quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Do Cangote Ao Coração

O texto abaixo é do Máclein. Como sempre, verdadeiro e polêmico. Uma bela homenagem ao Edécio Lopes.

A primeira vez em que trocamos um abraço cordial e amigável foi também à primeira vez que percebi a fragrância de uma colônia suave, bem leve, daquelas que as mães usam nos bebês. Senti-me seguro para ousar, pois o alvo da ousadia era de uma sensibilidade humana que me transmitia confiança e tranqüilidade, apesar de ser um ícone. Tal ousadia me permitiu o primeiro cheiro no Edécio. A partir de então, sempre que renovávamos o nosso afetuoso e respeitoso abraço, eu cheirava o seu cangote, comentava sobre sua colônia, e dizia que ele era o único homem que eu gostava de cheirar. Ele ria e respondia que eu era engraçado.
Não sou eu quem vai dizer, afirmar, ratificar, o quanto Edécio Lopes significou para a construção dos alicerces e posteriores acabamentos da estrutura do rádio alagoano. Não tenho vivência histórica para isso. Porém, muito ficou registrado e resistirá. Os fatos não morrem, as lembranças devem ser refratárias e atemporais, mesmo num país de memória curta e num Estado onde o segmento comunicação - no qual ele atuou - é monopólio político e, portanto, utilizado pelos tais como ferramenta de manobra e extensão dos seus domínios privados e relações patronais. Dessa forma, dificilmente poderia ser visto e respeitado como veículo capaz de transformações culturais, sobretudo, feitas a partir dos profissionais que nele atuam e com o respeito que eles merecem. Não, na nossa latitude.
Vai ver que por isso, travestido do ponto de vista acima exposto, atropelando a lógica e o ícone Edécio Lopes, o ex-presidente do IZP, munido de uma servil frieza jurídica e absoluta falta de sensibilidade, respeito e sabedoria, agiu da maneira que agem os ditadores de plantão, retirando grosseiramente o Manhãs Brasileiras do ar e da programação da Rádio Educativa FM. Foi um grande baque para o mestre. Diferente de mim, que também tive o programa Revista Educativa censurado e retirado do ar - pelo mesmo dendêrizado gestor -, no meu caso, o cerne da questão era ideológico. De um lado, retrograda censura. Do outro, a irredutível convicção da mais absoluta necessidade de liberdade de expressão em um veículo público de comunicação. Já o Manhãs Brasileiras, não. Estava acima disso tudo. O programa era o Edécio e o Edécio era o Manhãs Brasileiras.
Evito hospitais e mais ainda cemitérios. Apesar de já ter tirado uma soneca maravilhosa no gramado do cemitério de Kriens. O fato é que eu costumo dizer que, na minha hora, só irei se me levarem. E mais, na lápide vai estar escrito: "não estou aqui". Por isso, não tive coragem de visitar o Edécio durante sua convalescença, pois sabia que não poderia abraçá-lo, dar um cheiro e comentar sobre sua colônia. Queria reter, e agora tenho, a imagem que sempre tive dele. Porém, submetendo-me ao inexorável, compareci ao seu sepultamento na vã tentativa de, com um silencioso adeus, prestar uma singela e particular homenagem ao grande mestre e amigo. Lá, ficou evidente - quando os Seresteiros da Pitanguinha cantaram Cidade Sorriso - que, mais do que qualquer coisa, a arte eterniza o homem.

Nenhum comentário: