quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O imperativo do protecionismo em defesa do interesse nacional


A marca registrada universal da submissão ao colonialismo é quando o colonizado assume como seu e passa a defender o ponto de vista do colonizador. Viu-se isso com todas as letras e cores no Jornal Nacional da semana passada quando o comentarista Carlos Alberto Sardenberg analisou uma troca de notas de protesto entre o Governo americano e o Governo brasileiro. O artigo é de J. Carlos de Assis.

J. Carlos de Assis - Carta Maior

A marca registrada universal da submissão ao colonialismo é quando o colonizado assume como seu e passa a defender o ponto de vista do colonizador. Viu-se isso com todas as letras e cores no Jornal Nacional da semana passada quando o comentarista Carlos Alberto Sardenberg analisou a troca de notas de protesto entre o Governo americano e o Governo brasileiro, o primeiro reclamando da elevação pelo Brasil de tarifas de importação sobre 100 produtos e o segundo condenado a nova leva, a terceira, de inundação de dólares no mercado mundial sob o eufemismo de Facilitação Quantitativa.

O comentarista da Globo desenvolveu o seguinte raciocínio: a nova inundação de dólares – acompanhada, de resto, pelo Banco Central Europeu e pelo Banco do Japão – é um legítimo recurso do Governo norte-americano, assim como dos demais países industrializados avançados, para relançar suas economias titubeantes. Já a elevação de tarifas alfandegárias pelo Brasil não passa de puro protecionismo resultante de um fraco grau de competividade. Assim, o Governo Obama tem razão em acusar a medida brasileira de protecionista, na medida em que ela distorce as virtualidades do mercado livre.

Sou, em geral, simpático ao Governo Dilma, como fui, pelo menos depois de sua guinada desenvolvimentista por volta de 2006, do Governo Lula. Entretanto, nesse caso específico, quero me declarar peremptoriamente como um fanático pelas decisões corajosas de nossa Presidenta. Tenho defendido no Intersul, instituto que presido, o imperativo de um acordo com nossos vizinhos sul-americanos para levantar conjuntamente nossas barreiras tarifárias e articular simultaneamente programas de investimentos e de desenvolvimento, tendo em vista o risco que representa para nós as políticas econômicas dos países ricos.

De fato, na medida em que, depois da reunião do G-20 em Toronto em 2010, esses países optaram pelo que chamam de políticas de austeridade fiscal, os governos europeus dominados pela troika – Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI – deliberadamente decidiram retrair seu mercado interno para gerar excedentes exportáveis. É pelas exportações que pretendem sair da crise. Como esse é o objetivo dos Estados Unidos e do Japão, a pergunta óbvia é: exportar para quem? E a resposta também óbvia é: para os países emergentes, inclusive para nós, Brasil. De fato, no último ano, exportamos menos para a Europa e importamos mais dos Estados Unidos, com que fizemos um déficit de US$ 8 bilhões.

Portanto, quando assume o ponto de vista do Governo americano no caso da nota nos acusando de protecionismo, o comentarista da Globo toma o partido de uma política econômica que, a exemplo da europeia, confia exclusivamente nas exportações, e não no mercado interno, como saída da crise. A decisão do Fed de inundar o mundo de dólares é uma espécie de último recurso já que o Partido Republicano, dominante na Câmara, não deixou Obama fazer um segundo programa de estímulo fiscal de mais de US$ 400 bilhões em 2010. Com isso, o instrumento alternativo restante de política econômica foram as tais “Facilidades Quantitativas” pelo Fed.

Já que a política interna americana não permite que o país adote uma política econômica decente, não é justo que nós, países em desenvolvimento, arquemos com suas consequências, quaisquer que sejam. A corajosa medida brasileira de elevação de tarifas (até 25%) dentro das regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) corresponde inteiramente ao interesse nacional. Os que me honram com sua leitura sabem que mais de uma vez critiquei o ministro Mantega, eventualmente por falta de uma ação firme no comando da economia, mas desta vez faço questão de cumprimentá-lo: a meu ver o caminho é justamente esse.

O próximo passo, espero, é uma empreitada do Itamarati para que nossos vizinhos sul-americanos sejam convencidos do imperativo de uma política comum de investimentos-chave em áreas estruturantes da integração regional. Minha sugestão é que comecemos por um Pacto Siderúrgico, um Pacto de Energia Elétrica e um Pacto Rodoviário. Se erguermos conjuntamente um conjunto de tarifas externas comuns, e ao mesmo tempo estabelecermos as bases para investimentos integrados a partir destes – mas não necessariamente só nestes – setores, podemos realizar, no meio da crise mundial, o sonho da integração sul-americana, melhorando sensivelmente os níveis de bem-estar social em nossa região.

(*) Economista e professor de Economia Internacional da UEPB, autor do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela Editora Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Rumos do Brasil e Brasilianas, e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

“Transformação” do PT gera polêmica em simpósio de História


Discordâncias sobre o caráter dos governos Lula e Dilma marcaram a mesa “Do petismo ao lulismo: o PT ontem e hoje”, uma das que abriram o Simpósio Internacional Esquerda na América Latina: História, Presente, Perspectivas, que acontece na USP. Todos concordaram que o PT mudou, mas enquanto André Singer defendeu as políticas sociais das gestões Lula e Dilma como cumpridoras de parte do programa original do partido, Cyro Garcia e Tales Ab’Saber condenaram o lulismo por, segundo eles, beneficiar grandes grupos econômicos.

São Paulo - Discordâncias sobre o caráter dos governos Lula e Dilma marcaram a mesa “Do petismo ao lulismo: o PT ontem e hoje”, uma das que abriram o Simpósio Internacional Esquerda na América Latina: História, Presente, Perspectivas, que acontece a partir desta terça-feira (11) até a próxima quinta-feira (13) no campus da Universidade de São Paulo (USP). A programação do evento, promovido pelo Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, pode ser conferida no endereçohttp://www.esquerdaamlatina.fflch.usp.br/node/1.
 
Participaram da mesa “Do petismo ao lulismo” o cientista político e jornalista André Singer, ex-porta voz de Lula; Cyro Garcia, presidente do PSTU-RJ e membro da central sindical Conlutas; e o psicanalista Tales Ab’Saber. De maneira geral, Singer fez críticas ao processo de “transformação” do PT – principalmente, a partir de 2002, segundo ele – e buscou defender as políticas sociais adotadas por Lula e Dilma. Garcia e Ab’Saber, por sua vez, condenaram as gestões petistas por, segundo eles, beneficiarem os grandes grupos econômicos.

Em sua exposição, André Singer afirmou que o PT surgiu como um partido de natureza radical mais significativa que seu caráter socialista. “Na história política do Brasil, há uma longa tradição de conciliação pelo alto. O PT se propôs a ser um partido radical a partir dessa leitura. Foi uma novidade a existência de um partido legal e abertamente radical. Numa cultura política avessa ao confronto, se apresenta como um partido que quer romper com a ordem. A segunda novidade e que deu certo: ganhou o apoio dos movimentos sociais desde o início”. 

O cientista político listou três evidências concretas do radicalismo do PT durante os anos 1980, que se traduziu em três recusas: a primeira, a votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985, após a derrota das Diretas Já; a segunda, a votar a favor da Constituição de 1988; a terceira, o rechaço ao apoio do PMDB no segundo turno das eleições presidenciais de 1989, por este ser um partido burguês.

“Minha hipótese é que o PT arquivou esse radicalismo em 2002. Tomou a direção da moderação. Para mim, foi de repente, embora se olharmos com lupa os anos 1990 podemos perceber indícios disso. No entanto, publicamente, nos anos 1990 ainda não estava mudando. Em 2002, a mudança foi abrupta, com a assinatura da Carta ao Povo Brasileiro, que em seguida foi incorporada ao programa de governo do Lula. O que estava lá? Um conjunto de garantias ao capital de que o PT não faria um governo de ruptura. Foi uma mudança de fundo. De um partido de confronto para um partido de não confronto com o capital”, analisou.

Para Singer, o lulismo é a implementação na prática dessa nova política, mas com uma característica incomum: simultaneamente, a ativação de um mercado interno “por baixo”. “Foram executadas políticas de combate à pobreza capazes de ativar o mercado interno e diminuir a desigualdade social, cumprindo uma parte importante do programa original do partido.”

Segundo o ex-porta voz de Lula, essa realidade configurou, em 2006, uma nova base social de eleitores para o PT: adesão de setores de baixa e baixíssima renda e afastamento dos eleitores de classe média. “Hoje, o PT, que era um partido da classe média, é um partido popular. Por causa disso, é muito forte, e essa realidade, somada à capilaridade que acumulou ao longo dos anos, fará com que sua hegemonia dure por muito tempo.”

O presidente do PSTU-RJ, Cyro Garcia, autor do livro PT: de oposição à sustentação da ordem, discordou de Singer quanto ao momento da mudança do caráter do PT. Para ele, a transformação do partido em uma agremiação “da ordem” começou a ocorrer em 1988, quando conquistou as eleições em várias cidades importantes do país. “A partir daí, o PT passa por um processo de profunda burocratização – incrusta-se no aparato estatal burguês. O Congresso do partido de 1991 consolida um projeto reformista. Em 1992, expulsou a Convergência Socialista por defender o ‘Fora Collor’, avaliando que o mesmo tipo de mobilização poderia ser usado contra o Lula em seguida, pois tinham a esperança de que ele ganharia em 1994. Em 1994, passa a aceitar doações de pessoas jurídicas. A Carta ao Povo Brasileiro é o corolário dessas mudanças. O PT abandona o caráter classista e passa a defender o ‘cidadão’”, analisou. 

Para Garcia, o PT tinha um caráter mais classista que radical, já que era formado por setores da Igreja Católica, grupos que haviam participado da luta armada contra a ditadura, organizações trotskistas e, sobretudo, o novo sindicalismo. “O slogan de campanha era: ‘Vote no 3, o resto é burguês’. Sua característica principal era a ruptura da ordem.” Segundo o integrante do PSTU, o partido obteve um crescimento eleitoral progressivo ao longo da década de 1980 sem fazer concessões, contrariando, de acordo com ele, a tese de que uma agremiação de esquerda precisa ceder espaço para a burguesia se quiser ganhar eleições.

Na opinião de Garcia, o governo Lula se beneficiou de uma conjuntura econômica mundial favorável para executar uma política assistencialista que serviu, segundo ele, para manter a pobreza no país. “É uma política para se locupletar da pobreza. Por isso é o partido dos pobres, para que estes continuem votando no PT. Dá o peixe para que continuem dependentes.”

Segundo o integrante do PSTU, não houve distribuição de renda durante as gestões petistas, mas “concentração de renda”. “Tem muito dinheiro a banqueiros, empreiteiras. Um estudo mostrou que de cada real doado ao PT, as empreiteiras têm um retorno de R$ 8,50. É um investimento tranquilo, não é mesmo?”

Em sua exposição, o psicanalista Tales Ab’Saber explicou os principais eixos do seu livro Lulismo, cultura pop e cultura anticrítica. Segundo ele, as gestões petistas deram um passo na direção do favorecimento dos grandes grupos econômicos, estabelecendo um pacto social entre os extremos e uma inclusão social por meio do consumo. “Consumo como centro da própria subjetivação social e política”. Para Ab’Saber, “Lula comandou um grande processo de aceitação da hegemonia do mercado”.

“Houve uma celebração do aquecimento econômico, que pouco alterou a condição de vida concreta. O lastro real deve ser encontrado na expansão brutal das commodities brasileiras e na descoberta de novos campos de petróleo, que se traduzem em negócios futuros garantidos”, opinou. Para ele, após a eclosão da crise econômica internacional, o governo Lula passou a ser visto como um modelo conservador que pode reorganizar uma retomada do capitalismo. “Por isso o Obama chamou o Lula de ‘o cara’. É um modelo edulcorado pela redenção do PT às práticas tradicionais. A gestão política foi entregue à direita política”, defendeu. Para Ab’Saber, toda essa política foi mediada pela figura carismática de Lula, um “ídolo pop”.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Quem ganha?


por Marcos Coimbra, no Correio Braziliense

Com sua proverbial dificuldade de compreender os sentimentos do cidadão comum, os analistas da “grande imprensa” imaginaram um desfecho para as eleições deste ano que a realidade está desmentindo.

A hipótese central com que trabalhavam era que, especialmente nas principais capitais, o julgamento do “mensalão” desgastaria o PT e os partidos da base do governo. Inversamente, que beneficiaria os candidatos da oposição.

O palco por excelência de confirmação da tese seria São Paulo. Lá, achavam que o “primeiro ato” da sucessão presidencial de 2014 iria ocorrer e que o resultado seria desfavorável aos petistas.

Combalido pelo “mensalão”, Lula veria seu indicado perder para José Serra, natural depositário dos sentimentos de rejeição ao PT aguçados pelo julgamento.

E esse seria apenas o caso mais fulgurante de um conjunto de derrotas do “lulopetismo”. Nas grandes cidades, a oposição sairia fortalecida.

Mas é exatamente em São Paulo que estamos constatando que a realidade é diferente. Lá, nada disso acontece.

Se o “mensalão” joga algum papel na eleição, não é o que esperavam.

Só quem pouco conhece o modo como a maioria das pessoas concebe a vida política suporia que elas iriam acreditar no enredo sobre o “mensalão” que lhe é oferecido diariamente pela mídia.

Que existe um lado “mau” — onde estão o PT, suas lideranças e aliados –, e um lado “bom” — onde ficam os que querem vê-los pelas costas. Que os “maus” são responsáveis por coisas horrorosas, que os “bons” jamais praticam.

Não é assim que pensam as pessoas normais. Elas sabem que essa história tem tanta verossimilhança quanto os antigos filmes de caubói.

Por maior que tenha sido o esforço de alguns de nossos jornais de particularizar as culpas do “mensalão”, por mais que tenham tentado circunscrevê-lo e delimitá-lo (por exemplo, o destacando como “o maior escândalo de todos os tempos”), não conseguiram.

Como mostram as pesquisas, naquilo que a vasta maioria da população considera relevante, ele nada tem de único, de especialmente grande ou de característico de petistas e aliados.

O que a ênfase extraordinária no assunto acabou por provocar foi o aumento da “taxa geral de desconfiança” da opinião pública contra o sistema político.

Ela não ficou mais desconfiada do PT. Mas dos partidos e dos políticos de forma indistinta.

O momento que vivemos tem certa semelhança com o que aconteceu na véspera de outra eleição municipal, a segunda do Brasil moderno. Em 1988, escolhemos prefeitos em meio a uma crise de confiança da sociedade em relação ao sistema político.

A sensação de que o governo Sarney era incompetente na luta contra a inflação, que a corrupção corria solta, que os políticos só se preocupavam com seus interesses pessoais, levou o eleitorado de várias cidades a apostas de risco. O desconhecido ficou atraente.

No ano seguinte, elegemos Fernando Collor.

Os tempos são — ainda bem! — outros. Graças à sensação de que no Planalto está um governo que responde adequadamente aos desafios e é sensível ao que a maioria deseja.

É claro, também, que cada um é cada um. Mas não deixa de ser curioso o paralelo: a atração por “políticos diferentes” aumenta na razão direta da percepção de que o sistema político é inconfiável.

Celso Russomano é expressão do fenômeno. E é irônico que a maior vítima do antipetismo esteja sendo seu principal avatar.

PS. Em Curitiba, lidera Ratinho Junior, do PSC. Na televisão, faz questão de se apartar dos “políticos tradicionais”.