domingo, 2 de junho de 2013

Colégio eleitoral: a Ditadura tentou parecer uma democracia

A incapacidade da Ditadura Militar, instalada em 1964 no Brasil, em se legitimar politicamente, mesmo dentro das instâncias controladas, é um aspecto pouco estudado desse período. Uma breve análise sobre o Colégio Eleitoral demonstra as crescentes dificuldades que os militares encontravam para conservar o poder com o referendo de tal colegiado.

Edberto Ticianeli

Parlamentares aprovam Castelo Branco em 1966
(Revista Manchete)
Com o golpe militar contra o presidente João Goulart, no dia 1º de abril de 1964, o cargo de presidente foi considerado vago.  A junta militar que assume o poder é composta pelo general do exército Artur da Costa e Silva, tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald.

Em busca de legitimação internacional, os generais baixaram o Ato Institucional nº1, em de 9 de abril, criando o Colégio Eleitoral para escolher o Presidente da República. Na verdade, atribuíram ao Congresso Nacional essa tarefa, tomando o cuidado de antes cassar os mandatos dos líderes da oposição.

Assim, no dia 11 de abril de 1964, 12 após o golpe, é “eleito”o primeiro presidente da Ditadura Militar para exercer o cargo até 31 de janeiro de 1966. O Colégio Eleitoral era composto por 475 parlamentares, que tinham que escolher entre os seguintes candidatos: Humberto de Alencar Castello Branco, Juarez Távora e Eurico Gaspar Dutra, todos ativos participantes do Golpe.

Como era de se esperar, Castelo Branco (361 votos) foi “eleito” com folga. Os coadjuvantes também cumpriram os papéis determinados para eles: Juarez Távora (3 votos) e Dutra (2 votos). Entretanto, as abstenções (72) e não comparecimentos (37) demonstravam que 23% do colegiado não quiseram referendar o arremedo de democracia.

Na “eleição” presidencial de 3 de outubro de 1966, o Colégio eleitoral foi esvaziado pelo MDB, que se negou a lançar candidato. Artur da Costa e Silva, da linha dura dos militares, recebeu 294 votos, um número menor do que os votos conseguidos por Castelo Branco. É dele a iniciativa de implantar o AI 5 e iniciar a fase mais repressiva da Ditadura.

Em 1968, O AI 5 é utilizado para fechar a Câmara dos Deputados, que havia negado autorização para punir o deputado Márcio Moreira Alves, responsável pelo pronunciamento histórico em que pedia ao povo para boicotar as comemorações do 7 de setembro. É deste pronunciamento a célebre pergunta: "Quando não será o Exército um valhacouto de torturadores?".
Deputado e jornalista Márcio Moreira Alves

É neste ambiente que se realiza, no dia 25 de outubro de 1969, a terceira eleição indireta. Emílio Garrastazu Médici quer assumir com o aval do Colégio Eleitoral e exige a reabertura do Congresso Nacional. Com 293 votos e 76 abstenções, Médici anuncia que quer a democracia reestabelecida ao final do seu governo.

Diante da crescente repulsa ao militares no Congresso, Médici, com a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, altera a composição do Colégio Eleitoral, que passa a ser composto por membros do Congresso Nacional e por delegados das Assembleias Legislativas estaduais. Cada Assembleia indicava três deputados e mais um por quinhentos mil eleitores do Estado.

Com a adoção do novo Colégio Eleitoral, a Ditadura consegue, em 15 de janeiro de 1974, ampliar a sua votação e eleger Ernesto Geisel com 400 votos. Seu adversário é Ulysses Guimarães (MDB), consegue somente 76 votos. Entretanto, a “anticandidatura” de Ulysses Guimarães, mesmo derrotada no Colégio Eleitoral, obedece a uma estratégia lançada em setembro de 1973, na convenção do MDB.

 Ulysses Guimarães discursa na convenção e revela as intenções da sua “anticandidatura”: “Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a Nação pela censura à Imprensa, ao Rádio, à Televisão, ao Teatro e ao Cinema”.

Tendo como candidato à vice-presidência o jornalista e advogado Barbosa Lima Sobrinho, Ulysses mobiliza a oposição e garante uma vitória espetacular do MDB nas eleições parlamentares de 1974, transformando a vitória de Geisel, no Colégio Eleitoral, numa das maiores derrotas dos militares.
Jornal da Tarde de 1º de abril de 1977

No dia 15 de dezembro de 1978, o Colégio Eleitoral indica João Baptista de Oliveira Figueiredo, com 355 votos, para Presidente da República. O candidato do MDB é Euler Bentes Monteiro, que consegue expressiva votação, obtendo 226 votos. Era o anúncio de que os militares estavam com os dias contados no poder.

Mesmo com o fim do Regime Militar, o Colégio Eleitoral ainda continuou vivo nas eleições de 1985. Nem mesmo as poderosas mobilizações populares por eleições diretas impediram que o Congresso Nacional rejeitasse a Emenda Dante de Oliveira, que devolvia ao povo o direito de escolher seu presidente.

Mesmo assim, a oposição conseguiu a sua primeira vitória no colegiado que estava vivendo o seu último momento. Tancredo Neves (PMDB + PFL) obteve 480 votos, derrotando Paulo Salim Maluf (PDS), com 180 votos. Tancredo Neves não chegou a tomar posse, morrendo por enfermidade no dia 21 de abril de 1985. O seu vice, José Sarney, assumiu e governou até 1990.

A avaliação da utilização do Colégio Eleitoral pelo Regime Militar demonstra que a Ditadura, ao tentar a sua legitimação com a eleição dos seus presidentes por um colegiado de representantes do povo, terminou por permitir que essa instância também fosse utilizada para fortalecer a oposição, principalmente a partir de 1974. Pode-se concluir, também, que o povo brasileiro nunca aceitou o Colégio Eleitoral como um espaço democrático: ao contrário, as eleições acontecidas por lá sempre foram tratadas como de cartas marcadas.


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