Delegado da ditadura diz ter participado da decisão. E confessa
o assassinato de dirigente comunista Nestor Veras
Tales Faria, iG Brasília
Delegado Cláudio Guerra |
Símbolo da
linha-dura do regime militar, o delegado Sérgio Paranhos Fleury –
titular da Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo – foi
assassinado por ordem de um grupo de militares e de policiais rebelados
contra o processo de abertura política iniciado pelo ex-presidente Ernesto
Geisel. É o que afirma Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do DOPS
(Departamento de Operações Políticas e Sociais) do Espírito Santo.
Em depoimento aos jornalistas Marcelo
Netto e Rogério Medeiros, no livro “Memórias de uma guerra suja”, que
acaba de ser editado pela Topbooks, Guerra conta ter participado da
reunião em que foi decidida a morte de Fleury.
Ele próprio teria dado a ideia de fazer
tudo parecer um acidente. Acabou sendo enviado para liquidar o colega. Mas, por
problemas operacionais, a execução teria ficado para um grupo de militares do
Cenimar, o Centro de Informações da Marinha.
No livro ao qual o iG teve
acesso, o delegado confessa ter sido um dos principais encarregados pelo regime
militar de matar adversários da ditadura entre os anos 70 e 80.
Guerra está sob proteção da Polícia
federal. Tornou-se uma testemunha-chave às vésperas do início dos trabalhos da
Comissão da Verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre
1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988).
Ele conta ter executado pessoalmente militantes de esquerda como
Nestor Veras, do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
após uma sessão de tortura da qual afirma não ter participado:
“(Veras) tinha sido muito torturado e
estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no
peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de Furtos em Belo Horizonte.
Após tirá-lo de lá, nós o levamos para uma mata e demos os tiros. Foi enterrado
por nós.”
Além do assassinato de Veras, Guerra conta como matou, a
mando de seus superiores, outros militantes contra o regime, como: Ronaldo
Mouth Queiroz (estudante universitário e membro da Aliança Libertadora
Nacional – ALN); Emanuel Bezerra Santos, Manoel Lisboa de Moura (estudante
de Alagoas) e Manoel Aleixo da Silva (os três, do Partido
Comunista Revolucionário – PCR).
Queima de arquivo
Queima de arquivo
“O delegado Fleury tinha de morrer.
Foi uma decisão unânime de nossa comunidade, em São Paulo, numa votação feita
em local público, o restaurante Baby Beef”, afirma Cláudio Guerra.
Além dele, segundo conta, estavam sentados à mesa e participaram da votação: o coronel do Exército Ênio Pimentel da Silveira (conhecido como “Doutor Ney”); o coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva (Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça); o delegado da Polícia Civil de São Paulo Aparecido Laertes Calandra; o coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço Nacional de Informações); o comandante Antônio Vieira (Cenimar); e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do Departamento de Operações de Informações do 2º Exército – DOI-Codi), que abriu a reunião.O ex-delegado dá os nomes dos comandantes da operação, “os mesmos de sempre”:
“Fleury tinha se
tornado um homem rico, desviando dinheiro dos empresários que pagavam para
sustentar as ações clandestinas do regime militar. Não obedecia mais a ninguém,
agindo por conta própria. E exorbitava. (...) Nessa época, o hábito de cheirar
cocaína também já fazia parte de sua vida. Cansei de ver.”
Guerra conta que chegou a fazer campana
para a execução, mas o colega andava sempre cercado de muita gente. “Dias depois os planos mudaram, porque Fleury
comprou uma lancha. Informaram-me que a minha ideia do 'acidente' seria
mantida, mas agora envolvendo essa sua nova aquisição – um ‘acidente’ com o
barco facilitaria muito o planejamento.”
A história oficial é, de fato,
que o delegado paulista morreu acidentalmente em Ilhabela, ao tombar da lancha.
Mas Guerra afirma que Fleury na verdade foi dopado e levou uma pedrada na
cabeça antes de cair no mar.
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