sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Vingando uma camisa


Edberto Ticianeli

Todo menino que aprontou tem uma história para contar envolvendo bicicleta. Não escapo dessa máxima.

Morador da Ponta Grossa, com 12 anos de idade, o meu sonho era ter uma bicicleta. Como as condições da família não permitiam, a solução era alugar uma.

Existiam várias garagens alugando bicicletas na Ponta Grossa, normalmente eram equipamentos velhos e precários. Os seus proprietários tinham um controle rígido sobre o tempo do aluguel: uma hora era uma hora. Os que falhavam eram excluídos do quadro de locatários idôneos e ficavam sem poder alugar bicicletas.

Por essa falta de flexibilidade, eu fui reduzindo as minhas opções de acesso às garagens, até que somente me restou a do “Chupeta”, lá no Vergel, nos fundos do Colégio Municipal. “Chupeta” era o terror dos atrasados. Lá o pagamento era adiantado e a camisa do usuário ficava penhorada como garantia, e ainda sofria a ameaça de passar por um bronzeamento num latão cheio de óleo queimado, caso houvesse atraso.

Durante semanas consegui cumprir o horário estabelecido para devolver a bicicleta, mas sempre tem aquele dia em que você perde a hora. Naquele sábado, corri o que pude para cumprir o acertado, contudo, ao entregar a bicicleta, calmamente o “Chupeta” disse:

— Menino, pegue a sua camisa dentro daquele balde ali.

A raiva era tanta que quando cheguei em casa, a vingança já estava arquitetada. Combinei com alguns amigos os detalhes e, no sábado seguinte, eles foram até o “Chupeta” e locaram quatro bicicletas, pagas por mim. Claro que deixaram camisas velhas, previamente escolhidas para terem um triste fim. Aguardei escondido na esquina do Colégio Municipal. De posse das bicicletas, seguimos pela Avenida Monte Castelo em direção à “pista”, um píer de concreto que recebia os hidroaviões dos anos 20, quando a Lagoa Mundaú era o nosso aeroporto.

A “pista”, durante os sábados à tarde, se transformava numa passarela para os ciclistas da região. Recebia bicicletas ornamentadas e malabaristas das duas rodas. A construção permitia isso, já que avançava lagoa adentro. Conseguir se equilibrar sobre as suas muretas laterais era o maior desafio do local. A “pista” terminava num declive suave, mergulhando na Mundaú.

Chegamos nessa festa com as nossas bicicletas alugadas — uma vergonha para os padrões do local — e fizemos o reconhecimento da área com um breve passeio. Depois disso, nos postamos alinhados e arrancamos em direção à lagoa. Para surpresa de todos, mergulhamos em alta velocidade, levando junto as bicicletas.

Saímos da Mundaú calmamente, deixando lá, para sempre, as bicicletas do “Chupeta”. Minha camisa estava vingada.

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