domingo, 5 de julho de 2009

Papel no Varal em noite de chuva


Ricardo Cabús


Quando cheguei ao Bar Delícia das Águas, meia hora antes das oito, estava tudo pronto. Taísa e sua equipe já haviam deixado o varal de acordo com o figurino. Os cem poemas de cem autores estavam aleatoriamente pendurados nas áreas cobertas do bar. Cris Braun já tinha preparado o som como queria, com seus cabos e microfone a postos. Havia um detalhe no ajuste do som ambiente, que foi resolvido depois de alguma negociação com os botões da mesa de som. Tayra e Amanda atendiam os clientes que chegaram cedo ou nem sabiam do sarau que iria ocorrer logo em seguida. A chuva havia parado, mas o céu dizia que a noite seria molhada. A banca de livros foi montada, com obras de poetas alagoanos, graças ao Marcos de Farias Costa que forneceu parte do generoso acervo de poesia do sebo Dialética. Fernando Fiúza, Tainan Costa e Arriete Vilela também deixaram alguns exemplares.
Embora previsto para as oito, o evento começou pontualmente às nove horas. Não adianta dar murro em ponta de faca. Esse tempo serviu para boas conversas e apresentações entre pessoas que passavam a se conhecer a partir de um motivo comum. Chamei o Zé Márcio para abrir a noite, após explicar o Projeto e as regras do sarau – qualquer um pode ler qualquer poema do varal, porém um poeta não pode ler seu próprio poema e só vale o que está no varal. Para dar um norte, Zé Márcio escolheu Pontos Cardeais do Marcos de Farias Costa. Daí, seguiram-se 50 minutos de poemas interpretados por muita gente legal. Dentre outros, Jorge de Lima, Alice Ruiz, Augusto dos Anjos e Jorge Cooper se misturaram a Chico Doido do Caicó, Paulo Leminski, Mário Benedetti e TS Eliot nas mais diferentes vozes e interpretações.
Veio o intervalo e Cris Braun tomou conta do palco dando um super show, com direito a se pendurar no banco e contar histórias dos tempos de Sex Beatles, quando suas coxas foram eleitas as mais gostosas do país pela revista Heavy Metal. Voltamos para a segunda parte do sarau e convidei o Paulo Poeta para declamar Patativa do Assaré. A partir deste momento, novos atores surgiram e a noite de poesias aconteceu surpreendentemente até pouco depois da meia-noite, quando convidei Altair Roque para uma canja que varou a madrugada.
Chamou a atenção a quantidade de jovens que participaram ativamente do sarau, se juntando aos veteranos, como Dydha Lyra, Fernando Fiúza, Letícia, Malu e a própria Cris Braun que também se destacou na interpretação de poemas. Os jovens em geral começavam tímidos, tensos e se soltavam com o andar do poema. A declamação de Beijo Eterno de Castro Alves, por Rachel foi um dos pontos altos dessa leva. Amanda também interpretou com bela desenvoltura alguns poemas. Por sua vez Allan, a caminho do palco, antes de ler mais uma peça, disse a frase da noite: “Isto vicia”.
Aqui, acolá ocorreram algumas transgressões às regras do sarau por pessoas que chegaram atrasadas e não sabiam do jogo. Mas nada que comprometesse o espírito de participação coletiva onde a poesia se sobrepõe ao indivíduo. E a chuva? Sim, a chuva voltou várias vezes e em alguns momentos deu ao vento a oportunidade de jogar um banho em quem ficasse próximo às bordas do toldo, postado na entrada do bar.
E mesmo assim, com chuva no céu e final da Copa do Brasil nas tevês, o Papel no Varal compartilhou poesia com algo em torno de uma centena de seres permeáveis ao sentimento brotado de outra centena de autores que juntaram palavras que foram impressas e jogadas em um varal, quarando ao vento de em uma noite úmida e feliz.


Ricardo Cabús (r.cabus@gmail.com), coordenador do Projeto Papel no Varal, é poeta e professor universitário.

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