Edberto Ticianeli
Zé Correia - Foto de José Feitosa |
A reunião do secretariado estadual do PCdoB em Alagoas entrou madrugada adentro. Mesmo sabendo que teria que viajar no início da manhã, permaneci na reunião pela importância dos assuntos. Estávamos no final de 1978 e discutíamos a intervenção do partido na construção do PMDB, organização que sucederia ao velho MDB, que até então abrigava as várias organizações de esquerda impedidas de se legalizarem pela Ditadura.
A minha viagem era em direção à Água Branca com o objetivo de fazer contato com o grupo remanescente de Ação Popular que atuava na área de Pariconha. O trabalho político deles estava desorganizado desde 1968, quando houve a prisão do goiano Aldo Arantes, um dos dirigentes de AP, e o fechamento do sindicato rural. A posterior fuga de Aldo Arantes, de uma delegacia em Maceió, é uma verdadeira epopeia na história das esquerdas em Alagoas.
O nome indicado para o contato em Água Branca foi fornecido por Zé Novaes, que também tinha vindo da AP para o PCdoB, e atuava no interior da Bahia. Ele orientara que devíamos procurar, na feira livre de Água Branca, por um feirante de nome Arlindo Perigoso, que morava no povoado de Pariconha. Passei a manhã inteira viajando num ônibus velho que parava em todo lugar, e só cheguei à cidade sertaneja perto do meio-dia.
Perambulei pela feira conversando com os comerciantes e oferecendo mercadorias de Maceió, já que a minha justificativa para estar no lugar era a de que eu era um atacadista que tentava ampliar seus negócios. Quando achei que já estava razoavelmente ambientado, comecei a perguntar pelo Arlindo Perigoso, com a desculpa de que tinham me indicado ele como um possível cliente. Ninguém sabia onde ele estava. A partir daí percebi que estava sendo observado por olhares preocupados.
Como o ambiente tinha ficado inamistoso, resolvi que era hora de me retirar. Peguei uma Rural – automóvel que substituía o ônibus – que ia para Delmiro Gouveia e saltei na entrada para Pariconha, para tentar localizar Arlindo onde morava. O local, que era mais conhecido pelo matadouro que funcionava ali, estava deserto e não tinha nenhum transporte. Aguardei o quanto pude, mas, com o anoitecer, resolvi que era hora de desistir. O dinheiro curto só me permitiu fazer uma refeição em Maria Bode, chegar à Delmiro Gouveia e comprar a passagem de volta num ônibus que vinha de Paulo Afonso às 23 horas.
Em meados de 1979, o PMDB fazia uma reunião em sua sede, na Rua 2 de Dezembro, com representantes de vários municípios. Muitos estavam participando pela primeira vez de uma atividade do novo partido, entre eles, um filiado de Água Branca. Num intervalo da reunião, encontrei o citado cidadão na calçada fumando. Puxei conversa com ele e perguntei por Arlindo Perigoso. A sua reação foi de espanto. Olhou-me com dúvidas e perguntou se eu tinha sido a pessoa que esteve em Água Branca à procura do Arlindo. Confirmei e ele quis saber o que eu queria com ele. Respondi que Zé Novaes havia me indicado que ele era o contato com os remanescentes da AP na região.
Jorge Vieira (CIMI), deputado Judson Cabral, Zé Correia e Nina Katokinn, na Aldeia em Pariconha |
Ainda desconfiado, ele perguntou se eu conhecia a Binha - Alba Correia, uma das dirigentes de AP, mas que já estava no PCdoB. Respondi que sim, mas tive que ir buscar a Alba para que ele concordasse em conversar sobre a retomada do trabalho. Foi assim que Zé Correia voltou à atividade organizada na militância política de esquerda. Hoje, ele e seus irmãos – Jaime e Josué - continuam na luta política, agora no já município de Pariconha. Estive com eles recentemente numa atividade junto aos índios Katokinn. Continuam os mesmos lutadores pela causa dos explorados.
A história dessa experiência política em Pariconha está contada, com ricos detalhes, no livro Serra dos Perigosos – guerrilha e índio no sertão de Alagoas, de Amaro Hélio Leite da Silva, publicado pela Edufal. É um estudo importante para se conhecer uma parte da história da AP em Alagoas e da luta dos sertanejos.
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