sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Vingando uma camisa


Edberto Ticianeli

Todo menino que aprontou tem uma história para contar envolvendo bicicleta. Não escapo dessa máxima.

Morador da Ponta Grossa, com 12 anos de idade, o meu sonho era ter uma bicicleta. Como as condições da família não permitiam, a solução era alugar uma.

Existiam várias garagens alugando bicicletas na Ponta Grossa, normalmente eram equipamentos velhos e precários. Os seus proprietários tinham um controle rígido sobre o tempo do aluguel: uma hora era uma hora. Os que falhavam eram excluídos do quadro de locatários idôneos e ficavam sem poder alugar bicicletas.

Por essa falta de flexibilidade, eu fui reduzindo as minhas opções de acesso às garagens, até que somente me restou a do “Chupeta”, lá no Vergel, nos fundos do Colégio Municipal. “Chupeta” era o terror dos atrasados. Lá o pagamento era adiantado e a camisa do usuário ficava penhorada como garantia, e ainda sofria a ameaça de passar por um bronzeamento num latão cheio de óleo queimado, caso houvesse atraso.

Durante semanas consegui cumprir o horário estabelecido para devolver a bicicleta, mas sempre tem aquele dia em que você perde a hora. Naquele sábado, corri o que pude para cumprir o acertado, contudo, ao entregar a bicicleta, calmamente o “Chupeta” disse:

— Menino, pegue a sua camisa dentro daquele balde ali.

A raiva era tanta que quando cheguei em casa, a vingança já estava arquitetada. Combinei com alguns amigos os detalhes e, no sábado seguinte, eles foram até o “Chupeta” e locaram quatro bicicletas, pagas por mim. Claro que deixaram camisas velhas, previamente escolhidas para terem um triste fim. Aguardei escondido na esquina do Colégio Municipal. De posse das bicicletas, seguimos pela Avenida Monte Castelo em direção à “pista”, um píer de concreto que recebia os hidroaviões dos anos 20, quando a Lagoa Mundaú era o nosso aeroporto.

A “pista”, durante os sábados à tarde, se transformava numa passarela para os ciclistas da região. Recebia bicicletas ornamentadas e malabaristas das duas rodas. A construção permitia isso, já que avançava lagoa adentro. Conseguir se equilibrar sobre as suas muretas laterais era o maior desafio do local. A “pista” terminava num declive suave, mergulhando na Mundaú.

Chegamos nessa festa com as nossas bicicletas alugadas — uma vergonha para os padrões do local — e fizemos o reconhecimento da área com um breve passeio. Depois disso, nos postamos alinhados e arrancamos em direção à lagoa. Para surpresa de todos, mergulhamos em alta velocidade, levando junto as bicicletas.

Saímos da Mundaú calmamente, deixando lá, para sempre, as bicicletas do “Chupeta”. Minha camisa estava vingada.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Manifesto em Defesa da Civilização

Desempregados em Portugal

A iniciativa de lançar o Manifesto partiu de um grupo de economistas da Unicamp, diante do que eles consideram "uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática".

O documento analisa ainda que "o homem controlou a natureza e criou um nível de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima parte", e desafia: "É preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização".


MANIFESTO EM DEFESA DA CIVILIZAÇÃO

Vivemos hoje um período de profunda regressão social nos países ditos desenvolvidos. A crise atual apenas explicita a regressão e a torna mais dramática. Os exemplos multiplicam-se. Em Madri uma jovem de 33 anos, outrora funcionária dos Correios, vasculha o lixo colocado do lado de fora de um supermercado. Também em Girona, na Espanha, diante do mesmo problema a Prefeitura mandou colocar cadeados nas latas de lixo. O objetivo alegado é preservar a saúde das pessoas.

Em Atenas, na movimentada Praça Syntagma situada em frente ao Parlamento, Dimitris Christoulas, químico aposentado de 77 anos, atira contra a própria cabeça numa manhã de quarta-feira. Na nota de suicídio ele afirma ser essa a única solução digna possível frente a um Governo que aniquilou todas as chances de uma sobrevivência civilizada. Depois de anos de precários trabalhos temporários o italiano Angelo di Carlo, de 54 anos, ateou fogo a si próprio dentro de um carro estacionado em frente à sede de um órgão público de Bologna.

Em toda zona do euro cresce a prática medieval de anonimamente abandonar bebês dentro de caixas nas portas de hospitais e igrejas. A Inglaterra do Lord Beveridge, um dos inspiradores do Welfare State, vem cortando recorrentemente alguns serviços especializados para idosos e doentes terminais. Cortes substantivos no valor das aposentadorias e pensões constituem uma realidade cada vez mais presente para muitos integrantes da chamada comunidade europeia. Por toda a Europa, museus, teatros, bibliotecas e universidades públicas sofrem cortes sistemáticos em seus orçamentos. Em muitas empresas e órgãos públicos é cada vez mais comum a prática de trabalhar sem receber. Ainda oficialmente empregado é possível, ao menos, manter a esperança de um dia ter seus vencimentos efetivamente pagos. Em pior situação está o desempregado. Grande parte deles são jovens altamente qualificados.

A massa crescente de excluídos não é um fenômeno apenas europeu. O mesmo acontece nos EUA. Ali, mais do que em outros países, a taxa de desemprego tomada isoladamente não sintetiza mais a real situação do mercado de trabalho. A grande maioria daqueles que hoje estão empregados ocupam postos de trabalhos precários e em tempo parcial concentrados no setor de serviços. Grande parte dos postos mais qualificados e de melhor remuneração da indústria de transformação foram destruídos pela concorrência chinesa.

Nesse cenário, a classe média vai sendo espremida, a mobilidade social é para baixo e o mercado de trabalho vai ficando cada vez mais polarizado no país das oportunidades. No extremo superior, pouquíssimos executivos bem remunerados que têm sua renda diretamente atrelada ao mercado financeiro. No extremo inferior, uma massa de serviçais pessoais mal pagos sem nenhuma segurança, que vivem uma realidade não muito diferente dos mais de 100 milhões que recebem algum tipo de assistência direta do Estado. O Welfare State, ao invés de se espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos, encolhe, aumentando a quantidade de deserdados.

Muitos dirão que essa situação será revertida com a suposta volta do crescimento econômico e a retomada do investimento na indústria de transformação nestes países. Não é verdade. É preciso aceitar rapidamente o seguinte fato: no capitalismo, o inevitável avanço do progresso tecnológico torna o trabalho redundante. O exponencial aumento da produtividade e da produção industrial é acompanhado pela constante redução da necessidade de trabalhadores diretos. Uma vez excluídos, reincorporam-se – aqueles que o conseguem – como serviçais baratos dentro de um circuito de renda comandado pelos detentores da maior parcela da riqueza disponível. Por isso mesmo, a crescente desigualdade de renda é funcional para explicar a dinâmica desse mercado de trabalho polarizado.

Diante desse quadro, uma pergunta torna-se inevitável: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?

A angústia torna-se ainda maior quando constatamos que as possibilidades de conforto material para a grande maioria da população deste planeta são reais. É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc. Numa expressão, escassez de bem estar!

Um bem estar que marcou os conhecidos “anos dourados” do capitalismo. A dolorosa experiência de duas grandes guerras e da depressão pós 1929, nos ensinou que deveríamos limitar e controlar as livres forças do mercado. Os grilhões colocados pela sociedade na economia explicam quase 30 anos de pleno emprego, aumento de salários e lucros e, principalmente, a consolidação e a expansão do chamado Estado de Bem Estar Social. Os direitos garantidos pelo Estado não deveriam ser apenas individuais, mas também coletivos. Vale dizer: sociais. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o direito à saúde, à previdência, à habitação, à assistência, à educação e ao trabalho eram universalizados, milhares de empregos públicos de médicos, enfermeiras, professores e tantos outros eram criados.

O Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e política. Ele é, nesse sentido, revolucionário. Não foi um presente de governos ou empresas, mas a consequência de potentes lutas sociais que conseguiram negociar a repartição da riqueza. Isso fica sintetizado na emergência de um Estado que institucionalizou a ética da solidariedade. O individuo cedeu lugar ao cidadão portador de direitos. No entanto, as gerações que cresceram sob o manto generoso da proteção social e do pleno emprego acabaram por naturalizar tais conquistas. As novas e prósperas classes médias esqueceram que seus pais e avós lutaram e morreram por isso. Um esquecimento que custa e custará muito caro às gerações atuais e futuras. Caminhamos para um Estado de Mal Estar Social!

Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho. É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na sociedade: vencedor ou perdedor. Ainda que a grande maioria das pessoas seja perdedora e não concorra em condições de igualdade, não existem outras classificações possíveis. Não por acaso o principal slogan do movimento Occupy Wall Street é “somos os 99%”. Não por acaso, grande parte da população espanhola está indignada.

Mesmo em um país como o Brasil, a despeito dos importantes avanços econômicos e sociais recentes, a outrora chamada “dívida social” ainda é enorme e se expressa na precariedade que assola todos os níveis da vida nacional. Não se pode ignorar que esses caminhos tomados nos países centrais terão impactos sob essa jovem democracia que busca, ainda, universalizar os direitos de cidadania estabelecidos nos meados do século passado nas nações desenvolvidas.

Como então acreditar que precisamos escolher entre o caos e austeridade fiscal dos Estados, se essa austeridade é o próprio caos? Como aceitar que grande parte da carga tributária seja diretamente direcionada para as mãos do 1% detentor de carteiras de títulos financeiros? Por que a posse de tais papéis que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza gerada pela totalidade da sociedade ganham preeminência diante das necessidades da vida dos cidadãos? Por que os homens do século XXI submetem aos ditames do ganho financeiro estéril o direito ao conforto, à educação e à cultura?

As respostas para tais questões não serão encontradas nos meios de comunicação de massa. Os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva foram ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades. É mais importante perguntar o que o sujeito comeu no café da manhã do que promover reflexões sobre os rumos da humanidade.

A civilização precisa ser defendida! As promessas da modernidade ainda não foram entregues. A autonomia do indivíduo significa a liberdade de se auto-realizar. Algo impensável para o homem que precisa preocupar-se cotidianamente com sua sobrevivência física e material. Isso implica numa selvageria que deveria ficar restrita, por exemplo, a uma alcateia de lobos ferozes. Ao longo dos últimos de 200 anos de história do capitalismo, o homem controlou a natureza e criou um nível de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima parte. Mesmo porque, o bem estar de um só é possível quando os demais à sua volta encontram-se na mesma situação. Caso contrário, a reação é inevitável, violenta e incontrolável. A liberdade só é possível com igualdade e respeito ao outro. É preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização.

Assinaturas

DAVI DONIZETI DA SILVA CARVALHO
EDUARDO FAGNANI
CAMILA LINHARES TEIXEIRA
CLAUDIO LEOPOLDO SALM
MILTON LAHUERTA
EDSON CORREA NUNES
MIRIAM DOMINGUES
WILMA PERES COSTA
NEIRI BRUNO CHIACHIO
NATÁLIA MINHOTO GENOVEZ
PEDRO GILBERTO ALVES DE LIMA
SAMIRA KAUCHAKJE
FABIO DOMINGUES WALTENBERG
ALICIA UGÁ
JULIANO SANDER MUSSE
AMÉLIA COHN
LIGIA BAHIA
MAGDA BARROS BIAVASCHI
FABRÍCIO AUGUSTO DE OLIVEIRA
ANTONIO CARLOS ROCHA
RODRIGO PEREYRA DE SOUSA COELHO
GABRIEL QUELHAS DE ALMEIDA
MARIENE GONÇALVES TUNG
AMILTON MORETTO
ANA AURELIANO SALM
MARCIO SOTELO FELIPPE
FREDERICO MAZZUCCHELLI
CELIO HIRATUKA
EDUARDO BARROS MARIUTTI
ANGELA MOULIN SIMÓES PENALVA SANTOS
ANGELA MARIA CARVALHO BORGES
JOÃO MIRANDA SILVA FAGNANI
RODOLFO AURELIANO SALM
EVA LUCIA SALM
ÉDER LUIZ MARTINS
FERNANDA MAZZONI DE OLIVEIRA
MICHELLE MAUREN DOVIGO CARVALHO
FELIPE LARA CIOFFI
ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO
RONEY MENDES VIEIRA
NAIRO JOSÉ BORGES LOPES
MARIA FERNANDA CARDOSO DE MELO
WILSON CANO
NEREIDE SAVIANI -
FREDERICO LOPES NETO
MARIA DE FÁTIMA BARBOSA ABDALLA
BRANCA JUREMA PONCE
LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO
ALAN GUSMÃO SILVA
JOSE ANTONIO MORONI
VANESSA CRISTINA DOS SANTOS
JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI
EDSON DONIZETTI XAVIÉR DE MIRANDA
MARIA EDUARDA PAULA BRITO DE PINA
MARIA DE FATIMA FELIX ROSAR
CÁSSIA HACK
DERMEVAL SAVIANI
ROBSON SANTOS DIAS
RODRIGO TAVORA GADELHA
JORGE LUIZ ALVES NATAL
LUCIANO VIANNA MUNIZ
ALUIZIO FRANCO MOREIRA
MARISE VIANNA MUNIZ
JURACI COLPANI
ALESSANDRO CESAR ORTUSO
GENILDO SIQUEIRA
CARLOS EDUARDO DE FARIAS
CARLOS ALONSO BARBOSA DE OLIVEIRA
JOSE DAMIRO DE MORAES
FERNANDO MOREIRA MORATO
CELSO JOÃO FERRETTI
SILVIA ESCOREL DE MORAES
DANIEL ARIAS VAZQUEZ
EVERTON DAB DA SILVA
JOÃO GABRIEL BARRETO SILVA ROCHA
CELSO EUGÊNIO BRETA FONTES
SARAH ESCOREL
VINICIUS GASPAR GARCIA
DENIS MARACCI GIMENEZ
DENISE DO CARMO SILVA PEREIRA
JEFFERSON CARRIELLO DO CARMO -
VAGNER SILVA DE OLIVEIRA
GABRIEL PRIOLLI
JÉSSICA MARCON DALCOL
MARINA VENÂNCIO GRANDOLPHO
PEDRO HENRIQUE DE MELLO LULA MOTA
DANIEL SANTIAGO MOREIRA
VANESSA MORAES LUGLI
SANDRA MARIA DA SILVA LIMA
CARLOS RAFAEL LONGO DE SOUZA
MARIA SILVIA POSSAS
LUCIANA RAMIREZ DA CRUZ
CAROLINA PIGNATARI MENEGHEL
PEDRO DOS SANTOS PORTUGAL JÚNIOR
JOSÉ AUGUSTO GASPAR RUAS
WELLINGTON CASTRO DOS SANTOS
ALESSANDRO FERES DURANTE
DANIEL HERRERA PINTO
PEDRO HENRIQUE VERGES
DAVI JOSÉ NARDY ANTUNES
CARLA CRISTIANE LOPES CORTE
CARLOS ALBERTO DRUMMOND MOREIRA
DANIEL DE MATTOS HÖFLING
MARCELO WEISHUPT. PRONI
ENIO PASSIANI
JOSÉ DARI KREIN
ANSELMO LUIS DOS SANTOS
FABIO EDUARDO IADEROZZA
HIGOR FABRÍCIO DE OLIVEIRA
DANER HORNICH
HELDER DE MELO MORAES
JOSE EDUARDO DE SALLES ROSELINO JUNIOR
JULIANA PINTO DE MOURA CAJUEIRO
FERNANDO CATALANI
FERNANDA PIM NASCIMENTO SERRALHA
LEANDRO PEREIRA MORAIS
MARCELO PRADO FERRARI MANZANO
OLIVIA MARIA BULLIO MATTOS
RENATO BROLEZZI
LUCAS JANNONI SOARES
MÁRCIO SAMPAIO DE CASTRO
MARIA PINON PEREIRA DIAS
LUIZ MORAES DE NIEMEYER NETO
RODRIGO COELHO SABBATINI
LÍCIO DA COSTA RAIMUNDO
FERES LOURENÇO KHOURY

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Memória da Flor: uma homenagem a Zé Paulo

Edberto Ticianeli
Zé Paulo na redação do Jornal de Alagoas

O ano era 2009, mas não me recordo do mês. Abro a caixa de e-mail e lá está uma mensagem do Zé Paulo, com mais uma das suas poesias. Começo a ler e descubro que não é mais uma poesia: é uma bela poesia,e com cara de letra de musica.

Como o Júnior Almeida já tinha gravado alguma coisa do Zé Paulo, encaminhei a mensagem para ele, comentando que aquele material tinha tudo para ser uma música. Minutos depois recebi um telefonema do Júnior Almeida:

— Estou aqui arrepiado com a poesia do Zé Paulo. A música está pronta na minha cabeça e assim que terminar eu mostro pra você.

Tempos depois eu recebi a Memória da Flor (veja no Youtube), mais um belo trabalho do Júnior, que, para mim, soa como uma homenagem ao Zé Paulo. “Memória da Flor” está no último CD de Júnior Almeida e dá nome ao disco e ao show, que acontecerá neste sábado, às 21 h, no Teatro Gustavo Leite – Centro de Convenções de Maceió.

Mas quem é esse Zé Paulo?

Conheço José Paulo da Silva Ferreira, Zé Paulo para os mais próximos, há muito tempo. Além de conterrâneo, lá de Pão de Açúcar — onde nasceu no dia 29 de junho de 1962 —, estivemos juntos na militância política no início dos anos 80. Zé Paulo frequentava regularmente a nossa casa, principalmente pela amizade com o meu irmão, o Etenio.

Nessa época, ele já produzia suas poesias, que eram publicadas nos jornais estudantis, como o Semente — jornalzinho dos estudantes universitários de Pão de Açúcar e editado por Etevaldo Amorim. A poesia abaixo foi publicada na edição de novembro de 1980, e traduzia o clima da luta contra a Ditadura Militar.

Metamorfose
Março de 1981. Estudantes secundaristas invadem a a Secretaria de Educação.
Zé Paulo está de boné, no alto à direita. 

Não se pode fugir
do açoite,
da noite
   Mas se pode trazer
   uma lanterna
   muito acessa.

Pode-se dizer não
ao sistema 
que se vai
É preciso dizer não
com força,
com garra,
com toda a certeza
de quem sabe da fé
em uma nova vida.

É preciso saber que
o novo homem nasce
ASSIM.

A Coletânea Caeté do Poema Alagoano, lançada em 1987 pela Secretaria de Cultura de Alagoas, publica uma das poesias de Zé Paulo. Mas, o primeiro trabalho premiado dele foi “A incrível prisão de Rui de Castro”, escolhida para ser publicada no “I Concurso de Poesia Falada”, promovido pela Fundação Cultural Cidade de Maceió, em 1997. Esta é considerada por muitos críticos como uma das melhores poesias da última década do século XX em Alagoas.
Igeja Matriz em Pão de açúcar. Foto de Duan Cícero.

A incrível prisão de Rui de Castro

Numa cidade pequena, 
as moscas estão muito próximas das pessoas.
Rui não está embriagado no bar central, 
com os olhos de molho no copo seco,
molhado de espuma seca,
ouvindo músicas ao violão deserdado de Etênio, 
o ex-hippie, porque Rui está em casa 
com os olhos molhados, enfiados num livro sem fim .
E, se acaba, botam-lhe outro entre as mãos e o cérebro, 
um pouco ante os olhos molhados 
de alguma coisa feito solidão.

Rui não está na calçada da igreja local, 
ouvindo as taras da juventude local, 
entre umas pernas e outras das moças passando
após as conversas com o padre,
morrendo de medo das moças fantasiadas 
morrendo donzelo, culpado, 
enfiando-se na alta calçada de cimento 
querendo sumir por baixo da porta.

Rui não está lá, nem na porta da farmácia,
onde velhos e novos fazendeiros contam os bezerros
vacinados ontem por medo da febre aftosa
e vomitaria nas botas novas dos senhores proprietários 
porque Rui de Castro está em casa, 
sem peito para nada, sem jeito para nada.

Rui de Castro não passeia pelas ruas pequenas, 
malfeitas, porém belas, 
por simples horror dos cumprimentos efusivos
ou não efusivos.
Basta apenas um alô para desconsertá-lo 
e pô-lo em fuga dolorida, a alma exposta pelo avesso;
assim, ultra-sensível ao vento dos lábios
de quem quer que seja mais.

Ele era um rapaz da cultura ou contracultura;
aprendeu inglês ouvindo os Beatles mas,
eu não sei quando nem como,
alguma coisa de humano se perdeu e mora, cara, 
numa cidade tão mínima cabendo toda neste poema.

E Rui nunca mais foi ao rio porque Rui, há muito tempo,
é um rio correndo inexorável para dentro do mar,
com a desvantagem de ser um rio sem margem.

Em 2001, Júnior Almeida grava a música “República da Rocinha”, a partir de uma poesia de Zé Paulo. É a quarta faixa do CD “Dias de Calor”.

Zé Paulo escolheu, como o Rui de Castro do seu poema, morar em Pão de Açúcar. Continuo a receber, semanalmente, algum trabalho seu e, atento, garimpo no meio de tanta coisa boa para ver se encontro outra pedra preciosa.

domingo, 14 de outubro de 2012

As dez estratégias da mídia para manipular as massas


Noam Chomsky
O linguista Noam Chomsky(*) elaborou uma lista das “10 estratégias de manipulação através dos meios de comunicação de massa”.


A seguir veremos em que consistem as 10 estratégias de maneira detalhada, como influem na hora de manipular as massas e em que são baseadas.

1. A estratégia da Distração:

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio, ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de interessar-se por conhecimentos essenciais, nas áreas da ciência, economia, psicologia, neurobiologia e cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais”

2. Criar problemas e depois oferecer soluções.

Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Se cria um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou que se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas desfavoráveis à liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3. A estratégia da gradualidade.

Para fazer que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Foi dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. A estratégia de diferir.

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais difícil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato.

Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Depois, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “amanhã tudo irá melhorar” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia da mudança e aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5. Dirigir-se ao público como crianças.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse uma criança de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se tenta enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como as de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade.”

6. Utilizar o aspecto emocional muito mais do que a reflexão.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e finalmente no sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos.

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de ser revertida por estas classes mais baixas.

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade.

Promover ao público a crer que é moda o ato de ser estúpido, vulgar e inculto.

9. Reforçar a autoculpabilidade.

Fazer com que o indivíduo acredite que somente ele é culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, no lugar de se rebelar contra o sistema econômico, o indivíduo se auto desvaloriza e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10. Conhecer aos indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem.

No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado uma crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, a neurobiologia a psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto em sua forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior que o dos indivíduos sobre si mesmos.

Assustador?

Fonte: Blog Brasil a Rua é Nossa

(*) Linguista, filósofo e ativista político norte-americano, NOAM CHOMSKY (84 nos) é considerado o  mais importante intelectual vivo, que se descreve como um socialista libertário, crítico veemente da política externa dos Estados Unidos.  Suas obras contribuem decisivamente para a formação da psicologia cognitiva, no domínio das ciências humanas.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Corno sob a Teoria do Domínio do Fato


EdbertoTicianeli

As expressões famosas sobre os brasileiros foram enriquecidas com mais uma criação da sabedoria popular.

Depois de ter Deus como compatriota e ser considerado como o melhor técnico de futebol do mundo, o brasileiro agora também é tratado como jurista. Um avanço enorme para nós, já que esta é uma área do saber que exige muito estudo.

Mas, como não se estuda muito neste país, o curso foi intensivo e a distância, pela televisão. A metodologia utilizada foi um estudo de caso: o Mensalão - opa, falha nossa, jurista popular não fala assim –, o correto é Ação Penal 470.

A partir de agora vai ser comum encontrar em mesa de bar vários juristas a discutirem a Teoria do Domínio do Fato, aquela que permite punir sem provas.

Imagine o debate no Bar do Roberto Ladrão, no Poço.

- Zé Dirceu mereceu ser punido. Ele foi o chefe do Mensalão – argumenta o jurista atacante.

- Mas não tem nenhuma prova contra ele – responde o jurista zagueiro.

- E precisa? Agora o que vale é a Teoria do Domínio do Fato: se parece que é, então é.

- Se for assim eu posso afirmar que você é corno.

- Você está me desrespeitando. Se você não provar o que diz, vai pagar caro por isso.

- Eu não preciso provar nada: você é corno sob a luz da tal Teoria do Domínio do Fato que você mesmo defendeu.

- Como assim?

- Data máxima vênia, me responda: onde está sua mulher agora?

- Não sei. Deve ter ido para o dentista ou fazer compras no shopping.

- Se você não sabe onde anda a sua mulher, posso concluir que você está pedindo para levar galha, o que caracteriza uma intencionalidade. Isso me permite dizer que você é corno sem que eu tenha que provar nada.

- Eu não concordo com isso.

- Então recorra ao Supremo, cormo amigo.