|
Reunião do movimento estudantil em 1979. Foto de Josival Monteiro |
A
reconquista do movimento estudantil pela esquerda em Alagoas após as prisões
dos dirigentes estudantis em 1973, teve as primeiras iniciativas ainda em 1975,
mas foi em 1978 que todas as entidades de estudantes da UFAL passaram a ser
dirigidas por lideranças de esquerda.
Antes, em
1977, a vitória de Renan Calheiros na Área III, de Humanas, permitiu que a primeira trincheira fosse ocupada por estudantes comprometidos com as lutas democráticas. Foi o Diretório da Área III
que abrigou todo o movimento estudantil. As suas reuniões tinham desde a
participação de estudantes da Escola de Ciências Médica, até a secundaristas da
Escola Técnica.
Em 1978, o
Diretório da Área I (Exatas) foi presidido por Edberto Ticianeli. O da Área II (Saúde) pelo
Maurício Macedo e o da Área III por Régis Cavalcante. A primeira grande
mobilização foi pela reconstrução dos Centros Acadêmicos que tinham sido
fechados pela Ditadura, e a criação de Centros Acadêmicos nos novos cursos da Ufal.
|
Assembleia na Ufal. Foto de José Feitosa |
Essa
estratégia procurava aproximar as entidades da luta dos estudantes. A
experiência da greve de Arquitetura, em 1977, deixou claro que as lutas
econômicas eram mais mobilizadoras dos estudantes. Desta greve surgiu o Centro Acadêmico
de Arquitetura.
Greve de
Engenharia
Thomaz
Beltrão, no início de 1979, sucedeu Ticianeli na presidência do Diretório da Área I. O
nível de organização nos cursos de Engenharia, Arquitetura e Agronomia era
muito elevado. Em todos, atuavam de forma organizada núcleos de militantes do
PCdoB. Logo, os Centros Acadêmicos estavam funcionando a todo vapor. Eram os
últimos dias dos Diretórios de Área.
Na
Engenharia, a insatisfação com os níveis de repetência nas disciplinas ensinadas
pelo professor Arlindo Cabús provocava inúmeras reuniões entre estudantes e
dirigentes da Ufal. Com o próprio professor, houve conversas para se tentar
encontrar uma fórmula de reduzir as reprovações para um nível aceitável.
Não havia
acordo e os estudantes resolveram entrar em greve. A reivindicação apresentada ao
reitor Manoel Ramalho cobrava o afastamento do professor do curso de Engenharia.
Uma tarefa difícil para estudantes em um regime de Ditadura Militar.
Diante da
complexidade da situação, todas as lideranças correram em auxílio aos estudantes da Engenharia. A
greve agora era uma luta que tinha o apoio de todo movimento
estudantil. A mobilização ganhou corpo e resolveu ir às ruas.
Mesmo sob
imensa pressão da polícia, no início de novembro de 1979 foi realizada a
primeira passeata de rua desse período de retomada dos movimentos sociais em
Alagoas. Centenas de estudantes se concentraram na Rua Boa Vista, em frente ao
Jornal de Alagoas, e saíram em marcha pelo centro da cidade.
|
Passeata na greve de Engenharia em 1979 |
O clima era
tenso. Era esperada alguma provocação da polícia para justificar uma ação
violenta contra a manifestação. Os estudantes não queriam dar motivos para isso e deixavam claro que era uma luta contra o autoritarismo da Ufal e que precisavam do apoio
da população. Esse apoio veio logo. As histórias sobre as reprovações deste professor
eram conhecidas por muita gente.
Posse de
João Azevedo
O reitor
Manoel Ramalho estava em fim de mandato e parecia que não ia resolver nada.
Havia muita conversa e pouca resolução. A greve prolongada já entrava num
momento de desgaste. Muitos alunos temiam perder o ano por causa da
paralisação. A estratégia adotada foi a de endurecer a luta para abreviá-la.
Como a posse
do novo reitor, João Azevedo, estava marcada para o dia 29 de novembro de 1979,
resolveu-se que aquele era o momento propício para uma ação mais ousada. Em
segredo, preparam uma ação para impedir o ato se não houvesse nenhuma proposta da
Reitoria para a reivindicação dos estudantes.
|
Estudantes cercam a Reitoria e preparam invasão do auditório |
Na quinta-feira
à tarde, a Reitoria, que ficava na Praça Sinimbu, foi tomada de assalto por
centenas de estudantes. O auditório, onde haveria a transmissão de cargo, foi ocupado
por jovens com faixas que cobravam o direito da UNE falar na solenidade.
Houve uma negociação e ficou acertado que Aldo Rebelo, então secretário-geral
da entidade nacional dos estudantes, usaria da palavra.
|
Convidados e manifestantes dividiram o auditório da Reitoria |
Um episódio marcou a chegada dos convidados para a solenidade de posse do reitor João Azevedo. O governador Guilherme Palmeira, ao chegar à porta da Reitoria, recebe uma estrondosa vaia dos estudantes. Ele, desatento, para e pergunta a um assessor: "Eles estão vaiando quem?". O assessor rapidamente responde: "Governador, vamos sair daqui que a vaia é para o senhor".
Como o clima era de beligerância, o discurso
do Aldo surpreendeu a todos. De forma equilibrada e inteligente, ele construiu sólidos
argumentos para cobrar uma postura democrática dos dirigentes da Ufal. Lembrou
os feitos heroicos de alagoanos para afirmar que tínhamos uma memória a honrar.
Os estudantes foram recebidos pelo reitor João Azevedo, que assumiu o compromisso de que logo apresentaria uma solução.
|
Aldo Rebelo fala durante posse do reitor João Azevedo |
Dias depois houve a reunião e o reitor João Azevedo explicou as dificuldades regimentais
que tinha para afastar o citado professor, mas se comprometeu a “promovê-lo”
para outro cargo. No final do ano letivo, Arlindo Cabús assumiu a presidência
da Copeve, a comissão que organizava o concurso vestibular da Ufal.
A vitória trouxe benefícios imediatos para muitos estudantes de Engenharia, que estavam
com seus cursos ameaçados diante das repetências. Para nós, a satisfação maior era a de termos enfrentado
um problema que era comum a vários professores: o autoritarismo nas relações
com os estudantes.
Muitos destes estudantes que estavam para ser jubilados por não não conseguiram se formar no período de tempo exigido pela Universidade, hoje são profissionais renomados e bem sucedidos. Aprenderam o que que tinham que aprender com outros professores que adotavam critérios de avaliação mais adequados.
|
Reitor João Azevedo negocia com lideranças estudantis |
Esse luta contra esse tipo de autoritarismo é pouco lembrada. Na época, não só se enfrentava um poder militar arbitrário;
tinha-se também que travar as pequenas batalhas para derrotarmos uma cultura autoritária
incorporada à pedagogia de então. Muitos professores, depois, fizeram
autocrítica por terem se valido do terror do poder ditatorial para dominar os
estudantes em sala de aula.
|
Polícia acompanha a saída dos estudantes após a manifestação |
Hoje, as relações entre professores e alunos são bens diferentes. Os avanços são evidentes. Mas não custa lembrar que a trajetória entre a palmatória e a pedagogia libertária não foi curta e nem fácil.
DISCURSO DE ALDO REBELO
Magnífico
Reitor João Azevedo,
Autoridades
civis, militares e eclesiásticas aqui presentes,
Companheiros
professores,
Colegas de
Engenharia,
Companheiros
grevistas aqui presentes,
Disse certo,
correto e coerente o professor João Azevedo quando se referiu de maneira
serena, de maneira sóbria, de maneira verdadeira à crise, à assombrosa crise
que atravessa o ensino superior no Brasil, que atravessa a educação enquanto
instituição em nosso País, que atravessa, também, por não fugir à regra, por
não ser uma exceção observada, atravessa, também a crise, a Universidade
Federal de Alagoas.
Temos
conhecimento que, através dos anos, de governos autoritários que se sucederam,
a Universidade, a Educação deste País foi a vítima maior da diminuição das
verbas que afetou os serviços prioritários da Nação, principalmente a saúde,
principalmente a educação, principalmente a assistência social. No orçamento de
1980, o governo brasileiro destinará, apenas, 4,28 % do Orçamento do País, como
dotação para o Ministério da Educação.
|
Estudantes esperam a chegada do reitor |
Isto,
senhores professores, magnífico reitor, companheiros aqui presentes, significa,
infelizmente, a menor quota concedida à educação, nestes últimos quinze anos em
nosso País. E isto, tem razão o Professor João Azevedo, é muito grave. É muito
grave quanto sabemos que várias escolas de nível superior, neste País, ameaçam
fechar, ameaçam cancelar seus vestibulares por não encontrar condições de pagar
sequer aos funcionários da limpeza, como é o caso da Universidade Federal de
Minas Gerais. O magnífico reitor daquela instituição de ensino superior, numa
assembleia geral com seus professores, com seus estudantes e com seus
funcionários, colocou a dura realidade de que várias escolas da Área de
Ciências Humanas da UFMG fechariam suas portas, dispensariam seus estudantes,
colocaria a serviço de outras instituições seus professores, por falta absoluta
de verba.
E é
particularmente mais grave ainda quando nós sabemos que esta crise não é,
apenas, uma crise administrativo-financeira; quando sabemos que esta crise não
é apenas crise que não permita que os estudantes da UFAL terem acesso ao restaurante
universitário; não é uma crise, apenas, que não permita que estudantes da UFAL
tenham uma biblioteca por cada curso, sem bebedouros funcionando; que obriga os
estudantes de Direito e de outros cursos a perambularem de sala em sala atrás
de uma cadeira onde sentar; não apenas uma crise desse tipo. É uma crise mais
profunda. É a própria crise de identidade que separa a educação do povo, que
separa a criatividade cultural, que separa a pesquisa científica das
necessidades tecnológicas do País, das necessidades culturais, das necessidades
econômicas e das necessidades sociais da comunidade. É a crise que afasta o
médico, que afasta o engenheiro, que afasta o advogado, que afasta qualquer
técnico de nível superior das camadas mais pobres e mais humildes porque não
têm condições de pagar um serviço caro, um serviço de alto custo. É uma crise
mais grave ainda porque não tem saída, porque não tem outra opção senão quando
formado ir servir a interesses alienígenas, aos interesses dos exploradores, daqueles
que transferem para cá, que transferem para a nossa pátria o seu dinheiro para
aqui acumular, para aqui nos explorar e para aqui, também, levar o que existe
de criatividade em nosso País. E esta crise precisa ser superada.
|
Deputado Estadual Renan Calheiros |
Fala o professor
João Azevedo: o homem nordestino, humilde, sereno, altivo ao mesmo tempo, é
aquele que só agradece quanto tem certeza de que faz com honestidade. Mas o
agradecimento, a certeza da honestidade, a dignidade e a humildade ao mesmo
tempo do homem nordestino traz, também, no seu bojo uma história de lutas e uma
história de reivindicações que vem desde os tempos do Zumbi do Quilombo dos
Palmares, que, rolando as serras, morreu ao lado de milhares de seus
compatriotas africanos aqui presentes, ludibriados pelos latifundiários e donos
dos engenhos de açúcar. Traz, também, a dignidade da luta dos cangaceiros de
Lampião que não se submeteram à perseguição policial e que entraram nas brenhas
resistindo o tempo todo.
E exata
resistência, companheiros, é o que nos cabe aqui evocar. É a resistência dos
brasileiros, é a resistência que vem desde o tempo dos portugueses quando os
estudantes, ao lado deles, expulsaram daqui os franceses; quando os estudantes,
ao lado deles, também expulsaram os invasores holandeses. E hoje, aqui presentes,
nós temos novamente a dar este testemunho de resistência.
A
universidade subjugada, a universidade submetida, a universidade escravizada, a
universidade entregue de braços abertos aos interesses imperialistas, a
universidade entregue de braços abertos aos interesses mercantilistas não pode
continuar. Essa universidade exige dos estudantes, exige dos professores, exige
de todos os homens de boa vontade, de todos os patriotas, de todos os
democratas deste País um posicionamento firme. Não podemos deixar,
companheiros, – é também obrigação nossa – que a Universidade Federal do Acre,
onde nós estivemos há pouco mais de um mês, seja transformada num campo de
concentração que favorecerá, certamente com os cursos que lá estão sendo
criados, aos grandes latifundiários que estão destruindo, de uma vez por todas,
a Amazônia. Um companheiro nosso mostrava um mapa do Acre, construído há mais de
dez anos, onde dezenas (...) estão hoje desaparecidas, morrendo na Cordilheira
dos Andes, nas nascentes dos rios Tocantins e Purus. Esta ameaça que nos fuzila
como se animais fossem, é esta ameaça que também paira sobre a universidade.
E este grito
uníssono, este grito bravo, este grito de resistência dos companheiros de
Engenharia que aqui se encontram em greve é um testemunho de que, em nossa terra
existe resistência; é um testemunho de que não morreu a luta de Tiradentes; é
um testemunho de que não morreu a luta daqueles que tombaram, inclusive
estudantes, ao longo desses quinze anos em defesa desta terra explorada e
oprimida.
E agora,
quando toma posse o digníssimo, o caríssimo, o magnífico reitor João Azevedo,
de quem tomamos várias horas em diálogo quando representávamos aqui os
estudantes, no seu gabinete de Vice-Reitor, de quem nos aproximamos através de
embates sobre nossas reivindicações, agora à tarde, dou o testemunho desses
companheiros que estão aqui em greve. Os companheiros de Engenharia querem
aula. Os companheiros de Engenharia querem professores. Os companheiros de
Engenharia querem melhores condições de ensino, mas os companheiros de
Engenharia também querem justiça. Os companheiros de Engenharia exigem que a
Universidade democrática seja democrática, também, com os estudantes; que a
Universidade combativa tenha, em primeiro lugar, a participação daqueles que a
conseguem com o seu saber e a sua cultura; dos professores, dos pesquisadores
e, também, dos estudantes, como dos funcionários que, labutando dentro dos
gabinetes, e também trabalhando dentro dos laboratórios, constituem a força de
trabalho que botam o ensino, a educação e a cultura para frente.
E este
testemunho, finalizando, é testemunho de que o Prof. João Azevedo se
comprometerá, certamente, como sempre tentou se comprometer, apesar de não
representar a sua própria vontade, apesar de não poder passar, certamente,
pelos instrumentos de arbítrio que o prendem, que o amarram como amarram todas
as instituições deste País, apesar de, como nós, ser fruto da mesma cadeia que
cerceia a liberdade de pesquisa, que cerceia a liberdade da palavra, ele,
certamente, se comprometerá com as reivindicações. Ele, certamente, tirará a
Universidade, tirará da Escola de Engenharia - se for, realmente, reivindicação
justa dos estudantes - um professor que não corresponde às suas aspirações. E
ele, certamente, também, se colocará a favor da nossa luta pelo fim desse
instrumento opressivo, pelo fim desse instrumento que não ajuda a construção de
uma Universidade democrática que é o maldito instrumento do jubilamento.
O prof. João
Azevedo, certamente, também, tenderá a compartilhar conosco da reivindicação
pela média sete. E o professor João Azevedo que se coloca, realmente, ao lado
dos estudantes, e ao lado do povo sofrido, do povo humilhado, do povo ofendido,
do povo da favela, do povo ribeirinho, do povo das lagoas e do povo das grandes
fazendas da cana-de-açúcar, ele, certamente, levará conosco a bandeira, levará
conosco a luta de transformar esta Universidade em algo mais próximo dos
estudantes e mais próximo do povo. E a luta também se constitui, não só na luta
pela transformação da universidade, porque a universidade não está divorciada
de toda uma sociedade que também sofre e é vítima. A nossa luta é a luta pela
melhoria das condições de ensino; é a luta pelas reivindicações específicas,
mas é, também, a luta pela transformação dessa sociedade brasileira numa
sociedade justa, numa sociedade sem exploradores, numa sociedade sem oprimidos,
numa sociedade onde homens vivam de barriga cheia.
Que vivamos
num País de liberdade!