
candidatos: Humberto de Alencar Castello Branco, Juarez Távora e Eurico Gaspar
Dutra, todos ativos participantes do Golpe.
Como era de
se esperar, Castelo Branco (361 votos) foi “eleito” com folga. Os coadjuvantes
também cumpriram os papéis determinados para eles: Juarez Távora (3 votos) e Dutra
(2 votos). Entretanto, as abstenções (72) e não comparecimentos (37)
demonstravam que 23% do colegiado não quiseram referendar o arremedo de
democracia.
Na “eleição”
presidencial de 3 de outubro de 1966, o Colégio eleitoral foi esvaziado pelo
MDB, que se negou a lançar candidato. Artur da Costa e Silva, da linha dura dos
militares, recebeu 294 votos, um número menor do que os votos conseguidos por Castelo
Branco. É dele a iniciativa de implantar o AI 5 e iniciar a fase mais
repressiva da Ditadura.
Em 1968, O
AI 5 é utilizado para fechar a Câmara dos Deputados, que havia negado
autorização para punir o deputado Márcio Moreira Alves, responsável pelo
pronunciamento histórico em que pedia ao povo para boicotar as comemorações do
7 de setembro. É deste pronunciamento a célebre pergunta: "Quando não será
o Exército um valhacouto de torturadores?".
É neste
ambiente que se realiza, no dia 25 de outubro de 1969, a terceira eleição
indireta. Emílio Garrastazu Médici quer assumir com o aval do Colégio Eleitoral
e exige a reabertura do Congresso Nacional. Com 293 votos e 76 abstenções,
Médici anuncia que quer a democracia reestabelecida ao final do seu governo.
Diante da
crescente repulsa ao militares no Congresso, Médici, com a Emenda Constitucional
nº 1, de 17 de outubro de 1969, altera a composição do Colégio Eleitoral, que
passa a ser composto por membros do Congresso Nacional e por delegados das Assembleias
Legislativas estaduais. Cada Assembleia indicava três deputados e mais um por
quinhentos mil eleitores do Estado.
Com a adoção
do novo Colégio Eleitoral, a Ditadura consegue, em 15 de janeiro de 1974,
ampliar a sua votação e eleger Ernesto Geisel com 400 votos. Seu adversário é Ulysses
Guimarães (MDB), consegue somente 76 votos. Entretanto, a “anticandidatura” de
Ulysses Guimarães, mesmo derrotada no Colégio Eleitoral, obedece a uma
estratégia lançada em setembro de 1973, na convenção do MDB.
Ulysses Guimarães discursa na convenção e revela
as intenções da sua “anticandidatura”: “Não é o candidato que vai percorrer o
País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela
anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao
Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações
sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta
clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a Nação
pela censura à Imprensa, ao Rádio, à Televisão, ao Teatro e ao Cinema”.
Tendo como
candidato à vice-presidência o jornalista e advogado Barbosa Lima Sobrinho,
Ulysses mobiliza a oposição e garante uma vitória espetacular do MDB nas
eleições parlamentares de 1974, transformando a vitória de Geisel, no Colégio
Eleitoral, numa das maiores derrotas dos militares.
No dia 15 de
dezembro de 1978, o Colégio Eleitoral indica João Baptista de Oliveira
Figueiredo, com 355 votos, para Presidente da República. O candidato do MDB é Euler
Bentes Monteiro, que consegue expressiva votação, obtendo 226 votos. Era o
anúncio de que os militares estavam com os dias contados no poder.
Mesmo com o
fim do Regime Militar, o Colégio Eleitoral ainda continuou vivo nas eleições de
1985. Nem mesmo as poderosas mobilizações populares por eleições diretas
impediram que o Congresso Nacional rejeitasse a Emenda Dante de Oliveira, que
devolvia ao povo o direito de escolher seu presidente.
Mesmo assim,
a oposição conseguiu a sua primeira vitória no colegiado que estava vivendo o
seu último momento. Tancredo Neves (PMDB + PFL) obteve 480 votos, derrotando Paulo
Salim Maluf (PDS), com 180 votos. Tancredo Neves não chegou a tomar posse,
morrendo por enfermidade no dia 21 de abril de 1985. O seu vice, José Sarney, assumiu
e governou até 1990.
A avaliação
da utilização do Colégio Eleitoral pelo Regime Militar demonstra que a
Ditadura, ao tentar a sua legitimação com a eleição dos seus presidentes por um
colegiado de representantes do povo, terminou por permitir que essa instância
também fosse utilizada para fortalecer a oposição, principalmente a partir de
1974. Pode-se concluir, também, que o povo brasileiro nunca aceitou o Colégio Eleitoral
como um espaço democrático: ao contrário, as eleições acontecidas por lá sempre
foram tratadas como de cartas marcadas.
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