No início dos anos 70, a Ponta Grossa ainda guardava costumes
antigos, como o de manter as portas destrancadas. Em nossa casa, a porta só era
fechada à chave para a família dormir. O velho casarão de esquina entre a Rua
Santo Antônio e a Guaicurus era muito frequentado e as portas estavam sempre
abertas.
Chegando em casa, num final de tarde, cansado e suado da caminhada
desde o Colégio Estadual de Alagoas, rodei apressadamente a maçaneta para abrir a
porta. Estranhamente estava trancada. Percebi que havia movimento na sala,
olhei para dentro por uma das janelinhas e vi um senhor sentado em frente ao
meu pai. Quando pensei em perguntar o que estava acontecendo, o cidadão, percebendo a minha presença, levantou-se e veio desesperadamente na direção da
porta implorando:
– Moço, pelo amor de Deus, me deixe sair daqui!
Olhei para meu pai e coloquei uma expressão interrogativa no
rosto, querendo saber o que estava acontecendo. Ele abriu a porta, tomando o
cuidado de não deixar brecha para o escape do indivíduo; fez-me entrar e passou
a chave de novo, guardando-a no bolso.
– Eu quero ir embora, moço! Seu pai é o cão em pessoa – implorava,
aflito e suado o senhor que segurava alguns livros sob o braço.
Gilberto Soares Pinto, comunista de fortes convicções e ansioso
por um debate, calmamente pediu ao cidadão que sentasse enquanto ele iria
me explicar a situação.
– Veja bem, meu filho, se não estou com razão. Esse cidadão bateu
a porta, começou a falar e foi entrando. Não me perguntou se eu queria ouvir a
pregação dele. Falou durante uma hora e meia sobre a sua fé em Jesus e sobre as
Testemunhas de Jeová. Fiquei calado. Quando ele terminou, eu disse que era a
minha vez de pregar. Fechei a porta com chave e estou provando a ele que o
comunismo é que é o paraíso. Só gastei até agora 40 minutos e ele já está me
chamando de satanás, demônio e outras besteiras.
– Deixe o homem ir embora! Ele está quase chorando por causa da
sua pregação – pedi com calma e com vontade de rir da situação.
– Isso mesmo moço, abra essa porta pelo amor de Deus, que eu juro
que jamais volto aqui – voltou a implorar o crente.
Ponderei junto ao meu pai que dificilmente converteria o dedicado
pregador à causa do socialismo. Ele ainda tentou explicar que tinha o direito
de falar o mesmo tempo que o pregador, e que isso era uma lição para ele aprender
a antes de começar a pregar procurar saber se outros querem ouvir. Convenci a
ele que a lição já tinha sido aprendida e que já era hora de deixar o cidadão
ir embora. Mesmo contrariado, ele resolveu ceder. Abriu a porta e assistimos um
ágil pregador escapar daquela “torturante” explanação das idéias comunistas.
Deve ter saído dali com a certeza de que tinha encontrado com o diabo em
pessoa.
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