quarta-feira, 9 de março de 2016

Naná Vasconcelos e o berimbau mágico

Edberto Ticianeli

Recebi hoje a notícia que Naná Vasconcelos tinha partido para batucadas superiores. Com a sua morte, soube também que ele na verdade nasceu Juvenal de Holanda Vasconcelos. Revelação que faz pensar sobre a importância relativa dos nossos nomes, os que vão para os registros. Acho que Naná já nasceu Naná. O nome veio como prenúncio das suas habilidades musicais.

Tive o prazer de ver performances magistrais desse gênio da percussão mundial. Com aquele jeito tranquilo, dominava a plateia por horas com seu berimbau mágico.

Hoje, ao saber da sua morte, me veio imediatamente à mente a recordação de um episódio com ele, que me serviu para medir o quanto era admirado e respeitado por seus colegas de profissão.

Estava em Brasília, no início de 2005, cumprindo mais uma missão de correr pires nos ministérios para conseguir recursos para a Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas. À noite, dei uma saída até a porta do hotel para telefonar para a família quando me deparo com Naná Vasconcelos fumando um cigarro e olhando a fria paisagem da capital federal.

Iniciamos uma conversa e no meio dela lembrei-me de ter ouvido do Wilson Santos, o Wilson dos Tambores, renomado percussionista alagoano, que venerava a arte de Naná Vasconcelos. Resolvi fazer uma surpresa ao amigo. Peguei o telefone celular e liguei para ele.

— Wilson, estou em Brasília e encontrei aqui uma pessoa que quer falar com você —, disse isso e passei o telefone para o Naná Vasconcelos.

— Fala aí, Wilson! Como você está, meu camarada? —, perguntou.

Wilson deve ter indagado quem era seu interlocutor e após as apresentações conversaram por alguns minutos. Naná me devolveu o telefone e voltei a falar com o Wilson. Na verdade, não voltei a falar: ele chorava e mal conseguia dizer alguma coisa.

— Rapaz! Eu falei com o Naná! Cara, você não sabe o tamanho da minha emoção. Esse cara é pra mim um deus.

Fiquei espantado com a reação dele, mas logo compreendi o que tinha acontecido. Naná estava colhendo o que plantou, tocando os corações dos que sabiam ouvir no seu berimbau a obra de um músico que cantava o Brasil e seus sons como poucos.

A música brasileira perdeu um dos seus nomes maiores. A compensação é que milhares de Wilson dos Tambores, seus admiradores e continuadores, estão espalhados por aí continuando a bater em couros e a vibrar arames.



Wilson dos Tambores

terça-feira, 14 de abril de 2015

A Globo já apanhou na cara por mentir

Gregório Fortunato
e Bejo Vargas
A grande imprensa golpista tem a prática corriqueira de atacar adversários políticos com mentiras com o intuito claro de destruir a sua imagem pública.

Ela sabe que depois, mesmo que não se comprove nada, a vítima jamais se recuperará do desgaste.

Essa prática é antiga, mas nem sempre terminou bem para os detratores.

No terceiro volume do livro Getúlio, de Lira Neto, há a narrativa de um episódio que mostra como a Globo já fazia canalhices em 1946.

Roberto Marinho, apoiou Getúlio em 1930, mas depois aderiu ao golpe militar que derrubou Vargas em 1945.

Com Getúlio Vargas fora do poder, o ataque a ele era violento por parte dos udenistas, que contavam com o apoio da grande imprensa da época.

Aproveitando-se da queda de um prédio em obras, que matou mais de 10 operários, o jornal O Globo encontrou uma forma de atacar Getúlio atingindo seu irmão, Benjamin Vargas.

Na cobertura jornalística do desastre, O Globo informou que “segundo dados obtidos no local pela nossa reportagem, o prédio era de propriedade do sr. Benjamin Vargas”.

Lira Neto revela que mais tarde ficou comprovada que esta informação não tinha fundamento algum.

Benjamin Vargas, o Bejo, não apelou para a Justiça, como se faz hoje.

Procurou Roberto Marinho, e na noite de 11 de fevereiro de 1946 encontrou-o no Restaurante Quitandinha.

O proprietário e editor de O Globo jantava com amigos da fina flor da sociedade fluminense quando recebeu um bofetão no rosto.
 
Roberto Marinho e Getúlio Vargas em 1940
Após a agressão, Bejo recuou três passos, gritou “Canalha!”, apontou o revólver para Roberto Marinho e ficou aguardando a reação, que não veio.

Com a intervenção dos funcionários do restaurante, Bejo foi contido e retirado do local.

A partir daí a perseguição aos Vargas tomou outra dimensão, com os resultados que a história já registrou.

É bom lembrar que nessa escola do ataque mentiroso, Roberto Marinho não estava sozinho. Assis Chateaubriand e Carlos Lacerda eram mestres e parceiros nesta arte.

A grande imprensa brasileira, infelizmente, ainda carrega esse DNA.

Na ânsia de atingir objetivos políticos, não tem escrúpulos e nem compromisso com a verdade.

Talvez seja por isso que, com o surgimento da internet, jornais fecham e canais de televisão perdem audiência.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Escolas de samba e o espetáculo no mundo da competição

Passistas em Recife em1947. Foto Pierre Verger
No rescaldo das cinzas carnavalescas, a polêmica que dominou as redes sociais foi o discutível patrocínio que a campeã, Escola de Samba Beija-Flor, recebeu do ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que há 35 anos comanda o país africano. O enredo da campeã foi: "Um Griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade".

Sem diminuir a importância de se discutir os interesses dos patrocinadores dos desfiles milionários das escolas de samba, que podem receber apoio de bicheiro, traficante, político, ditador ou Rede Globo, destaca-se nesta polêmica o envolvimento emocional de alguns internautas, assumindo claramente a postura de torcedor.

Em Alagoas, vários comedores de sururu manifestaram preferência por alguma escola de samba carioca. A pergunta que surge destas manifestações é: por que escola de samba tem torcida? E pior: por que uma escola de samba carioca tem torcida em Alagoas?

Sem pretensão de responder a questões tão complexas, no máximo pode-se apresentar algumas pistas.

Carnaval festa X Carnaval espetáculo

Independente das incertezas sobre a origem do carnaval e das imprecisões históricas sobre a sua evolução até os dias de hoje, pode-se afirmar que o carnaval é uma festa. Segundo o historiador Hiram Araújo, “O carnaval é a segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É a vida festiva”.

É uma festa de rua e assim atravessa séculos, vencendo até a teimosia da igreja católica, que repudiava o carnaval. Mas, em pleno capitalismo industrial, o carnaval começa a sofrer mudanças profundas. Assim, no Brasil do final do século XIX e início do XX, as ruas das modernas cidades, que desde o século XVII recebia os brincantes do carnaval, se transformam em espaço controlado pelo poder, que estabelece normas de acordo com os seus interesses políticos, sociais e econômicos.

As novas cidades negam espaço ao anárquico e “sujo” entrudo, com suas seringas e limões-de-cheiro. Ele é proibido, dando lugar ao confete, serpentina e lança-perfume. Surgem nas novas avenidas os desfiles das sociedades, ranchos e dos cordões carnavalescos – que deram origem aos blocos -, além de criar condições para receber o corso. Os bailes carnavalescos em clubes se multiplicam.
 
Carnaval de rua nos anos 60
Entretanto, o carnaval como festa começa a ser ameaçado quando, em 1913, os ranchos carnavalescos do Rio de Janeiro abandonam os seus tradicionais espaços de desfile e se deslocam para o Passeio Público, onde, em frente ao Jornal do Brasil, foi montada uma comissão julgadora para definir quem receberia um troféu de bronze oferecido pela Cervejaria Hanseática. Esta inovação partiu de três cronistas carnavalescos: Vagalume, Miúdo e Picareta.

A partir de 1930, com Getúlio Vargas no poder, e já com a presença dominante das escolas de samba, os desfiles continuam a receber prêmios, mas sofrem descontinuidade. Somente em 1935 é que Vargas baixa um decreto regulamentando os desfiles, tornando-os oficias. Recebiam subvenções, mas tinha que adotar enredos que traduzissem os objetivos políticos do governo federal. Nas décadas de 60 e 70, a classe média desembarca nas escolas de samba provocando a “revolução estética”, e nos anos 80 acontece a “revolução econômica”, com as escolas de samba sendo adequadas ao tempo e as exigências das televisões, para quem se apresentam em troca de grandes aportes financeiros.

Competição gera espetáculo

Assim, 102 anos após um Picareta, um Vagalume e um Miúdo terem investido numa competição, as escolas de samba deixaram de ser cordões carnavalescos, uma festa do povo, e se transformaram numa engrenagem complexa que envolve muita grana e pouca espontaneidade, característica fundamental para a festa.

O pior é que esse modelo de carnaval como competição se espalhou pelo país, provocando o empobrecimento do carnaval como festa. Felizmente, nem todo mundo copiou isso, e o carnaval como festa resistiu e hoje experimenta um crescimento. Os blocos proliferam em todos os recantos do Brasil, sem nenhuma preocupação em serem os maiores ou melhores. Se organizam para brincar o carnaval. O brincante volta a ser o personagem central do carnaval.
 
Carnaval de rua no Rio de Janeiro
Um bloco de brincantes é muito diferente de um grupo que se organiza para ganhar um prêmio ou subvenção pública. Nestes, tem que ter muito ensaio e produção, suprimindo a espontaneidade. Uma escola de samba do Rio de Janeiro tem tempo de desfile determinado, todos os seus movimentos são ensaiados e não se pode beber durante o desfile. Isso é uma festa?

Por estas razões, não torço por escola de samba e nem acho relevante saber se os patrocinadores são bicheiros, traficantes, políticos, ditadores ou rede de televisão. Preocupo-me mais em saber quantos blocos carnavalescos estão nas ruas, criando momentos de pura festa, mantendo o carnaval como um evento para o riso, sem as tensões de ter que vencer alguém numa disputa. Torço mesmo é para que o fim das competições aconteça também na vida normal dos cidadãos. Vamos FESTEJAR o carnaval e humanizar a vida. Chega de ver o próximo como alguém a ser vencido.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Leitores abandonam o jornal impresso em Alagoas

Há poucos dias, o jornalista Bernardino Souto Maior noticiou em seu blog, no Portal Cada Minuto, que o também jornalista Marcelo Firmino tinha sido demitido da Gazeta de Alagoas. A informação surpreendeu e provocou comoção entre os profissionais de comunicação. Afinal, Firmino é um dos melhores profissionais do jornalismo alagoano.

Entretanto, outra informação importante da matéria do Bernardino ficou em segundo plano. Lá na última linha está escrito: “Comenta-se na redação da Gazeta, que outras demissões poderão vir por aí”. Seria uma especulação do jornalista ou a Gazeta vai mesmo passar por um processo de adaptação ao mercado consumidor do jornal impresso?

É possível que a crise do jornal impresso, que vem engolindo redações há algum tempo, tenha chegado para valer na Gazeta. Mesmo lamentando a redução do mercado de trabalho para jornalistas, não se pode negar que inúmeros jornais e revistas estão fechando no mundo inteiro devido à redução no número dos seus leitores.

Em Alagoas, não é conhecido nenhum estudo sobre este fenômeno. O IVC, que verifica a circulação dos jornais, é guardado a sete chaves. Mas, o único jeito para saber se os leitores dos jornais impressos em Alagoas continuam a comprar jornal como antes, é perguntando a eles.

Pesquisa

Um simulacro de pesquisa foi enviado para 28 personalidades alagoanas, inquirindo sobre como se dá, hoje, o acesso delas à informação. Foram entrevistas rápidas, envolvendo cinco empresários, um publicitário, dois arquitetos, dois jornalistas, um músico, um assessor legislativo, dois economistas, um engenheiro, um médico, dois advogados, dois administradores de empresa, uma assistente social, uma assistente administrativa, três professores, um líder comunitário, um historiador e um servidor público.

O primeiro questionamento foi se eles continuavam a ler jornal impresso como antes. A metade dos entrevistados admitiu que não lê mais. Um deles continua lendo como antes e 13 leem bem menos ou raramente. O destaque ficou para um jornalista que trabalha em assessoria de comunicação. Ele afirmou que não lê mais o jornal impresso.

O volume de informações é o principal motivo para 11 dos entrevistados optarem pela internet como fonte de notícias. Oito argumentam que o motivo é a rapidez com que a notícia chega até eles. A facilidade de acesso à internet é lembrada por cinco dos entrevistados. Somente um deles afirmou que é avesso à informação com origem nesta mídia. Dois não explicaram e um disse que se informa pela televisão.

Mesmo sofrendo pelo enorme abandono, o jornal impresso ainda é elogiado por algumas das suas características. “A vantagem de um jornal impresso é a possibilidade de visualização de todo um layout, uma leitura dinâmica das manchetes, das fotos e localização das colunas que estávamos acostumado”, argumenta um empresário.

Para uma arquiteta, “a organização dos assuntos, geralmente agrupados em cadernos, torna a leitura mais objetiva e mais personalizada também. Afora isto, penso que os jornais dispõem de mais credibilidade e confiabilidade do que as publicações eletrônicas, no que concerne às fontes de pesquisas. O papel, em si, guarda o tempo de uma forma mais palpável e visível. Eu diria que os jornais impressos são ótimos receptáculos do tempo”.

Parcialidade

Outro dado importante detectado na pesquisa foi a quase inexistência de assinaturas para acesso a qualquer mídia. Um dos dois assinantes de jornal revelou que ultimamente só lê o Caderno Digital, e o outro, um empresário, disse que assina pelos classificados, mas que vai cancelar a assinatura. Outro assina a revista Veja e Exame há mais de 30 anos. Dos usuários da internet, somente um assina a UOL/Folha.

A questão da parcialidade da informação também ganha destaque como motivo para o abandono das mídias impressas. Um médico argumenta que “quando passamos a entender os interesses que movem a imprensa, fica difícil acreditar no que é publicado. Faz tempo que sigo pela web aquilo que me interessa e as fontes que acho confiáveis. Sem falar na péssima qualidade dos textos e nos press releases, publicados em várias mídias sem mudar uma vírgula! São ruins demais”.

Uma assistente social vai na mesma direção. “Perdi um pouco o saco, pois é muita manipulação. A notícia tem dono”. Um jornalista argumenta que não há liberdade de imprensa para afirmar que “a Internet permitiu uma maior democratização da informação”. Para um servidor público, a sua preferência pelas notícias em blogs e sites da internet se deve ao conteúdo pobre dos jornais impressos em Alagoas.

Mesmo sem maiores pretensões de pesquisa com métodos científicos, essa coleta de opiniões pode servir para se ter uma ideia do estrago que a internet está fazendo com o jornal impresso. Não há dúvidas: o mercado de leitores não é mais o mesmo e o papel do jornal impresso e o dos seus profissionais têm que ser repensado.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A greve da Engenharia de 1979 e o autoritarismo na Ufal

Reunião do movimento estudantil em 1979. Foto de Josival Monteiro
A reconquista do movimento estudantil pela esquerda em Alagoas após as prisões dos dirigentes estudantis em 1973, teve as primeiras iniciativas ainda em 1975, mas foi em 1978 que todas as entidades de estudantes da UFAL passaram a ser dirigidas por lideranças de esquerda.

Antes, em 1977, a vitória de Renan Calheiros na Área III, de Humanas, permitiu que a primeira trincheira fosse ocupada por estudantes comprometidos com as lutas democráticas. Foi o Diretório da Área III que abrigou todo o movimento estudantil. As suas reuniões tinham desde a participação de estudantes da Escola de Ciências Médica, até a secundaristas da Escola Técnica.

Em 1978, o Diretório da Área I (Exatas) foi presidido por Edberto Ticianeli. O da Área II (Saúde) pelo Maurício Macedo e o da Área III por Régis Cavalcante. A primeira grande mobilização foi pela reconstrução dos Centros Acadêmicos que tinham sido fechados pela Ditadura, e a criação de Centros Acadêmicos nos novos cursos da Ufal.
 
Assembleia na Ufal. Foto de José Feitosa
Essa estratégia procurava aproximar as entidades da luta dos estudantes. A experiência da greve de Arquitetura, em 1977, deixou claro que as lutas econômicas eram mais mobilizadoras dos estudantes. Desta greve surgiu o Centro Acadêmico de Arquitetura.

Greve de Engenharia

Thomaz Beltrão, no início de 1979, sucedeu Ticianeli na presidência do Diretório da Área I. O nível de organização nos cursos de Engenharia, Arquitetura e Agronomia era muito elevado. Em todos, atuavam de forma organizada núcleos de militantes do PCdoB. Logo, os Centros Acadêmicos estavam funcionando a todo vapor. Eram os últimos dias dos Diretórios de Área.

Na Engenharia, a insatisfação com os níveis de repetência nas disciplinas ensinadas pelo professor Arlindo Cabús provocava inúmeras reuniões entre estudantes e dirigentes da Ufal. Com o próprio professor, houve conversas para se tentar encontrar uma fórmula de reduzir as reprovações para um nível aceitável.

Não havia acordo e os estudantes resolveram entrar em greve. A reivindicação apresentada ao reitor Manoel Ramalho cobrava o afastamento do professor do curso de Engenharia. Uma tarefa difícil para estudantes em um regime de Ditadura Militar.

Diante da complexidade da situação, todas as lideranças correram em auxílio aos estudantes da Engenharia. A greve agora era uma luta que tinha o apoio de todo movimento estudantil. A mobilização ganhou corpo e resolveu ir às ruas.

Mesmo sob imensa pressão da polícia, no início de novembro de 1979 foi realizada a primeira passeata de rua desse período de retomada dos movimentos sociais em Alagoas. Centenas de estudantes se concentraram na Rua Boa Vista, em frente ao Jornal de Alagoas, e saíram em marcha pelo centro da cidade.
 
Passeata na greve de Engenharia em 1979
O clima era tenso. Era esperada alguma provocação da polícia para justificar uma ação violenta contra a manifestação. Os estudantes não queriam dar motivos para isso e deixavam claro que era uma luta contra o autoritarismo da Ufal e que precisavam do apoio da população. Esse apoio veio logo. As histórias sobre as reprovações deste professor eram conhecidas por muita gente.

Posse de João Azevedo

O reitor Manoel Ramalho estava em fim de mandato e parecia que não ia resolver nada. Havia muita conversa e pouca resolução. A greve prolongada já entrava num momento de desgaste. Muitos alunos temiam perder o ano por causa da paralisação. A estratégia adotada foi a de endurecer a luta para abreviá-la.

Como a posse do novo reitor, João Azevedo, estava marcada para o dia 29 de novembro de 1979, resolveu-se que aquele era o momento propício para uma ação mais ousada. Em segredo, preparam uma ação para impedir o ato se não houvesse nenhuma proposta da Reitoria para a reivindicação dos estudantes.
 
Estudantes cercam a Reitoria e preparam invasão do auditório
Na quinta-feira à tarde, a Reitoria, que ficava na Praça Sinimbu, foi tomada de assalto por centenas de estudantes. O auditório, onde haveria a transmissão de cargo, foi ocupado por jovens com faixas que cobravam o direito da UNE falar na solenidade. Houve uma negociação e ficou acertado que Aldo Rebelo, então secretário-geral da entidade nacional dos estudantes, usaria da palavra.

Convidados e manifestantes dividiram o auditório da Reitoria
Um episódio marcou a chegada dos convidados para a solenidade de posse do reitor João Azevedo. O governador Guilherme Palmeira, ao chegar à porta da Reitoria, recebe uma estrondosa vaia dos estudantes. Ele, desatento, para e pergunta a um assessor: "Eles estão vaiando quem?". O assessor rapidamente responde: "Governador, vamos sair daqui que a vaia é para o senhor".

Como o clima era de beligerância, o discurso do Aldo surpreendeu a todos. De forma equilibrada e inteligente, ele construiu sólidos argumentos para cobrar uma postura democrática dos dirigentes da Ufal. Lembrou os feitos heroicos de alagoanos para afirmar que tínhamos uma memória a honrar. Os estudantes foram recebidos pelo reitor João Azevedo, que assumiu o compromisso de que logo apresentaria uma solução.
 
Aldo Rebelo fala durante posse do reitor João Azevedo
Dias depois houve a reunião e o reitor João Azevedo explicou as dificuldades regimentais que tinha para afastar o citado professor, mas se comprometeu a “promovê-lo” para outro cargo. No final do ano letivo, Arlindo Cabús assumiu a presidência da Copeve, a comissão que organizava o concurso vestibular da Ufal.

A vitória trouxe benefícios imediatos para muitos estudantes de Engenharia, que estavam com seus cursos ameaçados diante das repetências. Para nós, a satisfação maior era a de termos enfrentado um problema que era comum a vários professores: o autoritarismo nas relações com os estudantes.

Muitos destes estudantes que estavam para ser jubilados por não não conseguiram se formar no período de tempo exigido pela Universidade, hoje são profissionais renomados e bem sucedidos. Aprenderam o que que tinham que aprender com outros professores que adotavam critérios de avaliação mais adequados.

Reitor João Azevedo negocia com lideranças estudantis
Esse luta contra esse tipo de autoritarismo é pouco lembrada. Na época, não só se enfrentava um poder militar arbitrário; tinha-se também que travar as pequenas batalhas para derrotarmos uma cultura autoritária incorporada à pedagogia de então. Muitos professores, depois, fizeram autocrítica por terem se valido do terror do poder ditatorial para dominar os estudantes em sala de aula.

Polícia acompanha a saída dos estudantes após a manifestação
Hoje, as relações entre professores e alunos são bens diferentes. Os avanços são evidentes. Mas não custa lembrar que a trajetória entre a palmatória e a pedagogia libertária não foi curta e nem fácil.

DISCURSO DE ALDO REBELO

Magnífico Reitor João Azevedo,
Autoridades civis, militares e eclesiásticas aqui presentes,
Companheiros professores,
Colegas de Engenharia,
Companheiros grevistas aqui presentes,

Disse certo, correto e coerente o professor João Azevedo quando se referiu de maneira serena, de maneira sóbria, de maneira verdadeira à crise, à assombrosa crise que atravessa o ensino superior no Brasil, que atravessa a educação enquanto instituição em nosso País, que atravessa, também, por não fugir à regra, por não ser uma exceção observada, atravessa, também a crise, a Universidade Federal de Alagoas.

Temos conhecimento que, através dos anos, de governos autoritários que se sucederam, a Universidade, a Educação deste País foi a vítima maior da diminuição das verbas que afetou os serviços prioritários da Nação, principalmente a saúde, principalmente a educação, principalmente a assistência social. No orçamento de 1980, o governo brasileiro destinará, apenas, 4,28 % do Orçamento do País, como dotação para o Ministério da Educação.
Estudantes esperam a chegada do reitor

Isto, senhores professores, magnífico reitor, companheiros aqui presentes, significa, infelizmente, a menor quota concedida à educação, nestes últimos quinze anos em nosso País. E isto, tem razão o Professor João Azevedo, é muito grave. É muito grave quanto sabemos que várias escolas de nível superior, neste País, ameaçam fechar, ameaçam cancelar seus vestibulares por não encontrar condições de pagar sequer aos funcionários da limpeza, como é o caso da Universidade Federal de Minas Gerais. O magnífico reitor daquela instituição de ensino superior, numa assembleia geral com seus professores, com seus estudantes e com seus funcionários, colocou a dura realidade de que várias escolas da Área de Ciências Humanas da UFMG fechariam suas portas, dispensariam seus estudantes, colocaria a serviço de outras instituições seus professores, por falta absoluta de verba.

E é particularmente mais grave ainda quando nós sabemos que esta crise não é, apenas, uma crise administrativo-financeira; quando sabemos que esta crise não é apenas crise que não permita que os estudantes da UFAL terem acesso ao restaurante universitário; não é uma crise, apenas, que não permita que estudantes da UFAL tenham uma biblioteca por cada curso, sem bebedouros funcionando; que obriga os estudantes de Direito e de outros cursos a perambularem de sala em sala atrás de uma cadeira onde sentar; não apenas uma crise desse tipo. É uma crise mais profunda. É a própria crise de identidade que separa a educação do povo, que separa a criatividade cultural, que separa a pesquisa científica das necessidades tecnológicas do País, das necessidades culturais, das necessidades econômicas e das necessidades sociais da comunidade. É a crise que afasta o médico, que afasta o engenheiro, que afasta o advogado, que afasta qualquer técnico de nível superior das camadas mais pobres e mais humildes porque não têm condições de pagar um serviço caro, um serviço de alto custo. É uma crise mais grave ainda porque não tem saída, porque não tem outra opção senão quando formado ir servir a interesses alienígenas, aos interesses dos exploradores, daqueles que transferem para cá, que transferem para a nossa pátria o seu dinheiro para aqui acumular, para aqui nos explorar e para aqui, também, levar o que existe de criatividade em nosso País. E esta crise precisa ser superada.
Deputado Estadual Renan Calheiros

Fala o professor João Azevedo: o homem nordestino, humilde, sereno, altivo ao mesmo tempo, é aquele que só agradece quanto tem certeza de que faz com honestidade. Mas o agradecimento, a certeza da honestidade, a dignidade e a humildade ao mesmo tempo do homem nordestino traz, também, no seu bojo uma história de lutas e uma história de reivindicações que vem desde os tempos do Zumbi do Quilombo dos Palmares, que, rolando as serras, morreu ao lado de milhares de seus compatriotas africanos aqui presentes, ludibriados pelos latifundiários e donos dos engenhos de açúcar. Traz, também, a dignidade da luta dos cangaceiros de Lampião que não se submeteram à perseguição policial e que entraram nas brenhas resistindo o tempo todo.

E exata resistência, companheiros, é o que nos cabe aqui evocar. É a resistência dos brasileiros, é a resistência que vem desde o tempo dos portugueses quando os estudantes, ao lado deles, expulsaram daqui os franceses; quando os estudantes, ao lado deles, também expulsaram os invasores holandeses. E hoje, aqui presentes, nós temos novamente a dar este testemunho de resistência.

A universidade subjugada, a universidade submetida, a universidade escravizada, a universidade entregue de braços abertos aos interesses imperialistas, a universidade entregue de braços abertos aos interesses mercantilistas não pode continuar. Essa universidade exige dos estudantes, exige dos professores, exige de todos os homens de boa vontade, de todos os patriotas, de todos os democratas deste País um posicionamento firme. Não podemos deixar, companheiros, – é também obrigação nossa – que a Universidade Federal do Acre, onde nós estivemos há pouco mais de um mês, seja transformada num campo de concentração que favorecerá, certamente com os cursos que lá estão sendo criados, aos grandes latifundiários que estão destruindo, de uma vez por todas, a Amazônia. Um companheiro nosso mostrava um mapa do Acre, construído há mais de dez anos, onde dezenas (...) estão hoje desaparecidas, morrendo na Cordilheira dos Andes, nas nascentes dos rios Tocantins e Purus. Esta ameaça que nos fuzila como se animais fossem, é esta ameaça que também paira sobre a universidade.

E este grito uníssono, este grito bravo, este grito de resistência dos companheiros de Engenharia que aqui se encontram em greve é um testemunho de que, em nossa terra existe resistência; é um testemunho de que não morreu a luta de Tiradentes; é um testemunho de que não morreu a luta daqueles que tombaram, inclusive estudantes, ao longo desses quinze anos em defesa desta terra explorada e oprimida.

E agora, quando toma posse o digníssimo, o caríssimo, o magnífico reitor João Azevedo, de quem tomamos várias horas em diálogo quando representávamos aqui os estudantes, no seu gabinete de Vice-Reitor, de quem nos aproximamos através de embates sobre nossas reivindicações, agora à tarde, dou o testemunho desses companheiros que estão aqui em greve. Os companheiros de Engenharia querem aula. Os companheiros de Engenharia querem professores. Os companheiros de Engenharia querem melhores condições de ensino, mas os companheiros de Engenharia também querem justiça. Os companheiros de Engenharia exigem que a Universidade democrática seja democrática, também, com os estudantes; que a Universidade combativa tenha, em primeiro lugar, a participação daqueles que a conseguem com o seu saber e a sua cultura; dos professores, dos pesquisadores e, também, dos estudantes, como dos funcionários que, labutando dentro dos gabinetes, e também trabalhando dentro dos laboratórios, constituem a força de trabalho que botam o ensino, a educação e a cultura para frente.

E este testemunho, finalizando, é testemunho de que o Prof. João Azevedo se comprometerá, certamente, como sempre tentou se comprometer, apesar de não representar a sua própria vontade, apesar de não poder passar, certamente, pelos instrumentos de arbítrio que o prendem, que o amarram como amarram todas as instituições deste País, apesar de, como nós, ser fruto da mesma cadeia que cerceia a liberdade de pesquisa, que cerceia a liberdade da palavra, ele, certamente, se comprometerá com as reivindicações. Ele, certamente, tirará a Universidade, tirará da Escola de Engenharia - se for, realmente, reivindicação justa dos estudantes - um professor que não corresponde às suas aspirações. E ele, certamente, também, se colocará a favor da nossa luta pelo fim desse instrumento opressivo, pelo fim desse instrumento que não ajuda a construção de uma Universidade democrática que é o maldito instrumento do jubilamento.

O prof. João Azevedo, certamente, também, tenderá a compartilhar conosco da reivindicação pela média sete. E o professor João Azevedo que se coloca, realmente, ao lado dos estudantes, e ao lado do povo sofrido, do povo humilhado, do povo ofendido, do povo da favela, do povo ribeirinho, do povo das lagoas e do povo das grandes fazendas da cana-de-açúcar, ele, certamente, levará conosco a bandeira, levará conosco a luta de transformar esta Universidade em algo mais próximo dos estudantes e mais próximo do povo. E a luta também se constitui, não só na luta pela transformação da universidade, porque a universidade não está divorciada de toda uma sociedade que também sofre e é vítima. A nossa luta é a luta pela melhoria das condições de ensino; é a luta pelas reivindicações específicas, mas é, também, a luta pela transformação dessa sociedade brasileira numa sociedade justa, numa sociedade sem exploradores, numa sociedade sem oprimidos, numa sociedade onde homens vivam de barriga cheia.


Que vivamos num País de liberdade!